Finisterra - paisagem e povoamento: as perspectivas do olhar
Por: crisrj • 18/1/2016 • Artigo • 2.190 Palavras (9 Páginas) • 590 Visualizações
Finisterra - paisagem e povoamento: as perspectivas do olhar
por
Cristine Alves da Silva
“Na paisagem, fotografia, a almofada,
não havia ninguém.
Pois não. E eu povoei-as.
Quer dizer, povoei o desenho a pensar nelas.”
CARLOS DE OLIVEIRA, Finisterra
Resumo
A relevância em nos debruçarmos sobre a obra Finisterra – paisagem e povoamento, do escritor Carlos de Oliveira, objetiva analisar a paisagem e o povoamento enquanto elementos que compõe o espaço exterior presentes na obra. Os sentidos do olhar nos remetem a ler os significados e a decifrar os seus significantes, tendo como pano principal a paisagem e o povoamento representados pelas personagens da trama, as quais tentam recria “versões” povoadas da paisagem a partir da captação dos seus olhares.
O Neorrealismo e Carlos de Oliveira
O Neorrealismo foi introduzido em Portugal no inicio dos anos de 1940, e foi a proposta central das narrativas de boa parte do século XX. Os textos neorrealistas propunham-se a ser o retrato fiel da vida camponesa e operária oprimida pelo governo da época. Nesta perspectiva orientada pelo engajamento ideário neorrealista, o escritor Alves Redol inaugura com a publicação do romance Gaibéus “o primeiro romance neo-realista português.” (ALVES REDOL, 1969, p.22), tal afirmativa foi corroborada pelo próprio escritor no prefácio da obra. Segundo José Saraiva, o romancista foi “o primeiro romancista na nova tendência que encontrou uma larga aceitação, desvendou primeiro os traços do drama social ribatejano” (SARAIVA & LOPES, 1976, p. 1051).
Nesta obra, o escritor apresenta a necessidade de se criar uma literatura como instrumento útil ao fazer o registro um período de reverberação das injustiças e do descaso das autoridades refletidos na sociedade, ocasionando assim um redimensionamento desta realidade ao criar cenários que pudessem representar um sentimento coletivo reprimido, portanto, “Gaibéus seria um compromisso deliberado da reportagem com romance, em favor dos homens olvidados e também da literatura aviltada.” (ALVES REDOL, 1969, p.24), esta é a gênese do entendimento da produção neorrealista.
Em harmonia com o engajamento ideário do movimento Neorrealista, novos mundos são criados nas obras do escritor Carlos de Oliveira tendo como propósito a denúncia e o compromisso social da Literatura. Neste sentido, outros principais escritores neorrealistas inspirados em descrever a realidade tal qual é, foram Alves Redol, Cardoso Pires, Vergílio Ferreira, Soeiro Pereira Gomes, Fernando Namora.
A perspectiva do olhar
“O mundo real e a imagem que dele emana foi desde sempre um objecto de sedução que atrai e prende o olhar humano.”
ANTÓNIO MANUEL GOMES, 1994, p.66
O romance Finisterra – paisagem e povoamento, de Carlos de Oliveira, último trabalho de ficção do escritor, publicado em 1978, narra-nos a história de uma família, de uma velha casa, de um lugar e de uma paisagem. Em Finisterra, há a busca obsessiva de representações da realidade construídas a partir do olhar das personagens, o que faz da obra a “pluralização de visões do mundo que aflui em um mesmo objetivo, e desperta as “formas e possibilidades da representação” (MARQUES, 2014, p.1), isto é, as imagens criadas são as únicas verdades conhecidas.
A obra nos chama a atenção pela questão da representação da realidade e da construção de imagens reproduzidas por um desenho infantil, uma fotografia e uma pirogravura, tendo como principal fonte de inspiração o mundo real. A esta representação, podemos colocar como temática essencial da narrativa do romance.
O título do romance demonstra a presença de um lugar concreto, específico. Já os subtítulos da obra paisagem e povoamento nos rementem e reverbera em nós elementos do espaço exterior, a unidade material do mundo, entre a geografia física e a geografia humana que nos aponta para a existência de uma dialética topológica: a geografia física: a paisagem e a geografia humana: o povoamento.
A narrativa de Finisterra existe em função do olhar, “pois é a partir de um olhar através de uma janela existente na casa familiar que se modaliza toda a actividade lógica da percepção e, posteriormente, a descrição e a ordenação de todo o mundo exterior” (GOMES, 1994, p. 53). Tal olhar é estabelecido pelas personagens da trama concentrados em um espaço (a velha casa) e condicionados por uma janela enquanto lugar de transição, que simboliza a receptividade e a abertura para as influências vindas de fora. A perspectiva da paisagem vista pela janela, é fruto de um olhar perspicaz, mais atento, para um universo que se desvenda a partir de como a paisagem é descrita e concebida, conforme nos explica António Gomes:
“Sendo a representação do real uma forma subjectiva de olhar o mundo, na medida em que é construída e multiplicada pelas várias personagens do romance a partir de um ponto de vista fixo, cada uma dessas reproduções tem as suas características diferentes em relação às que o modelo original apresenta. A realidade descrita é, assim, sempre uma realidade transformada.” (GOMES, 1994, p.16).
Neste contexto, Carlos de Oliveira, através do olhar das suas personagens principais: o pai, a mãe e a criança, contemplam e refletem a paisagem em um modo de olhar diversificado ao se utilizarem de instrumentos auxiliares da visão: a fotografia, a pirogravura e o desenho.
O real é captado por intermédio destes instrumentos quando usados pelas personagens, que representam o desejo de alcançar o objeto visto, sendo diferentes interpretações do olhar consubstanciados pelo olhar único de cada uma, sendo portanto, formas individuais de apreender o real, como vemos abaixo:
O pai: “a imagem apresenta um ordenamento inverso do real, mas captou-lhe os elementos essenciais.” (FINISTERRA, 1978, p. 1029)
A mãe: “ mas foi a minha imaginação (partindo do real, eu sei) a construí-la.” (FINISTERRA, 1978, p. 1032)
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