Um Encontro Marcado com a Loucura - Ensinando e Aprendendo Psicopatologia - Tânia Cociuffo
Por: Gee. Accarini • 21/5/2019 • Resenha • 1.803 Palavras (8 Páginas) • 309 Visualizações
Análise Psicopatológica Comparativa:
"Um Encontro Marcado com a Loucura - Ensinando e Aprendendo Psicopatologia" - Tânia Cociuffo
"Sua Voz Dentro de Mim" - Emma Forrest
Em seu livro "Encontro marcado com a loucura", Tânia Cociuffo amplia a visão da Psicopatologia como disciplina teórica e ainda, como prática indispensável na formação do psicólogo. Como todos os encontros têm seus encantamentos ou desencantamentos, com a loucura não poderia ser diferente, segundo a autora a Doença Mental ganha cada vez mais foco nas discussões contemporâneas, entretanto, traz como bagagem de mão paradigmas pré-concebidos, estigmas de ordem cultural. Falar de loucura, infelizmente, ainda é falar do outro altamente sexualizado ou agressivo, a esquiva, o medo de contaminar-se ainda torna-se perceptível, uma vez que aceitar o outro com todas as suas neuroses e psicoses é se conscientizar que vivemos a um fio da loucura, e que nossas próprias neuroses são desafiadas diariamente.
O receio e distanciamento presente sempre que necessário lidar com questões da doença psiquiátrica pode ser influenciado também pelo modelo mitológico-religioso, ainda corrente e que interfere no modo como os doentes mentais, familiares, colegas e entidades hierárquicas que fazem parte da vivencia do paciente percebem a sua patologia; uma vez que ditam serem perturbações espirituais. A visão medieval da loucura, por exemplo, está intimamente associada à possessão demoníaca e essa perspectiva ganha espaço à medida que a hegemonia do cristianismo se impõe. Todavia, não é de hoje que essas concepções existem, a metafísica e a religião são os mais nítidos critérios a serem utilizados na negação da possibilidade da loucura em si mesmo.
Tânia Cociuffo traz ainda em seu livro a questão da linguagem rebuscada tanto utilizada para falar das patologias, linguagem esta que exclui a compreensão do diferente e o contato com sua existência. Em outras palavras, ao escolher formar psicólogos que tratam apenas de psicólogos, a elite brasileira escolheu também aumentar o preconceito e a aversão ao doente mental, pois tudo aquilo que não sabemos discorrer sobre, de certa forma acaba por cair no imaginário popular. Por conseguinte, refinar a linguagem, neste caso, é restringir o conhecimento e continuar mitificando a psicopatologia. Acredito ser crucial uma linguagem acadêmica e social, que permita a todos a compreensão do sofrimento psíquico.
A Psicopatologia traz consigo um sofrimento ao mesmo tempo em que porta a viabilidade de uma instrução interna, isto é, apesar do incomodo subjetivo também gera um meio importante de ensino, tanto para o próprio paciente, que em meio ao processo terapêutico se descobre, tanto para os profissionais que participam de seu processo patológico. Ressalto aqui a importância da cura interna, de sanar todas as dúvidas e anseios que prendem a psique humana, para então tratar a sintomatologia visível. Pois é na situação terapêutica que a alienação transforma-se em percepção, em experiência; bem como, é se tratando desta busca terapêutica que torna possível realizar uma comparação significativa entre os pacientes psiquiátricos mencionados no livro de Tânia Cociuffo e a protagonista do livro: "Sua voz dentro de mim".
Tratando-se de uma narrativa, esse segundo exemplar descreve de maneira fiel à trajetória de uma jovem bonita e bem sucedida, cujo nome é Emma Forrest. Jornalista britânica, correspondente do "The Guardian" em Nova York, romancista, Emma entrava no sonho intelectual americano sem nenhuma ranhura. Entretanto, sua sanidade era pouco parecida com o sonho.
O livro de memórias de Emma cobre os oito anos em que foi paciente do Dr. R, com alguns flashbacks indispensáveis, Dr. R torna-se o fio condutor da narrativa. Em tom de reconhecimento, fica claro o quanto é grata ao profissional pelo seu processo de recuperação. Nesses oito anos, mapeia o desenvolvimento de sua doença e sua recuperação, diretamente ligados aos seus relacionamentos conturbados, seus comportamentos destrutivos e sua vontade escassa de viver.
Aos 22 nos, inicia sua vida adulta de forma invejável, entretanto, Emma guarda consigo um segredo, a dor, o vazio que mesmo calado transborda a mente de Emma. Bulimia e automutilação roubam a cena e aos poucos a sua sanidade.
Ponderando a abordagem diagnóstica da disciplina de Psicopatologia, torna-se fundamental salientar alguns atributos comportamentais e psíquicos da protagonista:
- A Relação Familiar:
A família de forma geral é considerada o fundamento básico e universal da sociedade, embora variem as estruturas e funcionamentos, cabe a ela facilitar a interação com o outro e com o meio.
Tão importante quanto sua relação com o Dr. R, era a relação de Emma com seus pais. Mesmo que não morassem no mesmo lugar - Emma mudou-se para Nova York e seus pais permaneceram na Inglaterra - era meritório o apoio e a afeição que eles conseguiram, mesmo a distância, proporcionar. Sendo a depressão uma patologia afetiva ou de humor no qual há alterações psíquicas e orgânicas que acabam por comprometer o físico, os pensamentos e as emoções, considera-se primordial o apoio familiar para o desenvolvimento do indivíduo, uma vez que influencia diretamente na forma como o indivíduo se auto-avalia e como avalia as informações provindas do meio externo. Sendo assim, mesmo que por vezes distantes, os pais de Emma puderam de forma flexível o bastante oferecer-lhe o suporte necessário de forma não castradora, o que fica evidente ao final do livro onde Emma, após tantos conflitos vivenciados a respeito do "amor de sua vida" reconhece de forma clara, sua mãe, como o ser merecedor destas tais palavras.
- Os Relacionamentos Amorosos:
No livro é possível notar que os relacionamentos amorosos vivenciados por Emma, mostravam indiretamente seu estado mental. Seu relacionamento com Simon, por exemplo, expressava a mania, com sua euforia excessiva, sua irritabilidade extrema, seu desejo sexual aumentado, bem como o comportamento provocativo e intrusivo, que ambos dividiam. Até mesmo, ao seu término, onde Emma consegue superar a negação de que algo definitivamente estava errado. Seu relacionamento com MC, por outro lado, nos mostra o quão grande era o seu desejo de estabilidade, esta que por vezes evidenciada de forma externa, remetia, para Emma, a sua busca pela estabilidade emocional. Contudo, de forma a mapear a doença de Emma, seus relacionamentos foram descritos como forma de se auto descrever, afinal, como citado no livro, todos aqueles que escolhemos deixar passar por nossas vidas, traz consigo um significado, e consequentemente, merece ser mencionado:
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