Becos da Memória - Sobre o Ganhar e o Perder da Vida
Por: Flávia Silva Varolo • 28/4/2023 • Resenha • 876 Palavras (4 Páginas) • 101 Visualizações
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP
CAMPUS DE ASSIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM LETRAS
Disciplina Literatura e Memória
Resenha
Becos da memória, de Conceição Evaristo - “sobre o ganhar e o perder da vida”
Discente:
FLÁVIA RENATA DA SILVA VAROLO
Docente:
MARIA DE FÁTIMA ALVES DE OLIVEIRA MARCARI
2018
Resenha: Becos da memória - “sobre o ganhar e o perder da vida”
“Dizem uns que a vida é um perde e ganha. Eu digo que a vida é uma perdedeira só, tamanho é o perder.” (EVARISTO, 2006 )
A obra “Becos da Memória” de Conceição Evaristo, tem como narradora, a personagem Maria-Nova, que de forma memorialística traz a experiência de várias vozes negras no Brasil, no ambiente de uma favela que não existe mais, uma favela em que o único inimigo era a miséria e dor. “A vida passou e passou trazendo dores” (EVARISTO, 2006, p.20)
O texto, chamado de escrevivência, pela própria autora, confunde a identidade da mesma com a da narradora personagem, fato já explicitado no próprio prefácio do livro. A trama é construída sob o olhar de uma menina de 13 anos, a narradora Maria-Nova, que vive todo o processo de desfavelamento e se torna porta-voz das alegrias e sofrimentos dos demais moradores da favela. As histórias, contadas em fragmentos que oscilam entre passado e presente, vão surgindo a partir do universo da favela sendo removida.
A recordação daquele mundo me traz lágrimas aos olhos. Como éramos pobres! Miseráveis talvez! [...] escrevo como uma homenagem póstuma [...] Homens, mulheres, crianças que se amontoaram dentro de mim, como amontoados eram os barracos de minha favela” (EVARISTO, 2006, p. 17).
Conceição Evaristo dá voz aos excluídos da sociedade – favelados, meninos e meninas de rua, mendigos, desempregados, beberrões, prostitutas – sem marginalizá-los ou julgá-los, porém colocando suas características como naturais naquele contexto de sofrimento e dureza da favela. Assim, muitas vozes ganham vida. Vozes que nunca existiriam. Vozes dos vencidos. Cada uma dessas vozes é entrelaçada às perdas, às derrotas, à destruição da favela e ao processo de despejo dos moradores. Vozes afrodescendentes de diversas gerações que trazem consigo uma herança de resistência e luta, como podemos ver nos personagens: Bondade, Negro Alírio, tio Totó, Vó Rita, Maria Velha, entre outros. Essas memórias narradas por Maria-Nova, por vezes, trazem à tona feridas da memória, como vemos no trecho abaixo.
Calou-se também com um nó na garganta, pois sabido é que Bondade vivia intensamente cada história que narrava, e Maria Nova, cada história que escutava. Ambos estão com o peito sangrando. Ele sente remorsos de já ter contado tantas tristezas para Maria-Nova. Mas a menina é do tipo que gosta de pôr o dedo na ferida, não na ferida alheia, mas naquela que ela traz no peito. (EVARISTO, 2006, p.63)
Sobre as feridas da memória Ricouer salienta que
As feridas de que se trata aqui são simultaneamente feridas da memória pessoal, impressas por vezes na carne pela perda de um ente querido e feridas da memória coletiva, infligidas pela violência da história no sentido da libertação e da justiça. A esse respeito, é preciso recordar o paradoxo da memória que faz com que não haja nada de mais pessoal, de mais íntimo e mais secreto do que a memória, mas que as memórias de uns e de outros, entre parentes, vizinhos, estrangeiros, refugiados – e também adversários e inimigos – estejam incrivelmente enredadas umas nas outras ao ponto de, às vezes, já não se distinguir nas nossas narrativas o que é de cada um: as feridas da memória são, simultaneamente, solitárias e partilhadas. (RICOEUR, 2002, 1-2)
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