O Terror que Deleita
Por: Beatriz Nunes • 2/12/2016 • Trabalho acadêmico • 2.314 Palavras (10 Páginas) • 273 Visualizações
[pic 1][pic 2]
[pic 3]
O Terror que Deleita
Bibliografia
O Terror que Deleita
Apesar da antítese clássica entre o Belo e o Sublime pertencer ao domínio da Filosofia, este sempre foi um termo literário associado ao êxtase e à criação poética pelos Antigos, sendo que, etimologicamente, provem do latim sublimis, um conceito ligado à arquitetura e que será a tradução latina do termo To Hupsos (o elevado) que o associa imediatamente à retórica e à necessidade de comover, provocar o pathos. Já na linguagem corrente, a palavra Sublime é utilizada, equivocamente, como um sinónimo ou superlativo do Belo.
A noção de Sublime Estético, depois de tocada por Cícero e Cecílio de Calate, surgiu no Tratado Do Sublime de Dionísio Longino/Pseudo-Longino (algures entre o séc. III e o séc. I a. C.), posteriormente reinterpretado por Boileau, onde foi tida como aquilo que sempre resiste, independente de tudo, uma característica da literatura (poesia e prosa) “elevada”. Esta é uma ideologia que o aproxima do conceito de génio de primeira classe, enquanto natureza que se autorregula, uma potência, energia incontrolável de loucura platónica, como uma floresta, que gera heróis, santos e mártires – diferente dos génios de segunda classe, imitadores, amoladores, que são como jardins ou animais domesticados. O Sublime tem em si, portanto, grandeza na conceção, intensidade no real e força no pensamento – “O Génio, dizem, é inato; não uma coisa que possa ser aprendida, e a natureza é a única arte que o gera”1.
Embora Longino não faça uma distinção clara relativamente ao Belo, associa-o ao ethos e àquilo que deleita; quanto ao Sublime, o estilo grandioso ou elevado, é, para si, não lógico, exalta e causa admiração, sem intenção persuasiva: “a sublimidade consiste numa certa excelência e distinção de expressão (…) Porque o efeito da linguagem elevada é, não o persuadir os ouvintes, mas exaltá-los; e sempre, e de todos os modos, o que nos arrebata com admiração diz mais do que o que apenas persuade ou gratifica”2. Pode dizer-se, então, que “a sublimidade é o eco de uma mente nobre”3, tal como na Retórica de Aristóteles se diz que o caráter não é a personalidade moral do orador, mas a impressão que, pelo seu discurso, este causa no público.
Na sua origem, a ideia de dor implicava que esta resultasse, necessariamente, da remoção de algum prazer, pelo que a de prazer pressupunha, automaticamente, a cessação ou diminuição da dor, existindo uma dicotomia, ou seja, uma oposição entre os dois conceitos. Contudo, na perspetiva de Edmund Burke (1729-1797), político e escritor, ambas as noções teriam a possibilidade de uma natureza positiva, sendo as suas existências completamente independentes uma da outra, havendo, pois, uma dualidade. Não seria, portanto, o contraste entre elas que as definiria. Isto implicava que, para E. Burke, existissem três estados, e não apenas dois: o prazer, a indiferença e a dor.
An Inquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and the Beautiful, de 1756-1757, com autoria de Edmund Burke, constitui um dos melhores textos acerca da problemática de sentido destes conceitos e viria, posteriormente, a inspirar Kant, que o aborda na sua Crítica da Faculdade do Juízo. O filósofo britânico, por sua vez, define Sublime, não como um conceito artístico, mas essencialmente como algo natural, “a emoção mais forte que a mente é capaz de sentir”, associando-o às ideias de dor, de perigo e de terror e justifica o seu ponto de vista, argumentando que “as ideias de dor são muito mais poderosas do que aquelas que fazem parte do prazer”4. Além da dor, o Sublime pode ser associado à morte, pois esta é uma ideia ainda mais perturbadora, dado que são muito poucas as dores, por mais extremas que sejam, que não sejam preferíveis à morte. Apesar de estabelecer estas conexões entre os conceitos, E. Burke reconhecia que a proximidade do perigo e da dor é incapaz de causar algo mais que temor – não deleita, de forma alguma; no entanto, a uma ligeira distância das suas causas, o deleite, “a sensação que acompanha a remoção da dor e do perigo”, pode surgir.
No meu ponto de vista, a melhor forma de compreender a essência do Sublime, na obra de Edmund Burke, é contemplá-lo como o fazemos com a noção de Deus, dado que, tal como Ele, se baseia no transcendente que conduz ao suprassensível. As principais características que atribuímos à divindade, na maioria das religiões, são a omnisciência, a omnipotência e a omnipresença, ou seja, o conhecimento de tudo, o poder supremo e a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Nesta analogia, podemos dizer que as fontes do Sublime são tudo aquilo que destaca a fragilidade humana e a sua inferioridade, subjugando-nos, nesses três campos.
Em primeiro lugar, surgem o Medo e o Terror, as emoções que privam mais eficazmente a mente de todo o seu poder e racionalidade, pois, embora constituam apenas receio da dor e da morte, têm efeitos semelhantes à dor e à morte efetivas, são a contemplação de um abismo. Estas emoções colocam em causa a Omnisciência, demonstrando ao sujeito o quanto do universo é para ele desconhecido, e podem ser causadas por qualquer entidade, independentemente da sua dimensão, o mais importante é que esta seja uma ameaça, constitua um perigo iminente, o que automaticamente tornará a perceção dela pelo indivíduo uma hipérbole. A verdade é que, quando conhecemos a dimensão total de qualquer perigo, é mais fácil habituarmo-nos a lidar com ele e, portanto, grande parte da apreensão desaparece. Por este motivo, é essencial que o objeto seja escuro, incerto, confuso, terrível e, mesmo, imperfeito para ser causador do Sublime, a ideia de Obscuridade é essencial. Outros aspetos que podem interferir com a possibilidade de conhecer o que está ao nosso redor e, consequentemente, ser fontes de Sublime, são as chamadas Privações Gerais: o Vazio (privação de matéria), a Escuridão (privação de luz e da visão), a Solidão (privação de companhia) e o Silêncio (privação de som).
...