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A Prática Tradutória Enquanto Exercício de Encenação da Escrita do Próprio Pela Mediação do Estrangeiro

Por:   •  30/10/2018  •  Artigo  •  3.664 Palavras (15 Páginas)  •  166 Visualizações

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A prática tradutória enquanto exercício de encenação da escrita do próprio pela mediação do estrangeiro no fazer poético de Max Martins e Age de Carvalho

Leila Melo Coroa[1]

Mayara Ribeiro Guimarães[2]

A presente pesquisa se dispôs a estudar como a noção de estraneidade e a questão do estrangeiro se fazem centrais na poesia de Max Martins e Age de Carvalho pela via da tradução em suas respectivas criações poéticas; numa perspectiva que compreende a prática tradutória como exercício de encenação da escrita do próprio pela mediação do estrangeiro, onde a escrita do outro espelha a escrita do próprio. Para tanto, fez-se necessário analisar a condição de estrangeiro, diretamente ligada à experiência de esvaziamento da identidade na poesia de Max, relativo ao significado da imagem que o rio representa dentro da sua poesia, e à experiência de autoexílio vivenciada por Age, expressa no seu fazer poético por meio do sentimento de não pertencimento e de deslocamento no contato com a língua e a cultura alemã. Mas, sobretudo, foi imprescindível verificar como essas duas questões se vinculam à experiência de estranhamento da linguagem na escrita poética, uma vez que a própria condição do poeta implica levar a experiência com a língua ao lugar de estranhamento, seja pela torção da sintaxe, pelos cortes e cesuras nos versos, ou pelas junções. Uma das maneiras de se lograr isso é justamente reencenando a condição de estrangeiridade do sujeito. Desse modo, orientados pela proposta de Antoine Berman (2002) – no livro A prova do estrangeiro – utilizamos o conceito da Visada da Tradução exposto por Berman, ressaltando sobre a importância de – “abrir no nível da escrita certa relação com o Outro, fecundar o Próprio pela mediação do Estrangeiro”, pois “na tradução há alguma coisa da violência da mestiçagem”. (BERMAN, 2002, p. 16), além disso, segundo o autor, a tradução também irá potencializar a obra, uma vez que quando traduzida, algo novo despontará, regenerando a obra. Sob esse prisma foi possível constatar que tanto Max quanto Age ao incorporar – cada um a seu modo – a essência da tradução engendrada por Berman, no sentido de abertura para o outro, incorporando a condição de estrangeiridade dentro do trabalho poético, fizeram com que também ocorresse uma potencialização dentro de suas obras, que desponta oriunda da experiência de estranhamento da linguagem dessa escrita poética.

Palavras-chave: Poesia Brasileira. Tradução. Max Martins. Age de Carvalho.

O POETA ESTRANGEIRO DE SI

Maurice Blanchot afirma que “o poeta está em exílio, está exilado da cidade, está sempre fora de si mesmo, pertence ao estrangeiro. Seu poema é exílio, e esse exílio faz do poeta o errante, o sempre desgarrado, à margem” (BLANCHOT, 1987, p. 238), com o intuito de ampliar as teorias, e consequentemente, as interpretações. Para Blanchot, o estado de exílio do poeta, e o sentimento de estrangeiridade e não pertencimentos são estados imanentes ao fazer poético, o que significa dizer que para este autor todo poeta já carrega dentro de si esta condição, pois ela é primordial para o seu processo de criação. Max e Age cada um a seu modo, incorporam os aspectos descritos por Blanchot, e reafirmam dentro do seu expediente poético, a importância desses aspectos.

 Antoine Berman pondera que “quando se deixa percorrer na vivência de uma língua estranha, ocorre um processo de alargamento cultural e linguístico no indivíduo” (BERMAN, 1984, p. 82), como exemplo, o autor cita estrangeiros que escrevem em francês e que imprime desse modo, sua estranheza à língua. Também evidencia as obras estrangeiras que são traduzidas para o francês e que, portanto, também a marcam com a sua estranheza. Pode-se pensar na trajetória de Age de Carvalho sob esse prisma, e em como Age, partícipe de um plurilinguismo, também força sua língua a se lastrear de estranheza ao mesmo passo em que força a outra língua (neste caso, o alemão), a se deportar para a sua língua materna (português); e em como todo esse processo, interação com as línguas, repercute na sua poesia.

Age carrega em sua poesia todos os lastros de sua estrangeiridade, uma vez que ele se encontra geograficamente e poeticamente nesta condição, como sugere Blanchot. Neste caso, a condição de estrangeiro vivenciada por ele está diretamente vinculada ao seu autoexílio em terra alemã. A experiência de estrangeiridade promove na obra de Age, justamente, o alargamento cultural e linguístico ao qual se refere Berman, e que não por acaso, interfere em sua poesia promovendo um estranhamento que se faz representativo para o seu fazer poético, alterando-o, não por uma questão unicamente estética, mas também genuinamente, pois atua de forma inerente, uma vez que o poeta enquanto estrangeiro em um país, assimila e incorpora elementos dessa cultura naturalmente. Tais elementos reverberam na poética de Age, não meramente como um capricho estético em que o autor deseja adornar seu estilo, mas como o resultado da fusão que a intervenção das duas línguas promove.

E assim o poeta reafirma o estatuto de deslocamento e mestiçagem inerente à sua linguagem poética, fazendo da sua condição apátrida um prenúncio da errância, por estar em viagem e em um processo que lhe permite testar todas as possibilidades dentro da poesia e também da linguagem; e nisto consiste, justamente, a força e beleza dessas errância, de estar em viagem, ainda e sempre.

O processo de encenação deste conceito de estrangeiro proposto aqui, em Max, surgirá do movimento de dissolução da identidade do autor e abertura para o outro, desconhecido. Sobre esse movimento, apoiamo-nos nas palavras de Roland Barthes, quando ele afirma:

Sem dúvida sempre foi assim: desde que um fato é contado, para fins intransitivos, e não para agir diretamente sobre o real, isto é, finalmente, fora de qualquer função que não seja o exercício do símbolo, produz-se esse desligamento, a voz perde sua origem, o autor entra na sua própria morte, então a escritura começa (Barthes, 2004, p. 65).

Ou seja, assim como pondera Barthes, a escritura pertence a uma essência de neutralidade, ela representa a destruição de vozes, ou ainda como sugere Barthes, “esse composto, esse oblíquo aonde foge o nosso sujeito, o branco-e-preto onde vem se perder toda identidade, a começar pela do corpo que escreve”. (Barthes, 2004, p. 65)

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