A Norma culta: Língua & poder na sociedade brasileira
Por: Fernanda Martins • 27/2/2018 • Resenha • 2.073 Palavras (9 Páginas) • 337 Visualizações
Fernanda Martins de Carvalho[1]
BAGNO, Marcos. A norma culta: língua & poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
Nas primeiras palavras de seu livro, Bagno passou a refletir mais sobre a norma linguística e tentar organizar essas reflexões como um texto. Entretanto, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência fez vir à tona um iminente risco que poderia colocar a língua culta em processo de decadência diante de um líder usuário de uma linguagem tipicamente estigmatizada pelos falantes da língua de prestígio. Assim, por meio de análises acerca as relações entre língua e poder, o autor procurou com este livro mostrar que essas formas de usos da linguagem não devem ser consideradas pelas pessoas que tem a mínima compreensão sobre a história do Brasil e a sociolingüística.
No prólogo deste, o autor inicia com uma reflexão acerca da passagem de um livro do linguista britânico James Milroy, que trata a respeito do uso da língua ainda ser um sustentáculo da discriminação social explícita e cita trechos da colunista Dora Kramer, sobre os grosseiros e constantes erros de língua portuguesa do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nem mesmo com sua vitória teria sido suficiente para que o preconceito linguístico tivesse seu fim dentro da sociedade.
Assim, o autor chega à conclusão de que o preconceito linguístico não existe e o que realmente existe em um preconceito social. A linguagem talvez seja o mais complexo e sutil instrumento de coerção social, principalmente depois que a religião perdeu sua força de repressão e de controle das atitudes sociais dos cidadãos, sendo tudo isso ainda mais nocivo, pois a língua é parte essencial da identidade individual e social de cada sujeito, pois somos a língua que falamos, sendo muito mais do que simples usuários, tendo uma relação muito mais profunda e complexa do que um simples uso. Infelizmente, o que passou a ser conhecida como língua é algo visto como exterior a nós, a própria sociedade, sendo por isso que a língua é considerada difícil, à medida que é cada vez mais estudada, já que ela é uma ciência. Bagno diz que a língua não existe como essência, o que existe são indivíduos falantes de uma língua e que ela é tão concreta quanto àqueles que a falam. Considerar a língua como algo concreto significa considerá-la como uma atividade social, ou seja, como um trabalho realizado pelos falantes através da interação, seja ela falada ou escrita. A língua, em grande medida, é opaca, por estar sujeita às situações e os contextos, fazendo de sua interpretação uma atividade exclusiva da interação social. Em contrapartida com a concepção dinâmica de língua, a concepção tradicional nos apresenta uma norma como se fosse um corpo homogêneo, um produto pronto para o uso, surgindo, assim, a mais notável contradição, de empregar essa norma como um conjunto de regras de aplicação prática. Porém, sabemos que a língua não é uma ferramenta pronta, ela é criada à medida que seu uso é empregado. Essa concepção tradicional opera com uma sequência de reduções, que reduziu língua a norma, de pois a gramática, mais especificamente a uma gramática que despreza o texto e todos os seus componentes, permitindo que muitas pessoas acreditem que as únicas possibilidades de uso da língua estão dentro do manual de gramática e nos dicionários, como se a complexidade que envolve a língua fosse encerrada dentro de normas gramaticais.
Para Bagno, a noção de erro não é absoluta e nem estática, ela varia e flutua de acordo com quem e para quem se emprega. Com frequência, as pessoas que usam a língua de maior prestígio social, por lhes atribuírem um conhecimento superior, se autodenominando exímios usuários da língua, usando-a de maneira mais correta em relação àquelas pessoas que fazem parte das classes menos favorecidas, que usam uma linguagem estigmatizada. O autor, ao analisar as colunas de Dora Kramer, que criticam o modo de falar do então candidato à presidência Lula, constatou que a jornalista tem uma certa preocupação com a concordância verbal e nominal, porém deixa à mostra o seu despreparo ao deixar claro que concordância verbal e plural são duas coisas diferentes, quando, na verdade, as regras de plural fazem parte das regras de concordância. Assim, de acordo com as análises do autor, as considerações da jornalista são desatualizadas, pois, há muito, os PCNS, publicados em 1998, já haviam realizado mudanças nas concepções pedagógicas sobre o ensino da língua, com isso, mostrou uma atitude autoritária, uma vez que não é linguista e tampouco pedagoga para opnar e sustentar propostas de revisão de currículos escolares. Nesse sentido, o autor continua analisando trechos de suas colunas, encontrando diversos erros de concordância verbal. Ressalta ainda que existem alguns brasileiros com escolaridade superior completa e alto grau de letramento que fazem uso de erros de concordância e revela alguns exemplos de erros na imprensa brasileira. Para o autor, esses fenômenos da não concordância são explicados pelo fato da língua portuguesa ser classificada como uma língua em que a ordem mais frequente de ocorrência das palavras no enunciado simples é de sujeito-verbo-objeto, assim, tudo o que é posto após o verbo é intuitivamente analisado pelo falante como objeto, que se mostra fora do campo da concordância verbal.
Segundo as considerações do autor, existem erros mais grosseiros do que outros, pois seguindo uma escala de prestígio social, pode-se constatar que quanto menos prestigiado socialmente é um falante, mais erros são encontram em sua linguagem por àqueles que usam a língua de prestígio. Assim, os mesmos usuários de uma língua encontram menos erros grosseiros em seus discursos. Na linguagem de pessoas que possuem escolaridade superior, os erros cometidos são tidos como lapsos justificados pelo fato de saberem a forma correta de empregar a língua, mas que podem se permitir cometer esses erros. Atualmente, o mesmo fenômeno é tachado de “erro crasso”, pois o que está sendo avaliado não é apenas a língua do indivíduo, mas também a sua própria pessoa, física, individual e social.
De acordo com Bagno, a eleição de Lula para a presidência teve uma relevância incontestável para a história, pois pela primeira vez uma pessoa de seu nível social e biográfico alcançou o posto máximo do poder político, tendo grande importância também para a linguística, já que chegou ao poder um fiel representante da variedade linguística dita popular, que caracteriza a língua falada da maioria da população e que justo pela língua usada forma alvo de preconceito explícito pelos falantes da língua de prestígio. Para a maioria do povo brasileiro é muito mais fácil se identificar com a linguagem usada pelo então presidente Lula do que defini-la como errada. Para que haja alguma mudança em grande escala nos conceitos de língua “certa” ou “errada” é necessário que haja uma transformação radical das relações sociais. Sem essa transformação, todos os milhões de brasileiros considerados pobres que ainda na têm acesso pleno a uma educação de qualidade e as formas linguísticas prestigiadas continuarão sendo estigmatizados, mantidos distantes das vias de ascensão social.
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