O Holocausto Brasileiro
Por: GadFly Knows • 27/6/2019 • Artigo • 3.659 Palavras (15 Páginas) • 204 Visualizações
Resumo do Livro – Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex.
Capítulo 1, O Pavilhão Afonso Pena:
Manhã fria de uma segunda-feira de 1975 em Barbacena, Minas Gerais. Marlene Laureano, atendente psiquiátrica, chega ao seu local de trabalho, uma área de 8 milhões de metros quadrados. Ao final do trajeto, repleto de prédios protegidos de grades, entrou no Pavilhão Afonso Pena com cerca de 1500 metros quadrados para cumprir o seu primeiro dia de trabalho.
Um cheiro insuportável alcançou sua narina. O esgoto atravessava o pavilhão onde duzentos e oitenta homens, a maioria nus, rastejavam pelo assoalho. Alguns estavam mortos devido ao frio.
Marlene desinfetou o chão coberto de fezes e de urina não só humanas, mas também de ratos. Começara a trabalhar num campo de concentração travestido de hospital. A instituição funcionava desde 1903 com o apoio da Igreja Católica.
Os diagnósticos, no início do século XX, eram padronizados e pelo menos 70% dos internos não eram doentes. Maria de Jesus estava internada porque era triste. O Colônia, esse é o nome do hospital, tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, esposas trocadas por amantes, prostitutas, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados.
Em 1960, havia 5 mil pacientes onde cabiam 200. As camas foram substituídas por capim por causa da falta de espaço. Somente em 1980, alguma pálida providência foi tomada.
Sessenta mil pessoas perderam a vida no Colônia. Restam hoje menos de 200 sobreviventes dessa tragédia silenciosa. Aqui, começa a ser contada a história do Holocausto Brasileiro.
A estação Bia Fortes era a última parada dos deserdados sociais. Vinham no denominado “trem de doido”. Assemelhavam-se aos judeus levados, na Segunda Guerra Mundial, para os campos de concentração. Ao entrarem no “trem de louco”, os passageiros tinham a humanidade confiscada.
Ao desembarcarem no manicômio eram separados por sexo e desprovidos de suas roupas. Esse era o primeiro constrangimento. Depois passavam por um banho coletivo e recebiam o uniforme. Depois, eram separados por pavilhões de acordo com as suas características e capacidade de trabalho.
Sem documentos, eram rebatizados pelos funcionários. O tratamento não era especializado e havia poucos psiquiatras trabalhando. Postos de trabalho eram trocados por votos dados aos coronéis de Barbacena. O hospital era um grande curral eleitoral.
Antônio Gomes da Silva, sessenta e oito anos, foi encaminhado ao hospital aos vinte e cinco. Não sabe porque fora internado em 3 de janeiro de 1969. Passou o tempo todo nu, embora caminhões trouxessem roupa frequentemente. Transferido, em 2003, para uma residência terapêutica, não sabia viver sem amarras. Quase meio século fora do convívio social marcaram-no para sempre. Liberto, tinha todos os dias pesadelos terríveis com eletrochoques e outras torturas.
Geraldo Magela Franco, funcionário aposentado do hospital admite que o tratamento com choques não era terapêutico, mas visava a intimidação e contenção do paciente. Admite também que não havia prescrição. Medicava os internos pela prática, sem nenhum respaldo médico.
O despreparo era tanto, que às vezes caía a energia elétrica da cidade por causa do excesso de choques ministrados.
A controvertida eletroconvulsoterapia existe desde 1938, para tratamento de doenças mentais. A partir de 2002 foram estipuladas regras para humanizá-la. No Colônia, ela tinha características semelhantes à tortura. Funcionários, para conseguirem promoção, tinham que aplicar os choques em aulas práticas. Até mesmo os que trabalhavam na cozinha participavam. Numa das aulas, morreram dois pacientes.
Conceição Machado, aos quinze anos, foi internada por exigir do pai, rico fazendeiro, a mesma remuneração dos irmãos. Pela atitude rebelde recebeu o castigo paterno. Em 10 de maio de 1942, desembarcou do “trem de doido”. Nunca recebeu visita.
Sofreu torturas atrozes por não aceitar a internação, mas tornou-se líder: exigiu médicos, alimentação de qualidade, assistência digna.
Sua luta sensibilizou uma menina, Chiquinha, filha de uma funcionária. O exemplo de garra de Conceição marcou a sua vida. Hoje, Chiquinha é diretora do Sindicato Único de Saúde e representa 20 mil servidoras. Lutou para humanizar a instituição, mas sem êxito. Pensa sempre na sofrida amiga Conceição. Infelizmente, dentro do hospital, apesar de ninguém ter apertado o gatilho, todos carregam mortes nas costas.
Capítulo 2, Na roda da loucura:
Fome e sede eram sensações permanentes no local onde o esgoto que cortava os pavilhões era fonte de água. A alimentação era pobre e racionada. Alguns internos comiam bichos do esgoto para matarem a fome.
Passavam a maior parte do tempo no pátio, independente do frio que cortava a pele exposta, pois a maioria vivia nua. Andavam juntos e com os braços unidos, formando uma massa humana capaz de lhes dar algum calor. Os andrajos daqueles que ainda tinham roupas eram queimados formando fogueiras.
Os doentes medicavam-se uns aos outros sem remédios. As crises de dores de ouvido eram curadas com panos quentes aplicados sobre os órgãos inflamados sem ajuda médica. Deixados sem água, muitos bebiam a própria urina.
Os castigos eram uma rotina. Um deles consistia em fazer o paciente mergulhar numa banheira coberta de fezes. Internas grávidas passavam fezes no corpo. Sujas, nenhum funcionário tinha coragem de encostar-lhes as mãos. Assim. Protegiam o filho que estava na barriga.
Em 2003, muitos dos doentes foram transferidos para uma instituição mais humana; receberam até auxílio financeiro do governo federal. Aos poucos, foram se acostumando a ter dignidade.
Capítulo 3, O único homem que amou o Colônia:
O mestre de obras do Colônia, Raul Ferreira Carneiro, tinha uma vida de exceção no Colônia. Morava no hospício, numa confortável residência, desde a década de 1920. Lá nasceram e foram criados os seus nove filhos. Dentre esses, o terceiro, Luiz Felipe Cisalpino Carneiro, que viria a ser o futuro administrador do hospital.
Luiz Felipe não entendia, quando menino, porque aqueles internos eram considerados perigosos. Afinal, trabalhavam como mouros construindo, plantando e fazendo estradas. Em 1916, quase metade da receita do hospital fora garantida pelos doentes.
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