FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO PARA ATUAR NO SUS: POSSÍVEIS ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E AS MATRIZES CURRICULARES
Por: LARISSA Anzil • 14/4/2015 • Trabalho acadêmico • 9.270 Palavras (38 Páginas) • 342 Visualizações
FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO PARA ATUAR NO SUS: POSSÍVEIS ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS E AS MATRIZES CURRICULARES DE UM CURSO DE PSICOLOGIA. (COLOCAMOS AQUI O NOSSO CURSO DA NOSSA FACUDADE)
Resumo Desde a sua regulamentação, a Psicologia vem acompanhando os diversos desdobramentos sociais, políticos e econômicos do país, e é nesse embate de conflitos que surge a necessidade de uma transformação na formação em Psicologia, que se aproxime do SUS. Este trabalho tem como objetivos identificar as possíveis relações nas matrizes curriculares de um Curso de Psicologia de Santa Catarina com as competências e habilidades contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), visando aproximar-se de uma formação voltada para o SUS e comparar as disciplinas e as ementas das duas últimas grades curriculares do Curso de Psicologia. A presente pesquisa fez uso da abordagem qualitativa de caráter documental. Os dados foram coletados a partir de documentos que expressam o currículo. Neste estudo optou-se pelas matrizes curriculares do Curso de Psicologia pesquisado, analisando os conteúdos que evidenciaram uma aproximação com as competências e habilidades das DCNs. Quando comparadas as matrizes curriculares, essas evidenciaram diferenças como a influência do relatório Flexner e das Diretrizes Curriculares. Apesar das possíveis aproximações do currículo pesquisado com o SUS, entende-se que os atores sociais são os principais protagonistas para que essa transformação na formação do psicólogo efetivamente aconteça. Palavras-chave: Formação em Psicologia, currículo, SUS.
Introdução A psicologia se manteve durante muito tempo alienada das necessidades da sociedade brasileira, favorecendo uma pequena parcela da população, realizando uma pratica descontextualizada, a-histórica, a-política. Apesar da atuação do psicólogo em outras campos como a área educacional e organizacional, o fazer ainda era de cunho psicodiagnóstico e de intervenção terapêutica em nível individual. Com o passar do tempo, buscou-se ampliar o olhar na formação do psicólogo, procurando aproximar-se das necessidades da realidade brasileira, voltando-se para ações interdisciplinares e multidisciplinares, dialogando com diferentes áreas de conhecimento. Isso possibilitou que o psicólogo ganhasse outros espaços como o da saúde, onde aos poucos foi se inserindo nos pequenos espaços para, enfim, atuar na saúde pública (DIMENSTEIN, 1998). Esse movimento, para uma formação em psicologia preocupada com as necessidades sociais, ganha força nos grandes eventos de Psicologia. O Encontro de Serra Negra no ano de 1992, que reuniu representantes de IES - Instituições de Ensino Superior - de todo o país, foi um passo para a tentativa de mudança de paradigmas na formação. Desde a realização desse encontro foram realizados vários eventos, como os Congressos Nacionais de Psicologia que também discutiram o assunto. Através das discussões e dos interesses que circulavam nesses debates, foi surgindo a necessidade de transformar a formação voltada para o modelo clínico, com o objetivo de psicoterapia individual para um modelo mais preocupado com a realidade social brasileira, buscando uma formação na graduação para se aproximar da atuação em saúde. O psicólogo foi finalmente reconhecido como um profissional da saúde, através da Resolução nº218, do Conselho Nacional de Saúde, de 6 de março de 1997, que reconheceu também outros profissionais de nível superior da área da saúde (OLIVEIRA, et al., 2004, p.75). As Diretrizes Curriculares Nacionais surgiram, então, propondo uma reforma na formação dos profissionais de saúde, sendo primeiramente contemplados os cursos de Medicina e Enfermagem no ano de 2001 e, posteriormente, os demais cursos da área da saúde. Assim, a partir das Diretrizes Nacionais da Saúde, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Superior, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, com a Resolução nº 8, de 7 de maio de 2004, que estabelece competências conceituadas como conhecimentos, habilidades e atitudes, que possibilitam a interação e a atuação multiprofissional em benefício dos indivíduos e das comunidades, promovendo a saúde para todos. As competências estabelecidas no Parecer do MEC apontam para: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, administração e gerenciamento e educação permanente (BRASIL, 2004). A partir das DCNs os cursos de Psicologia estruturam o seu currículo, respeitando o eixo central e direcionando as suas ênfases, dentro da perspectiva de que o currículo não é entendido apenas no âmbito educacional. A escolha do currículo, como documento que servirá de base de investigação para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, deve-se ao fato de que nele circulam valores que influenciam diretamente na formação, pois entende-se que esse documento constitui-se de “uma construção e uma invenção social, que nos permite compreender o que são valores e interesses sociais que levam à inclusão de determinados conhecimentos” (YOUNG apud OLIVEIRA et al., 2004, p.206). Moreira e Silva (1995) apontam que, mesmo com todas as transformações importantes ocorridas na produção do conhecimento, o currículo continua basicamente centrado em disciplinas tradicionais. Essa disciplinaridade constitui, talvez, o núcleo que primeiro deva ser investigado, provocando um questionamento da organização curricular existente. Com base nesses autores é que se justifica o recorte utilizado neste estudo, no qual procurou-se estabelecer ligações entre as matrizes curriculares composta por um elenco de disciplinas e ementas com as DCNs.
