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A Violencia Do Abuso

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Por:   •  31/5/2014  •  3.920 Palavras (16 Páginas)  •  373 Visualizações

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A violência do abuso sexual infantil: interfaces da compulsão à repetição e da identificação

com o agressor

Cassandra Pereira França

1

Diego Henrique Rodrigues

2

Anna Paula Njaime Mendes

3

Resumo: O conceito de compulsão à repetição, que corresponde a uma das dimensões constitutivas

do inconsciente na doutrina freudiana e é considerado como parte da estrutura do sujeito, abre uma

trilha para a investigação de um fenômeno clínico: os casos de mães de crianças abusadas

sexualmente que também foram violentadas na infância e, às vezes, pelo mesmo homem que agora

abusa de sua prole. O reconhecimento da repetição como um fenômeno que ultrapassa tanto a busca

pela satisfação libidinal quanto a tentativa de dominar experiências desagradáveis e faz com que

essa força pulsional produza a repetição da dor, comprova que algo escapa e vai além do princípio

do prazer. O estudo sistemático da compulsão à repetição acrescido de uma interface com a noção

ferencziana de identificação com o agressor pode ajudar a esclarecer o enigmático silêncio da

violência sexual contra crianças num país circunscrito em um contexto sócio-histórico-conceitual de

raízes patriarcais, que não permite a muitas crianças um desenvolvimento saudável de sua

sexualidade.

A repetição

A lógica da repetição está presente em toda a obra freudiana e, apesar de seu primeiro

registro oficial datar de 1914, ano em que Freud publicou “Recordar, repetir e elaborar”, podemos

notar sua presença desde 1894, quer seja numa carta a Fliess (7-2-1894), na qual o termo compulsão

foi empregado pela primeira vez, quer seja no texto “As psiconeuroses de defesa”(1894), em que

Freud publicamente usa o termo Zwangsvortellungen. Zwang indica o caráter de insistência, de

1 Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFMG. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Coordenadora do Projeto CAVAS.

2 Psicólogo e especialista em Temas Filosóficos pela UFMG. Estagiário do Projeto CAVAS.

3 Psicóloga pela UFMG e estagiária do Projeto CAVAS. Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Psicologia

2

perseverança, de necessidade e Zwangvorstellungen seria, portanto, uma representação coercitiva,

implicando no esboço da idéia de uma repetição constitutiva do funcionamento psíquico, tal como é

encontrada, com freqüência, nos atos obsessivos e repetitivos que deram lugar ao termo

Zwangneurose (neurose compulsiva).

No ano seguinte, 1895, no “Projeto para uma psicologia científica”, Freud apresentou o

conceito de Bahnung (facilitação) que abria, sem dúvida, um caminho para a lógica da repetição,

obedecendo em suas articulações à lógica do princípio do prazer. A facilitação seria invocada como

prazer da facilidade, e seria retomada como prazer da repetição. Portanto, a facilitação freudiana,

segundo KAUFMANN (1996), nos revelou o óbvio, ou seja, que existe uma tendência a percorrer o

caminho que já se percorreu, pois os novos caminhos impõem uma resistência, e a facilitação nada

mais seria do que uma diminuição permanente dessa resistência. Também em 1895, nos “Estudos

sobre a histeria” Freud marcava sua opinião totalmente inovadora de que, pelo sintoma, o sujeito

dizia o que não podia dizer de outra maneira e que, assim, a repetição do sintoma representava a

insistência desse apelo.

Um outro passo na construção do conceito de repetição foi dado no artigo em que Freud

usou, pela primeira vez, a expressão ‘retorno do recalcado’, em 1896, no artigo “Novos comentários

sobre as psiconeuroses de defesa”, em que ele enfatiza como a falha da defesa é que abre o campo

da repetição, permitindo o retorno das lembranças recalcadas. Momento em que Freud chama

atenção para uma diferenciação importante: as lembranças revivificadas não são iguais às

impressões mnêmicas originais, pois ao entrarem na consciência, elas precisam ser modificadas.

No artigo “Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907) Freud apresentará o duplo aspecto

próprio da compulsão à repetição, seus conteúdos evidenciam, a um só tempo, o fracasso do

recalcamento e a defesa diante desse fracasso.

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