Artimanhas de um gasto gato
Por: deborasoares • 27/11/2015 • Resenha • 939 Palavras (4 Páginas) • 973 Visualizações
O poema abaixo é de Ana Cristina Cesar, retirado do livro “Inéditos e dispersos”, da Editora Ática.
Artimanhas de um gasto gato
Não sei desenhar gato.
Não sei escrever gato.
Não sei gatografia
Nem a linguagem felina das suas artimanhas
Nem as artimanhas felinas da sua não-linguagem
Nem o que o dito gato pensa do hipopótamo (não o de Eliot)
Eliot e os gatos de Eliot (“Practical Cats”)
Os que não sei e nunca escreverei na tua cama.
O hipopótamo e suas hipopotas ameaçam gato (que não é hopogato)
Antes hiponímico.
Coisa com peso e forma de peso e o nome do gato?
J. Alfred Prufrock? J. Pinto Fernandes?
o nome do gato é nome de estação de trem
o inverno dentro dos bares
a necessidade quente de tê-lo
onde vamos diariamente fingindo nomear
eu – o gato – e a grafia de minhas garras:
toma: lê o que eu escrevo em teu rosto
a parte que em ti é minha – é gato
leio onde te tenho gato
e a gatografia que nunca sei
aprendi na marca no meu rosto
aprendi nas garras que tomei
e me tornei parte e tua – gata – a
saltar sobre montanhas como um gato
e deixar arco-irisado esse meu salto
saltar nem ao menos sabendo que desenho
e escrita esperam gato
saltar felinamente sobre o nome de gato
ameaçado
ameaçado o nome de GATO
ameaçado o nome de GASTO
ameaçado de morrer na gastura de meu nome
repito e me auto-ameaço: não sei desenhar gato
não sei escrever gato
não sei gatografia
Nem…
(2.10.1972)
A autora faz jogo de palavras, recorre à intertextualidade explícita, cria neologismos, faz da metalinguagem um tema. Diante disso, vamos aprofundar um pouco mais nossa leitura:
a) Destaque exemplos de neologismo (invenção de palavras) e discorra sobre sua importância no poema.
Neologismos são novas palavras criadas na língua, tais palavras normalmente surgem quando o escritor quer se expressar, mas não encontra a palavra ideal. O emprego de neologismos no poema é de extrema importância, pois através deles percebemos uma gama muito maior de sentidos no texto que vão além do que está escrito, mas se pode alcançar, sutilmente, o que está sendo insinuado.
Um neologismo utilizado pela autora é “gatografia” e diz respeito à escrita do gato, que pode tanto significar que o gato está escrevendo através dos arranhões que faz, as cicatrizes que deixa no rosto da dona. Como também poderia significar o desenhar o gato, como a autora mesma diz: não sei desenhar gato.
A seguir, encontramos outra criação da autora, a palavra “hipopotas” esta se refere à fêmea do animal hipopótamo. A autora faz o uso de tal neologismo para acentuar cada vez mais a sintetização das palavras pátrias que é uma tendência entre nós brasileiros, além de deixar o texto mais descontraído. Seguindo este último, ainda surge uma série de neologismos compostos pelo prefixo grego “hipo”, “hiponímico”, e “hipogato” que representa uma mistura entre hipopótamo e gato. Esses neologismos iniciados pelas mesmas letras foram formados aparentemente para dar uma musicalidade ao poema.
b) A autora fala da linguagem (do gato, mas também da linguagem do poeta) e, em especial, o papel do ser humano em nomear os seres. Que verbo sintetiza a opinião da autora sobre o ato de nomear?
A palavra que sintetiza essa opinião para o ato de nomear é o verbo “arco-irisar”, no sentido de adjetivo no texto. Essa palavra, segundo o dicionário, também, tem um valor de sentido de esclarecer, elucidar.
As ações podem ser de ficção, vendo que se trata de gatos. A poeta está se referindo a atividade de gatuno; nomear, escrever e desenhar, refere-se a truques- coisas "roubadas", enquanto usados como seu no texto, em citação explicita de obra de Drummond.
...