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O SOFRIMENTO OCULTO DOS AUTORES DE VIOLÊNCIA

Por:   •  10/10/2022  •  Artigo  •  12.519 Palavras (51 Páginas)  •  109 Visualizações

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O SOFRIMENTO OCULTO DOS AUTORES DE VIOLÊNCIA

Tatiana Nara Vivan Henz1

“O sofrimento precisa ser superado, e o único meio de superá-lo é suportando-o”.

(Carl Jung, psiquiatra suíço, 1875-1961)

Quem é para ti o autor de violência, autor de um crime? Segundo o imaginário da maioria das pessoas, só para citar, o “menor infrator” é um minibandido, uma pessoa que está virando um criminoso e deve ser punido como tal, preferencialmente que sofra a mesma violência que cometeu. Os adolescentes envolvidos na prática de um ato infracional são considerados como seres agressivos, que fazem uso e abuso de drogas e não se importam com sua vida, ou a vida da vítima, e que não têm mais “conserto”. Para a sociedade estes não se importam com nada, nem ninguém, seus sentimentos também são inexistentes ou irrelevantes.

Para a sociedade, os ambientes prisionais e socioeducativos são instituições com caráter, objetivo, apenas punitivo e sancionatório, preferencialmente com porta de entrada mas não de saída, conforme expõe Foucault2.

Entretanto, esse pensamento não está somente restrito aos adolescentes mas também a adultos que se envolvem na criminalidade, em eventos de violência e grave ameaça a outros. Infelizmente também não se atêm às pessoas sem informação, mas às pessoas denominadas “cultas” (ex: operadores de Direito) e outros profissionais que se limitam a um determinismo fatalístico, olhando em geral para o individuo destituído do seu entorno.

Neste artigo, estudaremos estas enormes falácias e as contradições contidas neste discurso, considerando também outros ingredientes para que se tenha amplitude perceptiva, pois não se resolve um problema complexo de forma linear e simples. As soluções são complexas para os problemas complexos. Neste artigo duas vulnerabilidades serão analisadas: as vulnerabilidades sociais e as vulnerabilidades eminentemente relacionais: as psíquicas, item 1 e psiquiátricas, item 2. É comum que as situações de vulnerabilidades sejam vivenciadas concomitantemente, porém são diferentes.

Diante disto, compreendemos a necessidade de profundidade acadêmica ao se propor possibilidades, alternativas e oportunidades, superando a cegueira de viver num mundo onde se tenha acabado a esperança, aonde não se visualizem saídas3.

1 ORIGENS DO SOFRIMENTO VIVENCIADO

1.1 Vulnerabilidades Sociais

O conceito de vulnerabilidade, fragilidade, relaciona-se à exposição, contingências, tensões, e às dificuldades de lidar com elas. Nesse sentido, pode ser uma condição dos indivíduos e grupos frente aos acontecimentos de diversas naturezas: ambientais, econômicas, fisiológicas, psicológicas, legais e sociais.

A violência expressa pelos adolescentes é uma forma de reprodução da violência social e historicamente produzida, não uma forma de violência determinada por causas biológicas ou gerada apenas no próprio indivíduo. Porém, ao se fazer o isolamento do individuo com seus próprios problemas, este passa a acreditar que esses problemas foram determinados NA e pela SUA própria individualidade. Essa naturalização do histórico impede que as massas sociais e os indivíduos em geral, compreendam a gênese histórica da violência e acreditem que a violência foi gerada e produzida no indivíduo que cometeu o ato.

Somos todos resultantes do desenvolvimento histórico da humanidade e não seres individuais, desenvolvidos a partir de si mesmos apenas. Sim, somos frutos do nosso tempo e lugar, além de uma sociedade estruturalmente construída de forma violenta e consumidora diária desta violência4.

A indústria bélica gera e movimenta muito dinheiro. O célebre filme “Senhor das Armas” deixa claro o esquema político e financeiro de um dos maiores mercados consumidores5. As políticas de guerra e intolerância, além de produzir pontualmente algumas situações de extrema violência, influenciam os países do continente a adotarem políticas repressivas que não funcionam, em detrimento de políticas sociais. As políticas de segurança unilaterais, na ausência do social, produzem o acirramento da violência de forma generalizada, e também um imenso mercado para atender a demanda gerada pela violência, porque o investimento em segurança é alto e as armas precisam ser vendidas. Neste sentido, paradoxalmente, a exposição midiática se mostra como forma que se resolve a violência: com mais violência. Ou seja, é a força opressiva.

Os mais vulneráveis sofrem por esta tomada de decisão, porque não terão acesso a políticas públicas de qualidade, a recursos que deveriam ser comuns a todos nas seguintes políticas públicas de base: saúde, educação, lazer, esporte. Dados estatísticos contidos no Caderno Fundamentos da Socioeducação, capítulo terceiro, mostram qual o público atendido e como é fácil criminalizar os indivíduos, principalmente os pobres, negros e os mais jovens. Enfim, os mais vulneráveis acabam sendo duplamente penalizados, privados secundariamente e reiteradamente6.

Entre diversas formas de violência social, citam-se: exclusão dos benefícios materiais; abandono; violência doméstica; violência sexual; crime organizado; corrupção; preconceito; discriminação; não acesso aos códigos eruditos da cultura; e uma infinita gama de possibilidades de violência que permeia a cultura repassada às novas gerações. Complexa cultura que contém a violência na sua própria constituição lógica e encontra nos mais jovens e mais vulneráveis sua forma de reprodução histórica. Essas formas de violência se espalham por todos os setores sociais, mas se fixam mais intensamente nas populações vulneráveis, formando nichos de reprodução da violência.

Outra questão propositadamente esquecida pela sociedade de classes, é o fato de somente um grupo restrito ter acesso aos bens mais custosos, sendo isto fator de discriminação e sofrimento que reproduz a violência. A ausência de condições para obter um objeto de consumo, bastante propalado e já adquirido pelo círculo de amizades, pode representar uma forma de violência caso essa criança/jovem não tenha orientação de adultos, para compreender de forma positiva esse processo. Muitas vezes o furto, roubo, assalto e até o tráfico de drogas cometido por adolescentes, são originados no desejo não satisfeito e descontrolado de consumo7.

A escola, de forma bastante peculiar, em sua estruturação também reproduz a violência de duas formas: a) escola das elites: que vão dirigir o processo produtivo; e b) escola das massas: que

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