Concepção do processo saúde-doença e os caminhos da Reforma Sanitária à consolidação do SUS Inicialmente no século XIX, destacava-se o Modelo Europeu de Medicina Social, que atravessou as transformações ocorridas através do capitalismo, pela Europa, com a superexploração da força de trabalho, inclusive de crianças e mulheres grávidas em ambientes sem condições sanitárias adequadas, com uma jornada diária de trabalho de 14 horas, em troca de pouca comida (DA ROS, 2006). Os médicos eram chamados para conter as doenças que acometiam a população, sendo evidente que as condições socioeconômicas eram determinantes do processo saúde-doença. Portanto, era necessário transformar o modo de produção, a fim de promover condições dignas de saúde (DA ROS, 2006). O Movimento da Medicina Social propõe uma compreensão social do processo saúde- doença. Como destaca Da Ros (2006, p.48), o objetivo desse Movimento era: “mudem-se as condições da sociedade que acabam as epidemias e transforma-se o perfil das patologias”. Um pesquisador, chamado Pasteur, descobriu a associação causal entre a bactéria e a doença. Essa descoberta, ao invés de ampliar a compressão do processo saúde-doença, acabou gerando uma ruptura, que ganhou força com Behring em 1896. O pensamento da época foi destacado por Rosen (1980 apud DA ROS, 2006, p.48), “agora, com a descoberta das bactérias, desnuda as causas das doenças, o médico não precisa mais se preocupar com a sociedade”. Esse modelo unicausal de explicação da doença não considerava a determinação social na compreensão do processo saúde-doença e acabou sendo o modelo hegemônico no final do século XIX e inicio do século XX. O Movimento da Reforma Sanitária ganha força no Brasil, em plena ditadura militar na década de 1970, discutindo reformas nas políticas de saúde, e propondo um novo modo de compreender o processo saúde-doença. Contrapondo-se ao modelo Flexneriano surgido nos Estados Unidos, que era um modelo curricular, que privilegiava o modelo de atenção biomédica - assistencial privatista, privilegiando a prática médica curativa, individual, hospitalocêntrica assistencialista e fragmentada em especialidades, que ainda mantinha a atenção centrada na doença, naquele modelo unicausal, sem considerar os determinantes sociais na compreensão do processo saúde-doença (CARVALHO, et al., 2001). A proposta desse movimento propõe pensar em saúde tanto em nível individual quanto coletivo, mas, sobretudo, de maneira universal. Propunha a organização da saúde de um outro modo, a fim de conter o crescimento desmedido da assistência privada que só fortalecia a exclusão. “Transformando os cidadãos em atores ativos, na luta pelo reconhecimento da saúde como direito de todos, invertendo a lógica da exclusão vivida no país até então” (RIBEIRO, 2008, p.80). No ano de 1986, é realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Foi o principal momento da história da Reforma Sanitária Brasileira, fruto de um “[...] trabalho político intenso, alguns importantes postos de condução política setorial, proporcionando assim uma articulação política entre partidos, organizações sindicais e população” (RIBEIRO, 2008, p.83). A partir de toda a luta da Reforma Sanitária Brasileira, que se originou o SUS, na Constituição de 1988. Porém, a sua efetiva implantação se deu apenas com a elaboração e aprovação da legislação infraconstitucional denominada de “Leis Orgânicas da Saúde” (Leis nº 8.080 e 8.142) nas quais foram determinadas as diretrizes gerais e a organização do sistema (CARVALHO, et al., 2001).
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