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O Estatuto Cientifico das Ciências da Educação

Por:   •  25/12/2022  •  Trabalho acadêmico  •  5.764 Palavras (24 Páginas)  •  96 Visualizações

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Paulo Rogério da Silva

O ESTATUTO CIENTÍFICO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PPGE/UFSCAR – São Carlos

2012

Paulo Rogério da Silva

O ESTATUTO CIENTÍFICO DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Dissertação requerida pela disciplina de Epistemologia e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos.

PPGE/UFSCAR – São Carlos

2012

Introdução

Sem dúvida alguma, falar sobre Pesquisa em Educação incorre numa gama de definições implícitas e emaranhados conceituais que tendem a reduzir tudo à questão do método. Neste sentido, termos como ‘epistemologia’, ‘educação’, ‘ciência’, ‘técnica’, ‘método’, ‘teoria’, ‘conhecimento’, ‘filosofia’ e outros mais são vistos ingenuamente como sinônimos, produzindo um maléfico efeito no processo de pesquisa em educação em que se fala de tudo e não se esclarece nada.

Parte do problema já está posto, isto é, a falta de clareza das definições e a inadequação de seus diversos e possíveis usos na abordagem epistemológica da pesquisa em educação. No entanto, é preciso delimitar um problema mais específico, muito provavelmente decorrente desse primeiro, que, nesses últimos tempos, vem tomando energia e esforços de muitos epistemólogos e pensadores da educação: afinal de contas, é possível afirmar ou não que as ciências da educação possuem um estatuto científico próprio e legítimo, assim como acontece, em suas devidas proporções, com as ciências naturais e exatas? Noutras palavras, é possível fazer uma pesquisa científica no âmbito da educação?

Para tanto, a proposta a seguir é fazer alguns delineamentos sobre o que se chama de Epistemologia tradicional, ou seja, uma epistemologia mais voltada para o questionamento do critério científico normalmente vinculado ao esquema das ciências naturais e exatas (Bachelard, Popper e Kuhn). Em seguida, serão apresentadas algumas críticas relacionadas ao estatuto elitista e tradicional da ciência, que ao longo da história colocaram as outras formas de conhecimento, inclusive a área das ciências humanas, a um patamar inferior (Boaventura Santos). Por fim, será realizada uma breve abordagem sobre uma análise epistemológica das Pesquisas Educacionais (Gamboa).


1. Epistemologia Tradicional: Bachelard, Popper e Kuhn

1.1 Bachelard e os Obstáculos Epistemológicos

Bachelard, em sua obra A Formação do Espírito Científico, afirma que a tarefa da epistemologia científica é muito nítida: fazer uma espécie de psicanálise do interesse e da ação científica, buscando identificar alguns obstáculos epistemológicos que impedem a mobilidade e o rejuvenescimento do espírito científico, que nada mais é do que reconhecer influências subjetivas inadequadas ao processo de conhecimento objetivo: “quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado” (Bachelard, 2005, p. 17). E é neste ponto, ou seja, na falta de consciência da lentidão e conflitos do próprio ato de conhecer, que, segundo o livro, se identifica as causas de estagnação e até de regressão da ciência (as causas de inércia), para as quais recebe o nome de obstáculos epistemológicos:

Não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos (Bachelard, 1996, p. 17).

O pensamento empírico nunca é pleno e imediato; o real não o que se deveria ‘achar’, mas o que se deve ser ‘pensado’. Desta maneira, pensamento empírico só se torna claro depois do estabelecimento de um conjunto de argumentos e nunca imediatamente à experiência. Com isso, fica demonstrado o que o autor entende pelo ato de conhecer: posicionar-se contra um conhecimento anterior com a intenção de destruir aqueles conhecimentos mal estabelecidos que obstaculizam o espírito científico (Bachelard, 1996, p. 17).

Em vista desse pressuposto, a ciência tem então, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, uma absoluta oposição com relação opinião, sendo ela é o primeiro obstáculo a ser superado. O autêntico espírito científico não pode aprovar a existência ou difusão de uma opinião sobre aquelas questões que não se compreende, isto é, sobre questões que não se sabe formular com clareza. É por esse motivo que, para o espírito científico, o conhecimento é muito mais uma pergunta do que uma resposta pronta e opinativa. Sem questionamentos não há ciência, justamente porque, em ciência, tudo é construído (Bachelard, 1996, p. 17).

Aliás, a base de um obstáculo epistemológico está justamente no conhecimento não questionado. O hábito do uso ingênuo e acrítico faz uma ideia ser valorizada indevidamente, tornando-a dominante e polarizando, com isso, a própria atividade científica. É nesse sentido que Bachelard fala do instinto formativo versus instinto conservativo: chega um momento em que o espírito científico é tentado a escolher muito mais aquilo que confirma o seu saber do que aquilo que o contradiz. Em outras palavras, o espírito privilegia muito mais as respostas do que as perguntas, fazendo, portanto, com que o instinto conservativo domine o instinto formativo. Logo, a consequência mais evidente é o abafamento do crescimento espiritual da ciência. Veja:

Um obstáculo epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado. Hábitos que foram úteis e sadios podem, com o tempo, entravar a pesquisa. [...] Com o uso, as ideias se valorizam indevidamente. Um valor em si opõe-se à circulação dos valores. É fator de inércia para o espírito. Às vezes, uma ideia dominante polariza todo o espírito. Um epistemólogo irreverente dizia, há vinte anos, que os grandes homens são úteis à ciência na primeira metade da sua vida e nocivos na outra metade. O instinto formativo é tai persistente em alguns pensadores, que essa pilhéria não deve surpreender. Mas, o instinto formativo acaba por ceder a vez ao instinto conservativo. Chega o momento em que o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas do que de perguntas. O instinto conservativo para então a dominar, e cessa o crescimento espiritual (Bachelard, 1996, p. 19).

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