O Menino sem olhos - Análise do conto
Por: Maria Leonor Gaspar • 5/10/2016 • Trabalho acadêmico • 1.322 Palavras (6 Páginas) • 1.309 Visualizações
A Literatura Tradicional, apesar de vasta e complexa, esgota-se na tendência em ser repetitiva e pouco original, acabando por ser vista como conservadora e estereotipada por parte de certos autores. Na análise deste conto, deparei-me com diversos símbolos e temáticas que me recordaram de outros contos que previamente analisei. Contudo, a temática dos dois irmãos despertou-me um grande interesse, por serem pobres e irem em busca de uma esperança que não encontravam dentro do seu seio familiar. A liberdade de poderem escolher um novo caminho que lhes negasse a pobreza é, porém, inundada de obstáculos. Não bastassem os problemas que já traziam do seu passado, os dois irmãos não desfrutam de uma relação sadia, o que acaba por ser destruidor para a personagem principal, o irmão mais novo. Não é novidade, e está descrito em diversos livros de Psicologia, o conceito da rivalidade fraternal, que é típica e vista como forma de crescimento e estruturação do “self”. Mas a rivalidade neste conto toma contornos extremos.
O conto inicia-se com a mãe de dois jovens que, devido à pobreza familiar, lança os filhos “aos lobos” na esperança que eles consigam a esmola necessária para que possam sobreviver. A mãe aqui é um símbolo da “emancipação” dos filhos, dá-lhes os elementos necessários (“o farnel”) e induze-os a seguir viagem. Do ponto de vista psicológico, poder-se-á ver esta mãe como uma mãe saudável na medida em que se apercebe da importância em dar uma “existência independente” aos seus filhos, fora do seio maternal. Desconhecemos a idade dos jovens, mas parece-me uma decisão favorável ao bom-crescimento dos seus filhos.
Como é natural, o irmão mais velho toma as rédeas da viagem. Decide que cada um devia levar o seu farnel e que deviam partilhar o primeiro, e só depois o segundo. Contudo, torna-se abusivo e despótico. Além de tomar todas as decisões, egoisticamente recusa comida ao irmão mais novo. A rivalidade fraternal é positiva até um certo ponto, como referi acima, mas n’O Menino sem olhos, é altamente destruidora. O irmão mais velho demonstra uma falta de humanidade e empatia pelo mais novo, a quem devia protecção, pondo o seu bem-estar acima da sobrevivência do próprio irmão. Não bastando, e vendo o seu irmão em tão fracas condições pela fome que tinha, diz-lhe “(…) se me deixares tirar um olho, dou-te”.
O irmão mais novo, desesperado por um pedaço de pão, acede ao seu pedido. Mas há aqui outra forte conotação psicológica, típica entre irmãos com diferença de idades. O irmão mais novo é incapaz de se impor ao mais velho e, apesar de todos os horrores que este o faz passar, vê-o como cuidador e líder. Tanto que se deixa cegar para que possa ter o bocadinho de pão. Mas tal não ocorre e o jovem vê-se abandonado: “(…) o mais velho foi-se embora e deixou o irmão ali só e desamparado.”
O pequeno não desiste, apesar da enorme rejeição a que é sujeito pelo irmão. Teria todos os motivos para desistir, mas é típico nos contos tradicionais e nos contos de fadas, a criança não desistir:
“Uma criança pequena pode fazer pouco por sua própria conta, e isto é desapontador para ela - tanto que pode cair em desespero. O conto de fadas o impede, dando extraordinária dignidade à menor das aquisições e sugerindo que as consequências mais maravilhosas podem daí brotar.”
O pequeno, cego e sozinho, apercebe-se que é de noite e refugia-se numa árvore. A importância de se refugiar e de conviver com a cegueira já dá um certo estatuto heróico à personagem. A árvore pode ser vista aqui como um símbolo e um arquétipo de relação com o “ventre da humanidade”: a ligação à terra e aos seus primórdios. A árvore tem uma conotação mágica e mesmo de sabedoria (muitas vezes falando-se em “árvore-mãe”) tanto que quando o menino sobe à árvore ouve “cantar as folhas”. Portanto, este refúgio na árvore pode ser visto como uma ligação maternal e quase “cuidadora”.
A cegueira é também importante analisar. Os olhos são elementos constantes nos contos tradicionais. Neste caso particular a cegueira da personagem principal tem uma simbologia ligada à morte já que, devido à sua tenra idade e à solidão que o acompanhava, não teria capacidade de sobreviver. Vendo pelo ponto de vista do irmão mais velho, é também uma forma de sabotar o caminho e o sucesso do irmão mais novo.
Durante a noite, enquanto o jovem estava em cima da árvore, há uma reunião de bruxas com o demónio na ponte que atravessava o rio. As bruxas relatam umas às outras as “peripécias” que tinham cometido sob o atento escutar do seu mestre, o demónio. O menino ouviu tudo, não só as maldades que estas cometeram como a forma de
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