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Contos Fluminenses - Machado de Assis - Domínio Público

Por:   •  28/6/2017  •  Artigo  •  56.799 Palavras (228 Páginas)  •  403 Visualizações

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Contos Fluminenses

 

 

Texto-fonte:

Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

 

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, em 1870.

 

 

 

 

NDICE

 

 

MISS DOLLAR

 

LU�S SOARES

 

A MULHER DE PRETO

 

O SEGREDO DE AUGUSTA

 

CONFISS�ES DE UMA VI�VA MO�A

 

LINHA RETA E LINHA CURVA

 

FREI SIM�O

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MISS DOLLAR

 

 

 

 

NDICE

 

 

CAP�TULO PRIMEIRO

 

CAP�TULO II

 

CAP�TULO III

 

CAP�TULO IV

 

CAP�TULO V

 

CAP�TULO VI

 

CAP�TULO VII

 

CAP�TULO VIII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAP�TULO PRIMEIRO

 

Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a apresenta��o de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digress�es, que encheriam o papel sem adiantar a a��o. N�o h� hesita��o poss�vel: vou apresentar-lhes Miss Dollar.

 

Se o leitor � rapaz e dado ao g�nio melanc�lico, imagina que Miss Dollar � uma inglesa p�lida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo � flor do rosto dois grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas tran�as loiras. A mo�a em quest�o deve ser vaporosa e ideal como uma cria��o de Shakespeare; deve ser o contraste do roastbeef brit�nico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido. Uma tal Miss Dollar deve ter o poeta Tennyson de cor e ler Lamartine no original; se souber o portugu�s deve deliciar-se com a leitura dos sonetos de Cam�es ou os Cantos de Gon�alves Dias. O ch� e o leite devem ser a alimenta��o de semelhante criatura, adicionando-se-lhe alguns confeitos e biscoitos para acudir �s urg�ncias do est�mago. A sua fala deve ser um murm�rio de harpa e�lia; o seu amor um desmaio, a sua vida uma contempla��o, a sua morte um suspiro.

 

A figura � po�tica, mas n�o � a da hero�na do romance.

 

Suponhamos que o leitor n�o � dado a estes devaneios e melancolias; nesse caso imagina uma Miss Dollar totalmente diferente da outra. Desta vez ser� uma robusta americana, vertendo sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita e perfeita. Amiga da boa mesa e do bom copo, esta Miss Dollar preferir� um quarto de carneiro a uma p�gina de Longfellow, coisa natural�ssima quando o est�mago reclama, e nunca chegar� a compreender a poesia do p�r-do-sol. Ser� uma boa m�e de fam�lia segundo a doutrina de alguns padres-mestres da civiliza��o, isto �, fecunda e ignorante.

 

J� n�o ser� do mesmo sentir o leitor que tiver passado a segunda mocidade e vir diante de si uma velhice sem recurso. Para esse, a Miss Dollar verdadeiramente digna de ser contada em algumas p�ginas, seria uma boa inglesa de cinq�enta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido. Uma tal Miss Dollar seria incompleta se n�o tivesse �culos verdes e um grande cacho de cabelo grisalho em cada fonte. Luvas de renda branca e chap�u de linho em forma de cuia, seriam a �ltima dem�o deste magn�fico tipo de ultramar.

 

Mais esperto que os outros, acode um leitor dizendo que a hero�na do romance n�o � nem foi inglesa, mas brasileira dos quatro costados, e que o nome de Miss Dollar quer dizer simplesmente que a rapariga � rica.

 

A descoberta seria excelente, se fosse exata; infelizmente nem esta nem as outras s�o exatas. A Miss Dollar do romance n�o � a menina rom�ntica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica. Falha desta vez a proverbial perspic�cia dos leitores; Miss Dollar � uma cadelinha galga.

 

Para algumas pessoas a qualidade da hero�na far� perder o interesse do romance. Erro manifesto. Miss Dollar, apesar de n�o ser mais que uma cadelinha galga, teve as honras de ver o seu nome nos pap�is p�blicos, antes de entrar para este livro. O Jornal do Com�rcio e o Correio Mercantil publicaram nas colunas dos an�ncios as seguintes linhas reverberantes de promessa:

 

Desencaminhou-se uma cadelinha galga, na noite de ontem, 30. Acode ao nome de Miss Dollar. Quem a achou e quiser levar � Rua de Mata-cavalos no..., receber� duzentos mil-r�is de recompensa. Miss Dollar tem uma coleira ao pesco�o fechada por um cadeado em que se l�em as seguintes palavras: De tout mon coeur.

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