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O Departamento De Psicologia Uma Visão Racializada Do Documentário À Margem Do Corpo

Por:   •  19/6/2023  •  Trabalho acadêmico  •  2.375 Palavras (10 Páginas)  •  75 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL 

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

UMA VISÃO RACIALIZADA DO DOCUMENTÁRIO À MARGEM DO CORPO

E as múltiplas possibilidades da atuação de um psicólogo

Micaélly Rosário de Almeida

Campos dos Goytacazes, 2020

A escolha por este dispositivo, dentre todos os outros, foi feita por uma afetação pessoal após vê-lo através de uma lente racializada. Apesar de ter sido muito atravessada por todo material, este me tocou de maneira especial, me gerando um desejo de me debruçar sobre ele de uma forma um pouco mais lenta, e proponho neste texto apresentar os resultados destas reflexões, numa tentativa, sem esgotar as possibilidades, de pensar como seria se houvesse a inserção de um profissional da Psicologia no cenário, naquela história, na vida da Deuseli. O documentário À Margem do Corpo se trata de narrativas a cerca da vida e morte de Deuseli, uma mulher preta, sem rosto, mas que tem um rosto.

A importância de um olhar racializado sobre este documentário, se dá principalmente por se tratar de violências (muitas vezes simbólicas) que são perpetuadas historicamente sobre o corpo da mulher negra. Logo no início do vídeo, é possível perceber a tentativa de apagamento da existência de Deuseli. Todos os eventos da vida e morte dela são exemplos de como se dão as relações étnico-raciais e de classe.

O Conselho Federal de Psicologia (2017) destaca as relações de raça e de gênero como objetos centrais a serem enfrentados pelas mulheres pretas, por isso é tão importante pensar como a atuação de um psicólogo com uma formação critica se daria na vida da Deuseli, ofertando a ela uma escuta ampliada, de forma empática, considerando todo processo histórico que constitui aquela mulher.

O vídeo se inicia com fotos das pessoas entrevistadas pela Débora Diniz, a autora do documentário. São pessoas que em algum momento tiveram contato com a Deuseli, e que agora vão contar a história dela. A Deuseli é representada apenas por um desenho no lugar da última foto. O ponto central do documentário é esta mulher preta, estuprada aos 19 anos. A primeira foto que aparece, inclusive, é a do acusado de estupro.

A primeira informação que passam acerca da aparência da Deuseli, é a de que ela era negra, ou como dizem em outro momento, uma “morena bem escura”, “preta, não tão feia", “cabelo nem bom nem ruim”, “não era feia demais, mas também não era bonita”.

Existem dois crimes que atravessam essa história. Em um, a Deuseli é vítima de um estupro, em outro, é assassina da filha de 11 meses, fruto do estupro. São muitas as narrativas, algumas a relatam como vítima, dizendo que ela não seria capaz de mentir sobre isso, outras já tentam justificar a situação, duvidando da Deuseli e a acusando de ter cortado o próprio cabelo, machucado a si mesma, e montado o cenário destruído onde teria ocorrido o crime. O homem acusado do estupro, Negro Vila (nomes apresentados no documentário), teria invadido a casa da Deuseli, a agredido e estuprado. No inquérito do caso, constam fotos de como a casa ficou após isso. Negro Vila foi entrevistado pela Débora Diniz e afirmou em seu discurso que a Deuseli era garota de programa. A patroa e uma amiga de Deuseli, negaram saber disso. É possível identificar a presença de um juízo de moral neste discurso do Negro Vila, sendo até mesmo um analisador nesta história.

Como bem lembra o Conselho Federal de Psicologia (2017), existe uma espécie de estereótipo que propaga a ideia de que mulheres negras são prostitutas. Deuseli ser ou não uma garota de programa não legitima nem deslegitima o estupro que sofreu. O Negro Vila foi preso com um homem que havia estuprado a sua irmã, e apesar disso, eles se davam bem na prisão, mesmo sua irmã tendo morrido. O policial que conhecia o Negro Vila disse que ele tinha um “ótimo comportamento”, exceto pelo fato de estuprar detentos. Esta boa relação entre Negro Vila e o estuprador da sua irmã é um analisador que salta os olhos neste caso.

Após o estupro, a Deuseli foi a delegacia e não encontrou ninguém que a instruísse. Ela foi ao hospital fazer o exame de corpo de delito, mas a médica que a recebeu a mandou ir pra casa tomar banho (ato que apaga as evidências do estupro no corpo). Os médicos dizem que não fizeram o exame pois não tinha um pedido formal da delegacia. Quando a Deuseli voltou no outro dia, com o pedido, o exame foi feito e o resultado do laudo saiu com a maioria dos dados inconclusivos, o que já era de se esperar. Um tempo depois, a Deuseli foi a delegacia contar que estava grávida, e queria saber se a justiça a ajudaria a não ter esse filho, já que ela não o queria e sabia dos seus direitos. Ela ia todos os dias falar com a promotora, que um dia a disse que não tinha hospital nenhum ali que fizesse. A promotora, então, levou a Deuseli para outra cidade. Um trabalho em conjunto com um psicólogo faria toda diferença neste processo. Todos os médicos do hospital se isentavam da responsabilidade (autorizada por lei) de fazer o aborto. Eles queriam que ela iniciasse o aborto em casa.

Conforme Benevides (2005) afirma, é muito pouco encontrado na Psicologia um pensar saúde pública, pensar SUS, pensar possíveis intervenções que permitam que o trabalho do psicólogo vá além de uma clínica individual, privada e segregadora.

Um médico, em contrapartida, disse que faria se levassem para ele alguns documentos que o mesmo estava solicitando, por mais que fossem desnecessários.  A promotora, que teve uma atitude amável, acolhedora e não crítica, foi atrás dos documentos, já que essa era a única opção. Enquanto tudo isso acontecia, a Deuseli ficava internada, recebendo medicações que não fariam nenhum efeito, apenas para ver se com o tempo ela desistia do aborto. Até que um dia, a mandaram para casa. A juíza do caso diz ter ouvido que a Deuseli, durante os dias que ficou internada, foi muito pressionada por pessoas religiosas a não concretizar o aborto. Após sair do hospital, Deuseli sumiu.

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