Fundamentos da Abordagem Existencial
Por: Matheus Andrade • 16/11/2018 • Pesquisas Acadêmicas • 3.872 Palavras (16 Páginas) • 199 Visualizações
Profa. Msc. Roberta da Costa Borges
Disciplina: Fundamentos da Abordagem Existencial
Referência:
BORGES, R.C. Pais e mães heterossexuais: relatos acerca da expressão da homossexualidade de filhos e filhas. 2009. 253 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.
A Fenomenologia ontológico-hermenêutica de Martin Heidegger
Cientes das diversas perspectivas teórico-metodológicas disponíveis em Pesquisa Qualitativa optamos pela fenomenologia ontológico-hermenêutica elaborada por Martin Heidegger, filósofo alemão contemporâneo, considerado o mais original do século XX, e também devido à sua contribuição para a compreensão do existir humano (CRITELLI, 2006; DARTIGUÊS, 2005; GILES, 1989; NUNES 1992, 2002; SAFRANSKY, 2005; STEIN, 1988).
O pensamento heideggeriano surgiu em uma época em que devido a Primeira Guerra Mundial, os homens tiveram seus valores tradicionais e o orgulho por sua civilização colocados em questão. Este pensamento representou a recolocação dos problemas fundamentais da filosofia que é a questão do Ser[1]. O filosofar heideggeriano é uma constante interrogação a este respeito, por isso, acreditamos ser essa opção muito pertinente para nosso estudo, em função da natureza do fenômeno por nós indagado: desvelar a vivência de pais e de mães heterossexuais acerca da homossexualidade de filhos e filhas. E ainda por considerarmos o homem como ser intencional, possuindo a compreensão como aspecto inerente e essencial em seu ser.
Desta feita, utilizamos o conteúdo encontrado nas idéias da fenomenologia de Heidegger, tanto em suas obras quanto de outros autores que se fundamentaram em suas obras. Baseando-nos nesta filosofia e na interface com os autores que alicerçam a pesquisa, analisamos os relatos dos(das) colaboradores(as).
Os questionamentos que permearam nossa busca são amplamente existenciais e ontológicos[2] e sendo assim, se inserem na interpretação do fenômeno que envolve o existir humano. A metodologia descrita em todo este capítulo deve considerar esses aspectos.
Giles (1989) afirma que a ontologia fundamental de Heidegger parte da vida na sua facticidade[3], vida que é histórica e se compreende historicamente e pretende revelar uma estrutura fundamental, adotando a fenomenologia enquanto possibilidade metodológica, enquanto o “como” da pesquisa, a maneira pela qual entramos em contato com as próprias coisas.
Segundo Heidegger (1995, p. 57):
A palavra ‘fenomenologia’ exprime uma máxima que se pode formular na expressão ‘as coisas em si mesmas!’ – por oposição às construções soltas, às descobertas acidentais, à admissão de conceitos só aparentemente verificados, por oposição às pseudoquestões que se apresentam, muitas vezes, como ‘problemas’, ao longo de muitas gerações.
Para a investigação do termo “fenomenologia”, Heidegger volta às raízes gregas da palavra, uma composição de phainomenon ou phainestai e logos. Sobre fenômeno diz Heidegger (1995, p. 58): “como significado da expressão ‘fenômeno’ o que se revela, o que se mostra em si mesmo [...] ‘os fenômenos’ constituem a totalidade do que está à luz do dia ou que se pode pôr à luz”.
Sobre logos diz: “logos deixa ver e faz ver (phainestai) aquilo sobre o que se discorre e o faz para quem discorre (...) e para todos aqueles que discursam com os outros” (HEIDEGGER, 1995, p. 62). O logos é aquilo que é transmitido na fala, é a revelação do que trata o discurso. O sentido mais fundo de logos é deixar que algo apareça.
Disso resulta que a combinação de phainestai e de logos, enquanto fenomenologia significa deixar que as coisas se manifestem como são, sem que projetemos nelas as nossas próprias categorias. Segundo Heidegger (1995, p. 66): “A fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia”. Significa uma inversão de orientação a que estamos acostumados; não somos nós que indicamos as coisas, são as coisas que se nos revelam.
Segundo Dartiguês (2005), o que se manifesta, é “tal ou qual ente”, isto é, objetos ou seres da vida cotidiana com os quais nos defrontamos e o próprio mundo que os contém. Ente[4] é tudo aquilo que é, no sentido concreto, tudo que existe: homens, animais, objetos, utensílios, natureza. Porém, Boemer (2004) esclarece que o homem é um ente privilegiado porque pode questionar seu ser ontológico, é o único ente que existe enquanto os outros entes apenas são.
O que se oculta e será preciso mostrar é “o ser do ente”, isto é, o sentido de ser desse ente, aquilo que constitui sentido e fundamento. Giles (1989, p. 94) escreveu que:
Na guinada que Heidegger dá à fenomenologia, encontramos a oposição entre o real e o seu significado, entre o empírico e o transcendental, sob a forma de oposição que é a chave pela compreensão de Ser e Tempo, entre o ôntico, aquilo que é o ente e o ontológico, o Ser, ou significado daquilo que é.
Se a fenomenologia tem por tarefa essa relação original com o ser podemos considerá-la como a “ciência do ser do ente”, ou seja, ontologia[5].
Sendo assim, Heidegger transcende a visão de homem como ser vivo, dotado de razão, para a compreensão de que a sua essência reside em sua existência, concebida como a maneira do homem. Pela existência em sua facticidade, Heidegger chama de Dasein, termo alemão designado pelo filósofo como Ser-aí, ser-no-mundo, pre-sença, diferente do modo de ser dos demais entes. Giles (1989) esclarece, ainda, que é um ente que é cada um de nós e que tem, entre outras possibilidades de ser, a de questionar, sendo assim: “O homem é o aí (Da) onde o Ser (sein) se coloca em questão, de modo que se trata no homem de muito mais do que o homem” (DARTIGUÊS, 2005, p. 113).
A existência é concebida como poder-ser, possibilidades, projetos, o que denota abertura e movimento. A existência é essa emergência ao ser que o homem descobre antes mesmo de qualquer definição de si próprio, antes de todo pensamento, de toda linguagem, é uma interrogação que o homem traz em si, antes mesmo de formulá-la por ser ele próprio, esta interrogação. O homem é, portanto, o único questionador entre os outros entes e, por isso, só o homem vivo e concreto poderá ser chamado Dasein, a partir de sua possibilidade de ser ele próprio ou de não ser ele próprio e, “por sua vez, está implicado na investigação, já que o ser está em questão no ser do Dasein” (DARTIGUÊS, 2005, p. 115).
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