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A PSICOLOGIA E RELIGIÃO: UM DIÁLOGO (IM)POSSÍVEL

Por:   •  27/6/2017  •  Artigo  •  1.945 Palavras (8 Páginas)  •  352 Visualizações

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PSICOLOGIA E RELIGIÃO: UM DIÁLOGO (IM)POSSÍVEL[1]

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade”. Tal conceito tem uma estreita relação com o desenvolvimento e expressa a associação entre qualidade de vida e saúde da população. Como seria possível, então, desvincular qualidade de vida dos hábitos diários e da cultura de uma população? Frente a esse tipo de questionamento, encontramos cada vez mais frequente, estudos em revistas acadêmicas relacionando qualidade de vida e espiritualidade/religiosidade. É curioso notar que o impacto da religiosidade pode ser associado positivamente com diferentes aspectos da qualidade de vida.  Como expõe Rocha e Fleck (2011), indiferente ao nível socioeconômico, aos sintomas depressivos, à idade e à presença de uma doença crônica, a importância da espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais (medida pelo WHOQOL-SRPBi[2]) é vinculada positivamente aos domínios: psicológico, de relacionamentos sociais, de ambiente, à qualidade de vida e, obviamente, à espiritualidade, religião e crenças pessoais (SRP em inglês).

Moreira-Almeida (2009) atenta que, qualquer pessoa “medianamente intelectualizada” tem ciência dos conflitos que religião e ciência mantiveram ao longo dos tempos e que as instituições religiosas constituíram inúmeros obstáculos ao desenvolvimento científico. Esse pensamento de religião como entrave ao avanço da ciência prolonga-se de modo muito incisivo, em especial nos meios mais intelectualizados. De acordo com o autor, tal perspectiva provavelmente explica boa parte da hostilidade por vezes observada entre cientistas e religiosos, em discussões repletas de “emoções, palavras de efeito e ideologias, mas muitas vezes esvaziado de racionalidade, equilíbrio e evidências empíricas” (p.256).

O objetivo desse trabalho é, assim, realizar uma breve revisão bibliográfica sobre o tema “psicologia e religião”, sustentando a possibilidade de diálogo entre estes dois domínios do conhecimento. Nosso principal argumento se baseia na perspectiva do sujeito como conjunto de experiências, culturas, crenças e valores. Desta forma, suas individualidades, entre elas a religiosidade/espiritualidade, não podem ser ignoradas, mas sim, como defendem Henning e Moré (2009), utilizadas a serviço da psicoterapia, promovendo a saúde e bem estar, em um diálogo sem sobreposição de saberes.

DESENVOLVIMENTO

Embora ainda seja um tema controverso para muitas pessoas da comunidade científica, estudos relacionados à psicologia da religião vêm crescendo a cada dia. Como sustentam Moreira-Almeida e Stroppa (2012), a grande maioria dos estudos “de boa qualidade” indica haver relação entre bem estar e envolvimento religioso. Por exemplo, em pessoas sob estresse ou em situações de fragilidade (como idosos, pessoas com deficiências e doenças clínicas), parece haver um impacto positivo do envolvimento religioso na sua saúde mental. Este fato possui tal relevância, que não pode ser ignorado para a prática médica. Além disso, os autores fazem associação dos piores desfechos em saúde “quando há uma ênfase na culpa, punição, intolerância, abandono de tratamentos médicos etc” (p.37). Da mesma forma, (fato curioso para desenvolvimentos futuros) os piores indicadores também estariam associados à existência de conflitos religiosos internos ao indivíduo ou em relação à sua comunidade religiosa. Isso mostra o grau de influência ( e importância) que a religião possui diretamente na vida de muitas pessoas.

Não podemos perder de vista que, tais fatos nos trazem pistas de que algumas experiências conseguem comprovar a influência da religiosidade no bem-estar físico e mental. Isso é justificado (cf. Miguel Farias, 2013), pois o indivíduo com maior grau de SRP consegue atribuir significado ao que é caótico e aparentemente incontrolável, lidando melhor com os momentos de crise, sofrendo menos de ansiedade, depressão e estresse, e sendo, também, menos vulnerável a doenças.

Oliveira e Jungues (2012) sustentam que saúde mental é o equilíbrio entre todas as dimensões da vida e a capacidade de se abrir às mudanças e às novas experiências que a vida proporciona. Estes pesquisadores realizaram entrevistas com psicólogos a fim de verificar a relação estabelecida por eles entre saúde mental e espiritualidade/religiosidade. Os resultados de tal estudo apontam que, a presença de um elemento religioso/espiritual exerce uma função fundamental para a harmonia e o equilíbrio entre as dimensões do ser humano, atribuindo a este elemento o papel de auxiliar no processo de busca de sentido para a vida. Para os psicólogos entrevistados, a queda das instituições, entre elas as religiões, que antes davam conta de responder aos anseios do ser humano e hoje não exercem mais esse papel, contribui para o sentimento de vazio e desamparo do sujeito, motivando para essa busca de espiritualidade e sentido do viver.  Contudo, Oliveira e Jungues (op cit) salientam que essa inter-relação dependerá do "sentido" e da forma como o indivíduo recebe e interpreta em seu contexto de vida essa experiência, tornando assim essa inter-relação positiva, favorecendo então a saúde mental e intensificando a vivência espiritual do sujeito.

Mas qual a diferença existente entre um sujeito religioso e outro espiritualizado? Como os dois conceitos podem interferir no bem estar e serem, ambos, recursos positivos para o tratamento de uma pessoa? Oliveira e Jungues (op cit, p.470), estudando as dimensões espiritual e religiosa da experiência humana na obra de Boff, destacam que:

“Todas as religiões têm como base a experiência com uma realidade misteriosa e fascinante que se apodera do ser humano, manifestando a presença de algo transcendente que é sentido no cotidiano da existência humana e com grande capacidade de transformar a vida. A espiritualidade refere-se a essa experiência de contato com algo que transcende as realidades normais da vida. Significa experimentar uma força interior que supera as próprias capacidades.”

Desta maneira, os autores explicam que a espiritualidade e a religiosidade caracterizam-se por seu aspecto basicamente experiencial, enquanto a religião está fundamentada na perspectiva institucional e doutrinária. Ou seja, ambas podem representar uma função reorganizadora da percepção de si e do mundo, ao passo que é pela experiência de SRP que o sujeito atribui um sentido para sua vida.

É provavelmente este caráter doutrinário e experiencial das SRP que provoca seu desinteresse no meio científico, ou estimulem a afirmação de que fé e ciência são incompatíveis. Como ressaltam Henning e Moré (2009), existe uma dificuldade metodológica para comprovar a existência de termos concretos da fé, inaceitável em uma cultura de conhecimentos, onde as relações precisam ser quantificadas. A religião/espiritualidade, de acordo com as autoras, representa um processo cultural, é constituída muitas vezes por mitos, rituais e comportamentos morais que definem padrões e atribuem significados a uma dada comunidade, realizando assim uma forte “sugestão” sobre ações e comportamentos, sobre o que “é certo e errado”.  Com isso, não há como negar a influência da religiosidade no comportamento das pessoas, assim como seu caráter sócio-cultural. Contudo, além do aspecto comportamental e cultural do sujeito, a espiritualidade, religião e crenças pessoais adquirem

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