A justificação ideológica do Estado burguês: algumas considerações a partir de Hobbes, Rousseau, Locke e Tocqueville
Por: Elvisley Borges • 17/2/2016 • Artigo • 8.807 Palavras (36 Páginas) • 729 Visualizações
A justificação ideológica do Estado burguês1
: algumas considerações a partir de
Hobbes, Rousseau, Locke e Tocqueville
Maria Augusta Peixoto Mundim
Introdução
A relação Estado-sociedade tem sido objeto de estudo ao longo da história,
particularmente a do Estado burguês com a moderna sociedade e complexas e
divergentes teorias que se propõem a compreendê-lo nas suas formas de atuação e
intervenção. Contudo, a recorrência de estudos e teorias não tem sido suficiente para
evitar a alusão e adoção do conceito de Estado por uma ampla literatura como se fosse
algo dado, com sentido e significado passível de compreensão em si mesmo ou como
algo abstrato, hermético e de difícil compreensão.
A naturalização das esferas econômica, política e social tem incidido em
análises destituídas de historicidade, em que o Estado ora é tratado de forma abstrata e
externa, deslocado da sociedade, Estado lato sensu, ora de forma reducionista,
centralizada meramente nas suas ações e instituições, Estado stricto sensu. Em tais
análises, a estrutura econômica tende a aparecer como um todo monolítico e indiviso, a
sociedade como um grupo homogêneo e a política como uma amálgama de mediação
entre o econômico e o social. A ausência de historicidade no trato com os conceitos,
dentre outras consequências, tem resultado na indiferenciação entre Estado e governo e
na adoção de um pelo outro.
Presente implícita ou explicitamente em toda estrutura que dá sustentação
teórica e prática às políticas públicas, a questão do Estado, particularmente a partir da
última década do século XX, tem sido abordada no campo das políticas educacionais
fundamentalmente, nas temáticas referentes à garantia do direito à educação, à relação
1 O título deste trabalho expressa concordância com Gruppi (1980), afirmando não existir uma teoria
burguesa de Estado. Segundo o autor, não há uma teoria que explique a origem do Estado e qual a sua
verdadeira natureza, o que existe é uma justificação ideológica do que deveria ser, isto é, não crítica, do
Estado burguês. Conforme o autor: “Deveríamos perguntar-nos se pode existir uma teoria burguesa
científica. Com certeza, não é científica uma concepção que afirma: os homens existem primeiro
individualmente e depois, por contrato, constituem-se em sociedade. Tampouco é uma explicação
científica dizer que o Estado funda a sociedade civil etc. Na verdade, só pode começar a existir uma visão
científica do que é o Estado quando tomarmos consciência do conteúdo de classe do Estado. E a
burguesia não pode fazer isso, pois significaria denunciar que o Estado burguês – mesmo em sua forma
mais democrática – é na verdade a dominação de uma minoria contra a maioria; seria admitir que essa
liberdade não é a liberdade para todos; que essa igualdade é puramente formal, não real, para a maioria
dos cidadãos. Eis por que a concepção de Estado da burguesia está condenada a ficar numa visão
ideológica” (Gruppi 1980, p. 25).
público privado; às questões do financiamento; à melhoria da qualidade; às reformas e a
redefinição do seu próprio papel social.
As políticas públicas foram constituídas como uma área de conhecimento num
período recente na história, o que, de certa forma, evidencia o tardio interesse teórico
para com as ações do Estado, particularmente na acepção que compreende as políticas
como sendo o “Estado em ação” (Azevedo 1997). A origem das políticas públicas como
uma área específica pode ser localizada nos Estados Unidos da América e, de acordo
com Souza (2006), os estudos dessa área, no geral, se concentravam nas ações
governamentais, sem estabelecer relações com as bases teóricas e epistemológicas sobre
o Estado. Diferente da perspectiva americana, os estudos acerca das políticas públicas
desenvolvidos pela tradição europeia decorrem da investigação sobre o papel do Estado
e das suas funções e instituições. Para essa perspectiva, as ações governamentais devem
ser analisadas como expressão sempre decorrente da concepção de Estado.
As ações governamentais, por meio de programas, de projetos, da criação de
canais de participação, da gestão de recursos e da administração de pessoal, dentre
outras, configuram a orientação política de um determinado governo. Atuando na esfera
municipal, estadual ou federal, as políticas sociais – tais como as de educação, saúde,
previdência, segurança, saneamento etc. – podem ser compreendidas como de
fundamental importância na composição e definição da política dos governos. Desse
modo, é possível compreender o significado de governo a partir de suas políticas e do
direcionamento e administração do poder
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