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O CONFLITANTE EMBATE ENTRE LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

Por:   •  26/8/2016  •  Artigo  •  3.707 Palavras (15 Páginas)  •  485 Visualizações

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O CONFLITANTE EMBATE ENTRE LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

Paola Keiti Mendonça Melo[1]

Resumo: Este estudo se insere na tendência transdisciplinar que vem repercutindo a Linguística Aplicada nos últimos anos. Tem como objetivo principal demonstrar qual o papel da língua materna no desenvolvimento da competência em língua estrangeira, tendo como eixo basilar a relação língua materna e língua estrangeira apoiado em Maria José Coracini (2003/2013). Posteriormente, visamos abordar a conceptualização e distinção dos pares dicotômicos: língua materna e língua estrangeira, com base nos pressupostos teóricos do discurso e da psicanálise engajados sob o prisma de Maria José Coracini − além do termo língua adicional. De tal modo, a pesquisa se configura a partir da prática metodológica bibliográfica com suporte teórico engajado em Antonio Carlos Gil (2002). As discussões mostram que o papel da língua materna age de forma positiva no processo de desenvolvimento de uma língua estrangeira.

Palavras-chave: Linguística Aplicada. Língua materna. Língua estrangeira. Língua adicional. Maria José Coracini.

  1. LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

         Nesta seção visamos comentar a relação entre os conceitos de língua materna e língua estrangeira, com base nos pressupostos teóricos do discurso e da psicanálise engajados sob o prisma de Maria José Coracini.  

Quando se trata de um processo de ensino-aprendizagem de línguas é necessário esclarecer diversos aspectos referentes a este, principalmente quando se aborda os conceitos de língua materna e língua estrangeira. Nesse âmbito há uma vasta discussão acerca da nomenclatura.  

Vejamos que, em modo geral, as pesquisas acerca do ensino de línguas e a própria prática em sala de aula postulam uma separação entre ambas, seja por abordagem de códigos e culturas diferentes ou até mesmo por tratarem de disciplinas isoladas no currículo escolar. Nesse contexto estabelecem uma relação negativa e de conflito. Comumente, parafraseando Coracini (2003) a língua estrangeira é complemento, acréscimo ao conhecimento do indivíduo e a língua materna o ponto de referência: ensinar a ler e escrever. É também passível de uma relação entre ambas encarada como uma relação de contaminação pelo contato de dois códigos e duas culturas.  

Convêm-nos estabelecer uma diferença entre o uso das expressões “língua materna” e “língua estrangeira” que tem recebido acepções simplistas tanto na prática de aula como na linguística aplicada. O termo língua materna, segundo Maria José Coracini (2003, p. 145),

significa etimologicamente língua da mãe, ensinada pela mãe. Se tornarmos a definição ao pé da letra, diremos que há sociedades em que a língua ensinada é a língua do pai ou em que a criança é educada por outra mulher a quem cabe a missão de ensinar a “sua” língua. Na escola, tem-se assumido como língua materna aquela em que a criança foi alfabetizada, língua que coincide, em muitos casos, embora nem sempre, com o registro oficial – padrão – do país em questão; outras vezes, com a língua nacional, sem levar em conta a primeira língua em que a criança aprendeu a falar.  

A princípio, a língua materna é entendida como aquela que a criança aprende com a mãe. Nesta concepção, considera-se língua materna como o idioma que uma criança em uma determinada sociedade aprende em casa, na convivência com os pais e outros familiares; por isso, o termo materno − de maternidade. A definição apresenta dois aspectos importantes: a justaposição com o conceito “primeira língua” e o fator identitário que carrega – o indivíduo se identifica de alguma forma com a língua materna. A aquisição de uma primeira língua ou da língua materna faz parte da formação do indivíduo, pois junto à competência linguística se somam valores subjetivos e sociais também: a língua materna, a origem do falante e o uso diário.  

A autora ainda prossegue com a conceptualização sendo enfática ao afirmar que “‘língua materna”’ indica também a primeira língua adquirida, mas há casos – e são inúmeros – em que a criança aprende duas ao mesmo tempo (situações de bilinguismo)” (CORACINI, 2003, p. 145). Certamente há pessoas que nascem em famílias onde existem duas línguas sendo usadas ao mesmo tempo: o pai é brasileiro e a mãe é francesa, por exemplo. Ou pessoas, no Brasil, que nascem em famílias de forte colonização europeia, nas quais a primeira língua aprendida é justamente a ‘estrangeira’, sendo a língua portuguesa aprendida somente quando se começa a ir para a escola. Há também a questão singular vista nas regiões de fronteira, onde, além das línguas oficiais dos países fronteiriços ainda criam-se dialetos próprios do local.

Porém, para abordarmos aspectos referentes a uma língua não materna (estrangeira) julgamos necessário tratar deste de modo a esclarecer o ponto de partida de nossa contribuição que parte do materno a aspectos concernentes a apropriação do estrangeiro.

E a língua estrangeira, qual seria sua acepção? Conforme Coracini (2003, p. 146), “a língua estrangeira, também chamada por alguns de segunda língua, nome que se dá sobretudo quando sua aprendizagem ocorre em contexto de imersão”. O adjetivo "estrangeiro" indica uma língua que é estudada em uma região cuja LM não está presente, ao contrário da segunda língua que pode, ou não, estar presente. Com isso, o inglês que é estudado no Brasil é estrangeiro, tal como um brasileiro que aprende inglês em Mato Grosso, aprenderá inglês como língua estrangeira, ou seja, fora da área onde esse idioma é falado. Enquanto é "segunda língua" o inglês que é estudado por um brasileiro na Inglaterra, por exemplo.  

No uso da linguagem há diferentes graus de “estrangeirização” como propôs Coracini. Segundo ela, “é, aliás, muito comum imputar-se à língua estrangeira essa sensação de estranhamento; afinal, trata-se de uma língua “estranha”, língua do outro, do desconhecido” (CORACINI, 2003, p. 146). Entretanto, não se pode inferir que a aprendizagem de LE é totalmente consciente e que a língua permanece sempre exteriorizada ao sujeito, pois é possível não apenas conhecer uma língua, mas saber uma língua a partir da língua que se sabe (MELMAN, 1992 apud CORACINI, 2003, p. 144). Na aprendizagem de uma outra língua, pode-se ter medo do deslocamento ou das mudanças ocorridas, medo de perda da identidade ou do desconhecido. O medo, em situações particulares, pode bloquear a aquisição/aprendizagem, dificultando a eficácia e o prazer desse processo. Por outro lado, a autora atribui uma forte atração pela língua estrangeira ao desejo do outro que nos constitui, desejo ilusório de completude. Porém, tanto no caso do medo quanto da atração, é o mesmo desejo do outro que move a aprendizagem ou a resistência a uma determinada língua.

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