Direito Penal
Pesquisas Acadêmicas: Direito Penal. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: marimaciel • 29/6/2014 • 9.473 Palavras (38 Páginas) • 272 Visualizações
A Culpabilidade Integra o Conceito Analítico de Crime
1. CONCEITOS FORMAL, MATERIAL E ANALÍTICO DE CRIME
Tenho uma perspectiva kelsiana acerca do objeto de estudo da Ciência do Direito. Não devo, enquanto jurista, conceituar o Direito, mas a norma jurídica. Esta não é apenas a lei escrita, mas toda regra, até mesmo a social, que mereça o status de jurídica. Outrossim, não se pode pretender encontrar uma norma em único fragmento de lei, mas no sistema dinâmico de normas. [1] Assim, normalmente, o verdadeiro sentido da norma não poderá ser encontrado em um único artigo da lei ou até mesmo em uma única lei.
Sendo a norma jurídica o objeto de estudo da cientista do Direito e sendo ela zetética [2], ou seja, não estando pronta, acabada, sua compreensão depende de investigação. Por isso, considero insuficiente o conceito formal de crime, uma vez que ele coloca em destaque a norma jurídico-criminal.
Crime, segundo seu conceito formal, é a violação da norma jurídico-criminal. Como a compreensão desta exige a zetética jurídica, portanto, a investigação, a busca pelo seu sentido, ou a indagação sobre seu verdadeiro alcance, esse conceito fica muito vago, exigindo a busca de um outro conceito que permita a análise mais clara.
“No aspecto material, o delito constitui lesão ou o perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual, coletivo ou difuso”. [3] Luigi Ferrajoli vê no objeto jurídico o ponto central da proteção jurídico-criminal. [4] No mesmo sentido, Ramírez e Larrauri afirmam que a missão do Direito Criminal é a proteção de bens jurídicos. [5] E, Luiz Flávio Gomes emenda afirmando que há um princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, o qual tem a função de delimitar o ius puniendi estatal. [6]
O conceito material de crime é tão vazio quanto o formal. Com efeito, dizer que crime é a violação do objeto jurídico-criminal nada traduz, uma vez que, nem sempre o ofender a vida constituirá crime, tornando-se imperiosa a construção de conceito cientificamente mais seguro e preciso.
O conceito analítico do crime é aquele que melhor atende ao método científico de seu estudo. O conceito é feito segundo seus elementos ou partes integrantes. O crime é um todo unitário, mas nada impede que se faça uma divisão didática, apenas para poder desenvolver sua análise científica.
2. OS DIVERSOS CONCEITOS ANALÍTICOS DO CRIME
O crime já foi concebido como um todo unitário (fattispecie). No entanto, depois, ele foi dividido em duas partes, uma objetiva (injusto) e outra subjetiva (culpabilidade). Este conceito bipartido [7] de crime prevaleceu por vários anos.
Diz-se que, em 1.906, Ernst von Beling reformulou o conceito analítico de crime, definindo-o como o fato típico, ilícito e culpável. [8] Não resta dúvida de que este é o conceito mais aceito nas doutrinas pátria e mundial hodiernas.
Afirma-se que, já em 1551 a.D., o crime era concebido por Deciano como sendo a conduta típica, antijurídica, culpável e punível. [9] Essa foi a posição de Bartaglini. [10]
Nélson Hungria, informando a ausência de acordo na doutrina acerca do conceito analítico do crime, inseria a punibilidade no rol de seus elementos. [11] O conceito quadripartido adotado por Luiz Regis Prado é o mesmo preferido por Roxin, para os quais crime é: conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. [12]
Não há conceito quadripartido que seja dominante na atualidade. A punibilidade não é concebida como elemento do crime, mas como efeito deste, isso pela maioria dos criminalistas hodiernos. Concordo com essa posição, uma vez que o fato de uma pessoa matar outra e logo em seguida se suicidar não retira o crime de homicídio por ela perpetrado. O crime existiu, mas não haverá punibilidade, isso em face da morte do agente.
No Brasil, há um peculiar conceito bipartido “que não concebe a culpabilidade como integrante da teoria do delito, senão como pressuposto da pena”. [13] Para quem admite tal conceito, criança pratica crime, só não estando sujeito à pena, concepção que se aplica a todos os casos em que o agente pratica o fato definido como crime, mas sem que este seja culpável.
3. A EQUIVOCADA EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE DO CONCEITO DE CRIME
3.1 Razões invocadas para a exclusão da culpabilidade
Damásio Evangelista de Jesus diz que a culpabilidade não integra o conceito analítico de crime porque, na sua concepção:
Quando o Código Penal trata de causa excludente da ilicitude, emprega expressões como “não há crime” (art. 23, caput) ou “não se pune o aborto” (CP, art. 128, caput), mas quando se refere à exclusão da culpabilidade prefere expressar “é isento de penal” ou algo semelhante;
José Frederico Marques informa que para “a existência do crime, segundo a lei penal brasileira, é suficiente que o sujeito haja praticado o fato típico e antijurídico”;
Maggiore teria inspirado José Frederico Marques na construção do conceito bipartido que exclui a culpabilidade do conceito de crime; [14]
O autor invoca a doutrina de Ariel Dotti para dizer que Welzel retirou a culpabilidade do conceito de crime, apresentando, ao final, um “quadro comparativo da doutrina clássica com a doutrina finalista, que adotamos”. Nesse quadro, a culpabilidade, para a teoria finalista, não integra o conceito analítico de crime, constitui tão-somente pressuposto da pena, ou seja, condição de aplicação da pena.
Uma corrente de autores que têm seus livros adotados em cursos jurídicos prefere o peculiar conceito brasileiro, que retira a culpabilidade do conceito analítico de crime. Nesse ponto, é oportuno deixar claro que essa posição é apenas dos criminalistas pátrios, conforme afirma Luiz Flávio Gomes:
“No Brasil, como sabemos, posição peculiar é ocupada por uma parte da doutrina finalista (Damásio de Jesus, por exemplo) que não concebe a culpabilidade como integrante da teoria do delito, senão como pressuposto da pena”. [15]
São nomes importantes no mercado de livros jurídicos brasileiros que retiraram a culpabilidade do conceito analítico de crime: Fernando Capez; [16] Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Nalini Fabbrini; [17] e Flávio Augusto Monteiro de Barros [18].
3.2 Considerações sobre os fundamentos
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