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O HOLOCAUSTO BRASILEIRO

Por:   •  30/6/2022  •  Resenha  •  1.972 Palavras (8 Páginas)  •  122 Visualizações

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FACULDADE SANTA CASA

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

               

                                       

                                     

 ODETE LARA C GUERREIRO DOS SANTOS

RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME

 “HOLOCAUSTO BRASILEIRO”

 

SALVADOR

2022

 RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME “HOLOCAUSTO BRASILEIRO”

ARBEX, Daniela, 2016

O filme “Holocausto Brasileiro” foi lançado em 2016, sob direção de Daniela Arbex e Armando Mendz. Daniela Arbex é jornalista independente, repórter investigativa e escritora. O documentário foi baseado no livro homônimo de Daniela Arbex, e relata uma das maiores tragédias protagonizadas pelo extermínio e desumanização da história do Brasil, que aconteceu no Antigo Hospital Colônia em Barbacena (MG), no início do século XX. É uma produção que retrata o descaso, a precariedade, a tortura, o sofrimento, a exclusão, mortificação da vida, que resultou em 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.

Os registros fotográficos logo no início do filme já remetem a extrema semelhança com os campos de concentração nazista: a tortura refletida nos corpos desnutridos, a violência no reflexo do olhar dos internos, as marcas das algemas que aprisionavam a liberdade e a percepção sobre si de cada indivíduo. Era nos “vagões dos loucos" que se levavam os considerados alienados com destino ao hospício, depositados e encarcerados numa instituição na qual deveria ser um local de tratamento e cuidado, mas apenas acumulou corpos, expostos ao descaso. Os relatos explícitos sobre a vivência no Antigo Hospital Colônia de Barbacena por sobreviventes, ex-funcionários, familiares e pesquisadores narram tal contexto aterrorizante. O tratamento extremamente desprovido de cuidados necessários, como o uso de medicação injetável em uma única injeção para vários pacientes, o uso do eletrochoque, a definição de cor para cada medicação destinada a determinado comportamento (sendo estas, dadas aos internos inclusive sob ameaça dos guardas), a falta de alimentação, o trabalho não remunerado feito pelos internos, as agressões, dentre inúmeras outras barbáries, representam a perversidade institucionalizada como forma de tratamento, ao qual foram submetidos todos que passaram por lá (com diagnóstico de alguma doença mental ou não). Vale ressaltar, que a contratação (principalmente em época de eleição política) de alguns profissionais eram feitas, sem exigência alguma de formação para tal, ou seja, bastava ser recomendado para “trabalhar” no hospital.

Os corpos mortos pelo chão do hospício parecia ser algo corriqueiro, afinal, havia um cemitério anexo ao mesmo. O instituto não comunicava aos familiares a situação dos pacientes. Além disso, durante a entrevista do ex-relações públicas do hospital, ele relata que alguns cadáveres eram “cedidos” á universidades, quando na verdade, existia um documento assinado pelo mesmo, onde existiam preços para cada parte do cadáver. Ou seja, vendiam os corpos os quais a própria instituição propiciou a antecipação da morte, onde o lucro era mantido em sigilo e no silêncio omisso e cúmplice de toda estrutura genocida. O relato de todos os entrevistados traz à tona uma reflexão acerca dessa institucionalização genocida: o estado e a sociedade contribuíram por décadas, sem nenhuma intervenção ou consciência da gravidade da situação. Os próprios funcionários eram coniventes, inclusive a comparação entre os internos á um cachorro que aceitava qualquer coisa por um maço de cigarro (fala de um ex-funcionário). Omissão, silêncio e indiferença frente á degradação humana. É necessário relembrar a situação política do Brasil, especialmente no período do Regime Militar, com 5 mandatos militares e instituição de 16 atos institucionais – mecanismos legais que se sobrepunham à constituição. Período marcado brutalmente pela restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e censura, participação do cidadão na decisão nas instituições estatais. A saúde nesse período não era considerada como direito, e a assistência médica prestada pelo Inamps[1], estava restrita apenas aos que tinham carteira de trabalho assinada, ou seja, o que restava aos que não estavam na condição de empregado buscavam atendimento em instituições filantrópicas ou privadas, e os mais pobres eram tratados como indigentes. No entanto, o serviço oferecido pelo Inamps era em maioria por clínicas privadas, logo, os recursos eram depositados pelo governo em redes privadas, ao invés de investir na saúde pública. Ou seja, a saúde era fonte de negócios lucrativos, através da medicina privatizada. Logo, se o governo federal tratava a saúde como fonte de lucro, no Hospital Colônia Barbacena não seria diferente. A escassez de recursos mínimos como alimentação, a ponto de os pacientes comerem ratos, revela claramente que não existia nenhuma intenção em intervir, investir, cuidar, quando era mais fácil isolar, escravizar, torturar, e usufruir de suas conveniências daquela situação.

O que aconteceu em Barbacena, desde a fundação do Hospital Colônia em 1903 até anos finais da década de 70, além de representar o atraso do Brasil em relação á Reforma Psiquiátrica em comparação ao mundo, trazia o reflexo histórico de reprodução da exclusão, isolamento dos segmentos sociais menos favorecidos, assim como na Europa durante o século XVII, com a criação dos Hospitais Gerais (após os leprosários), onde a cidadania foi brutalmente destituída dos loucos, pois suas condições implicavam na perda do seu livre arbítrio e participação na sociedade. Sendo assim, o destino dos considerados não só loucos, mas também os “desajustados” socialmente, era o isolamento sob submissão dos tratamentos nas instituições onde múltiplos indivíduos eram empilhados, com ausência de um estatuto de funcionamento humano. Michel Foucault considerou esse período como “O Grande Enclausuramento”, onde a necessidade de ordenação social e do espaço público pela exclusão, retiravam das ruas e aprisionavam os considerados indesejáveis (prostitutas, libertinos, negros, pobres, doentes venéreos, loucos e marginais). No entanto, a internação não era baseada na loucura como doença, mas sim “as relações da sociedade consigo própria, com o que ela reconhece ou não na conduta dos indivíduos" (FOUCAULT, 1975, p. 79). Durante o filme, uma ex-funcionária relata que os policiais faziam rondas pelas ruas de Barbacena, recolhendo violentamente as pessoas e levando para o Hospital Colônia (sem nenhum critério, parâmetro, justificativa legal, apenas sob a ótica de higienizar a sociedade).

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