A Política Educacional
Por: Karlalobo12 • 1/10/2018 • Artigo • 5.293 Palavras (22 Páginas) • 242 Visualizações
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Da experiência à reflexão sobre a política educacional: algumas anotações
Embora a matéria reunida nesta convivência com uma escola de periferia comporte várias possibilidades de síntese, vãos nos limitar a alguns de seus aspectos mais capazes de contribuir para uma revisão de medidas comumente tomadas tendi em vista a superação das dificuldades com que a escola publica elementar brasileira se defronta na consecução de sua tarefa de socializar conhecimentos. Entre as conclusões ou confirmações que esse estudo permitiu, destacamos quatro, pelo caráter fundamental de que se revestem.
1 .Ás explicações do fracasso escolar baseadas nas teorias do déficit e da diferença cultural precisam ser revistas a partir do conhecimento dos mecanismos escolares produtores de dificuldades de aprendizagem. Tudo indica que a tese segundo a qual o professor da escola publica de primeiro grau, principalmente em suas duas primeiras series, ensina segundo modelos adequados à aprendizagem de um aluno ideal, não encontra correspondência na realidade; da mesma forma, a afirmação de que o ensino que se oferece a estas crianças é inadequado porque parte da suposição de que elas possuem habilidades que na verdade não têm, também pode ser uma revisão. A inadequação da escola decorre muito mais de sua má qualidade, da suposição de que os alunos pobres não têm habilidades que na realidade muitas vezes possuem, da expectativa de que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em vários sentidos adversas à aprendizagem, tudo isso a partir de uma desvalorização social dos usuários mais empobrecidos da escola publica elementar. É no mínimo incoerente concluir, a partir de seu rendimento numa escola cujo funcionamento pode estar dificultando, de varias maneiras, sua aprendizagem escolar, que a chamada “criança carente” traz inevitavelmente para escola dificuldades de aprendizagem.
Segundo Azanha (1985), “nosso saber sobre o ensino de primeiro grau, em grande parte, não ultrapassa o nível meramente opiniático ou das idéias feitas. A maior evidencia deste estado de coisas esta na inocuidade das providencias que se sucedem e que não conseguem alterar o quadro de um ensino que se presume deficiente, principalmente por suas elevadas taxas de reprovação e de evasão.” Uma das principais causas dos desacertos cometidos, desde da década de vinte, em relação ao ensino de primeiro grau estaria, a seu ver, “no fato de as providencias usualmente terem sido tomadas a partir de um vago saber pedagógico que incorpora acriticamente meias-verdades” (p.110). Alem das “meias-verdades” apontadas por este autor, a desvalorização social da clientela e o preconceito em relação a ela certamente estão entre as principais idéias feiras e acriticamente incorporadas; longe de serem meras opiniões gratuitas, estas idéias ganham força ao serem confirmadas por um determinado modo de produzir conhecimentos, que alça opiniões do senso comum ao nível de verdades cientificas inquestionáveis. Desvenda as maneiras através das quais este preconceito se faz presente na vida da escola mostrou-se um caminho produtivo no esclarecimento do processo de produção do fracasso escolar. Como vimos, esse preconceito é estruturante das praticas e processos que constituem desde as decisões referentes à política educacional até a relação diária da professora com seus alunos.
Não há consenso, na literatura educacional, sobre até que ponto crianças que não vivem em estado de miséria absoluta, que sobrevivem até os sete anos e têm acesso à escola, têm seu desenvolvimento físico e psíquico comprometido, o que não significa negar a presença de crianças portadoras de distúrbios evolutivos nessa clientela escolar. O contato direto e prolongado com crianças de bairros periféricos mostra que elas constituem um grupo heterogêneo, que elas diferem entre si, e que falar em “criança carente”, no singular, é uma generalização indevida. Vários estudos, conduzidos por diferentes especialistas, têm mostrado que as crianças portadoras de distúrbios físicos e mentais encontram-se em muito menos numero nos bancos escolares e no contingentes de repetentes do que costuma supor(veja, por exemplo, Gatti.; 1981; Moysés e Lima, 1982). Não sabemos também em que medida e em que direção os valores, hábitos, crenças, expectativas, estilos de pensamento e de linguagem de crianças nascidas numa grande cidade, e que vivem em seus bairros mais pobres, diferem dos das crianças das classes intermediarias e dos de seus professores. Quase nada sabemos sobre as praticas de criação infantil, sobre as relações adultos-crianças, sobre os estilos de comunicação, sobre a dinâmica familiar nos contextos rurais e urbanos empobrecidos: o pouco que sabemos, através de trabalhos inovadores conduzidos no âmbito da psicologia social, geralmente é ignorado pelos educadores. Não conhecemos nem mesmo as diferenças culturais existentes entre os diversos grupos de moradores pobres nas grandes cidades. Temos muitas suposições, muitas vezes de cunho nitidamente ideológico, que estamos acostumados a tomar, sem contestar, como verdades definitivas. Mas sabemos que o preconceito contra nordestinos, por exemplo, está cada vez mais estruturado em segmentos da sociedade brasileira.( Pierucci, 1987)
Numa linha de contestação das teorias do déficit, Lemos(1985) produziu um artigo imprescindível a esse debate. Suas restrições aos programas de intervenção na pré-escola e na alfabetização que vinculam atrasos ou aceleração do desenvolvimento psicológico à variação cultural baseiam-se numa observação importante: “ note-se que o diagnostico de atraso é feito a partir do desempenho das crianças nas provas pagetianas de conservação, seriação e classificação mas que o diagnostico da inadequação do ambiente cultural não passa de uma suposição, já que não resulta da observação dos tipos de atividades que esse ambiente propicia à criança (p.87, grifos nossos).” Neste mesmo artigos, Lemos ressalta a lacuna decorrente da ausência de pesquisas a respeito de “ como a criança atua no interior de se próprio universo cultural”; mais que isto, adverte para o perigo de se negar, em decorrência dos resultados, obtidos por crianças pobres em provas piagetianas, “ a capacidade de conservação, seriação e classificação que a criança demonstra no cotidiano das mais variadas culturas, em atividades cuja eficácia é definida pela própria cultura , sobre objetos cujo valor – lúdico ou não-lúdico – também é sociocultural” (p.81). Para ilustra está posição, menciona uma pesquisa conduzida com crianças de quatro a seis anos que, “ após terem , em sua maioria, fracassado em provas ‘ standard’ de conservação de numero e comprimento, tiveram o desempenho esperado quando a transformação foi apresentada como um subproduto ‘ acidental’ de uma atividade dirigida à consecução de um determinado objeto” (p. 87-8).1
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