O Estudo do Cérebro
Por: leirson marques • 19/8/2021 • Resenha • 4.176 Palavras (17 Páginas) • 139 Visualizações
doi: 10.5007/1808-1711.2012v16n3p495
RESENHAS
REVIEWS
NOË, Alva. Out of our heads: Why you are not your brain, and other lessons from the
biology of consciousness. New York: Hill and Wang, 2009. 214 páginas.
Out of our heads é uma apresentação voltada a um público não acadêmico de uma
reação a concepções da filosofia da mente tradicional, encontradas principalmente,
nos dias de hoje, na ciência cognitiva. Um dos principais pressupostos da ciência
cognitiva é a ideia de que as respostas para algumas questões básicas da filosofia da
mente serão encontradas no estudo do cérebro, sendo este o principal responsável
pela atividade mental, enquanto o resto do corpo e o ambiente em que se vive teriam
apenas papéis secundários. Apesar de notáveis desenvolvimentos na compreensão do
funcionamento do cérebro, especialmente a partir da década de 1990, a “década do
cérebro”, alguns problemas impostos pelos pressupostos da ciência cognitiva permanecem
tão misteriosos hoje quanto na tradição cartesiana. Problemas difíceis, como
a relação entre o cérebro e a consciência, por exemplo, ainda não têm uma solução
satisfatória. Para Noë, dificuldades como essas no estudo da mente decorrem
da incompreensão do que são os fenômenos mentais e como ocorrem. Cientistas e
filósofos, ao procurar a mente no cérebro, estariam procurando no lugar errado.
Na concepção de Noë, a mente é produto de uma interação entre corpo (inclusive
o cérebro) e meio externo. A mente não é algo que ocorre em nós, realizado
pelo cérebro (na tradição contemporânea) ou por uma substância imaterial (na tradição
cartesiana). Para compreender a mente, precisamos, segundo ele, direcionar
a atenção a uma imagem mais ampla. Nesta resenha, serão abordados os seguintes
temas: o uso de técnicas de escaneamento para estudar a consciência, a concepção
de percepção e cognição assumidas pela ciência cognitiva e, por fim, apresentaremos
brevemente a concepção alternativa de mente proposta por Noë.
O cérebro
Em meados do século XX, Francis Crick, prêmio Nobel de Medicina de 1962, junto
com James Watson, pela descoberta da estrutura da molécula de DNA, afirmava que
“você, suas alegrias e suas tristezas, suas memórias e suas ambições, seu senso de
identidade pessoal e livre arbítrio, não são, de fato, mais do que o comportamento
de um vasto conjunto de células nervosas e suas moléculas associadas” (Crick apud
Noë, p.5). Na concepção tradicional, supunha-se que a demonstração empírica de
Principia 16(3): 495–504 (2012).
Published by NEL—Epistemology and Logic Research Group, Federal University of Santa Catarina (UFSC), Brazil.
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que a consciência é redutível a processos cerebrais seria só uma questão de tempo.
Disso se seguiria que “não é preciso mais gastar tempo tentando [. . . ] aguentar o
tédio dos filósofos perpetuamente discordando uns com os outros. A consciência é,
agora, em grande medida, um problema científico” (Crick apud Noë, p.6).
O otimismo na ciência cognitiva nas últimas décadas foi em grande parte possibilitado
por avanços tecnológicos, como o surgimento das tecnologias de escaneamento
cerebral. De acordo com essa abordagem, tecnologias como as de ressonância
magnética funcional (fMRI ou RMf, na sigla em português), tomografia por emissão
de pósitrons (PET) e eletroencefalografia (EEG), permitiriam observar diretamente o
funcionamento do cérebro em ação e correlacionar a atividade cerebral com o que
os pacientes experimentam subjetivamente, mostrando que o cérebro é o centro da
atividade mental. Contra isso, Noë argumenta (cap.1) que existem limitações sérias
para as conclusões que se procura extrair dessas correlações. Uma delas, de caráter
metodológico, diz respeito às medições realizadas nas técnicas de “imageamento”
cerebral. A utilização dessas técnicas não mede diretamente a atividade consciente,
mas apenas exibe indícios indiretos. No PET, uma substância, como a glicose, é ligada
a isótopos radioativos de iodo ou flúor, por exemplo, e injetada no sangue do
paciente. O isótopo emite pósitrons que, ao colidirem com elétrons, liberam raiosgama.
O que é medido, então, é a emissão de raios-gama causada pelas colisões
entre os elétrons e os pósitrons. Como o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio
são necessários para a atividade cerebral, infere-se que a região ou conjunto de células
com maior emissão de raios-gama é responsável por determinado estado ou
processo mental. Não se trata de um registro direto da consciência, mas sim, de uma
inferência que supõe que o cérebro é a sede da consciência.
Noë chama atenção também para o fato
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