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Qual é a disciplina que estuda literatura?

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Por:   •  8/3/2014  •  Tese  •  4.587 Palavras (19 Páginas)  •  970 Visualizações

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3. Que disciplina estuda a literatura?

Visto que a literatura tem sido objeto de investigação desde as origens da civilização ocidental, apesar daquela objeção por nós já referida (segundo a qual, a obra literária não se destina ao estudo, mas à fruição), cabe fazer a pergunta: que disciplina estuda a literatura? Essa questão encerra um problema de nomenclatura, digno por si só de consideração, mas não se esgota nele. Por isso, há razões importantes para analisá-la.

Se examinarmos os currículos universitários dos cursos de Letras, ou títulos de obras sobre literatura, encontraremos diversas designações concorrentes, cujas significações específicas e precisas quase nunca constituem objeto de determinação. Quais são essas designações? Eis a relação: poética, história da literatura, crítica literária, ciência da literatura, teoria da literatura.

Visando a obter relação que julgamos completa, podemos acrescentar ainda mais três designações: retórica, estética e o próprio termo literatura. Retórica e estética figuram como adendo à lista inicialmente apresentada por que são disciplinas que não tratam exclusivamente da literatura. A retórica a princípio se ocupa com o problema do poder de persuasão de que se pode investir a linguagem em geral, tratando inclusive da linguagem literária. A estética se interessa pela arte em geral e pelos fenômenos de percepção, sensibilidade e inteligência por ela implicados, englobando a literatura como modalidade específica da arte. Quanto ao termo literatura, além de designar o próprio fato literário, ainda é usado para rotular a disciplina que faz deste fato o seu objeto, situação em que geralmente ganha a especificação de um adjetivo: literatura universal, literatura comparada, literatura brasileira, literatura portuguesa etc.

O que expusemos até agora situa uma dúvida: a série de designações desfiada é constituída por nomes diversos para a mesma disciplina, ou cada nome corresponde a uma disciplina distinta?

Embora seja freqüente admitir que as várias designações se aplicam à mesma disciplina, achamos mais apropriado e rigoroso pensar que cada uma delas se aplica a uma disciplina específica. Para nós, portanto, poética, história da literatura, crítica literária, ciência da literatura, teoria da literatura, retórica e estética constituem disciplinas distintas entre si, já que todas se ocupam com a literatura, mas cada uma à sua maneira.

Se nosso pensamento quanto a esse fato é correto, conforme procuraremos demonstrar, a pergunta de que partimos – Que disciplina estuda a literatura? – deve ser colocada no plural, pois em sua resposta aparecerá não uma única disciplina, mas diversas. Com isso, desde já nos obrigamos a estabelecer as devidas distinções entre essas disciplinas, o que faremos na última parte deste capítulo.

Antes de tratarmos desse problema, porém, adiantemos uma constatação: o termo teoria da literatura tornou-se tão notório na atualidade, por razões que a seguir explicitaremos, que tende a ser entendido como uma espécie de sinônimo abrangente de todos os demais. Vejamos, agora, por que isso ocorre, e as conseqüências desse fato.

A teoria da literatura e seus (des)entendimentos usuais

O termo teoria da literatura, até onde pudemos apurar, foi empregado inicialmente no título de duas obras russas – Notas para uma teoria da literatura (1905), de Alexander Portebnia, e Teoria da literatura (1925), de Boris Tomachevski -, sem que essas ocorrências lhe conferissem utilização mais ampla. No entanto, com o prestígio logo alcançado pelo livro de que são co-autores o tcheco René Wellek e o norte-americano Austin Warren, publicado em 1942 com o título Teoria da literatura, esse termo se difundiria e se consagraria, para designar atualmente a disciplina que investiga a literatura. E à medida que seu emprego se generalizava, perdiam terreno as expressões concorrentes mais tradicionais – poética, história da literatura, crítica literária, ciência da literatura, retórica e estética.

Mas a inversão do termo teoria da literatura não constitui apenas uma mudança de nome; consiste numa alteração de métodos, conceitos e propósitos, conforme veremos no capítulo 4, quando tratarmos do processo de constituição da teoria da literatura como verdadeira nova disciplina, distinta das tradicionais. Como esse fato nem sempre é compreendido nesses termos, implantou-se o costume de entender a teoria da literatura como uma espécie de saber geral sobre a literatura, em cujo âmbito caberiam todas as outras disciplinas, reduzidas a simples compartimentos seus. Esse entendimento da teoria da literatura, embora usual, não nos parece correto.

Do mesmo modo, também não consideramos válido aquele outro entendimento igualmente usual, que imagina ser a teoria da literatura uma disciplina preparatória para o estudo das diversas literaturas nacionais ou clássicas. Assim pensada, a disciplina em apreço nada mais representaria do que um conjunto de noções básicas com as quais se poderia, por exemplo, estudar a literatura brasileira. Nessa mesma linha de raciocínio equivocado, tem-se difundido bastante no nosso meio universitário a noção de que a teoria da literatura constitui uma “teoria” enquanto algo distinto de uma prática, admitindo-se candidamente que essa prática se encontre, por exemplo, na literatura brasileira, portuguesa etc. Ora, tal opinião falseia inteiramente a compreensão do que seja a teoria da literatura. Esta consiste numa modalidade histórica e conceitualmente distinta de problematizar a literatura, de maneira metódica e aberta à pluralidade da produção literária e de seus modelos de análise. Assim sendo, a teoria da literatura não é uma meia dúzia de noções elementares e “teóricas” cuja razão de ser consiste em suas aplicações “práticas”.

Fechemos agora essas considerações com um resumo: embora muitas vezes (des)entendida como um saber geral sobre a literatura, dotado de diversos compartimentos – poética, história da literatura, crítica literária etc. -, ou como uma disciplina de natureza teórica que visa à instrumentalização para a prática, a teoria da literatura dispõe, na verdade, de um estatuto bem diferente desses.

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SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da Literatura. São Paulo: ática, 1986. Série Princípios. (p. 37-51)

4. A Constituição da teoria da literatura

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