Assistência Social - Avanços E Retrocessos: Reflexões Sobre Os Limites Da Política Nacional De Assistência Social No Enfrentamento Da Questão Social No Brasil
Artigo: Assistência Social - Avanços E Retrocessos: Reflexões Sobre Os Limites Da Política Nacional De Assistência Social No Enfrentamento Da Questão Social No Brasil. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 12/9/2014 • 8.327 Palavras (34 Páginas) • 2.808 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os
limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento
da Questão Social no Brasil
Aluna Elisabete Baptista Damasio
Orientadora Profª Drª Cleusa Santos
Rio de Janeiro
JUNHO/2009
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ELISABETE BAPTISTA DAMASIO
Aluna do Curso de Serviço Social
matrícula 104133246
Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os
limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento
da Questão Social no Brasil
Trabalho de Conclusão de Curso de
Graduação do Curso de Serviço Social
Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Orientadora Profª Drª Cleusa Santos
Rio de Janeiro
2009
2
Por isso, o Direito igual continua a ser, aqui, –
por princípio –, o Direito Burguês, ainda que
princípio e prática já não se agridam mais,
agarrando-se pelos cabelos ... Apesar desse
progresso, esse Direito igual continua a estar
aprisionado em uma limitaçao burguesa. ... Tratase,
portanto, segundo seu conteúdo, de um
Direito da desigualdade, tal como todo Direito."
Marx e Engels.
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AGRADECIMENTOS
A minha mãe, que sempre foi um espelho pela sua força, coragem e incentivo
mesmo quando todos e tudo estavam na contra mão da minha vida.
Ao meu pai, mesmo não estando presente, continua a incentivar meu percurso na
Terra.
Agradeço à minha orientadora Cleusa Santos, que dispôs do seu tempo e até do
espaço da sua casa, para atender minhas dúvidas e principalmente por aguçar cada
vez mais o meu interesse em procurar melhorar o meu desempenho.
Agradeço às minhas amigas que estiveram próximas durante essa trajetória da
graduação e compartilharam comigo de discussões, debates que contribuiriam com
sugestões, e críticas que serviram de apoio para as minhas angústias e dúvidas.
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SUMÁRIO
Resumo ..................................................................................................................6
Introdução .............................................................................................................7
PRIMEIRO CAPÍTULO
1 o Contexto Sócio-Histórico da Assistência Social no Brasil: um resgate necessário
1.1 A assistência na história.................................................................................12
1.2 A trajetória da assistência no Brasil................................................................25
1.3 A assistência no governo Militar.....................................................................30.
SEGUNDO CAPÍTULO
2 Cidadania e o Projeto Neoliberal : o retrocesso dos direitos
sociais. .
2.1 O processo de redemocratização no país.....................................................42
2.2 Da Constituição Federal de 1988 ao projeto neoliberal no Brasil...................54
TERCEIRO CAPÍTULO
3 O Avanço da Assistência Social em um processo de contradição
3.1Uma breve síntese da Política de Assistência Social e o Sistema Único de
Assistência Social..................................................................................................75
3.2 A expressão de uma contradição no campo da assistência social..................83
3.3 A responsabilização da sociedade civil no enfrentamento da “questão
social”.....................................................................................................................87
Considerações finais..............................................................................................109
Referências bibliográficas......................................................................................119
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RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de curso pretende contribuir para o
debate em torno da Assistência Social no âmbito dos avanços e retrocessos, na
política nacional de assistência social e a importância dessas reflexões para o
Serviço Social, que objetiva desvelar a presença e o enfrentamento da questão
social por parte do Estado, visando reconhecer as particularidades das múltiplas
expressões da mesma na história da sociedade brasileira.
No primeiro capítulo, buscamos um breve e sucinto resgate histórico da
assistência com o objetivo de mais adiante fazermos uma comparação sobre a
filantropia do passado com a filantropia dentro da política nacional de assistência
social. No segundo capitulo, buscamos mostrar a luta e a conquista dos direitos
sociais e o seu reconhecimento como política pública de fato garantida pelo Estado,
como um avanço, e em seguida a entrada do projeto neoliberal no Brasil, que
redefine o papel do Estado e que direciona essas políticas sociais para um
retrocesso. No terceiro e último capítulo relacionamos as expressões da questão
social da contemporaneidade e a questão da refilantropização dentro da política
nacional de assistência social, através das novas bases para a relação entre o
Estado e a sociedade civil, destacando-se o terceiro setor, o voluntariado e a
responsabilidade social como forma de intervir na “questão social”, o que nos reporta
a um verdadeiro retrocesso.
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Introdução
O presente Trabalho de Conclusão de Curso resulta em um estudo com base
em fontes bibliográficas, reportagens de jornais e informações do Ministério de
Desenvolvimento Social sobre a Assistência Social no Brasil, com o objetivo de
realizar uma reflexão sobre os direitos conquistados historicamente e a dificuldade
de tornar essa conquista como política pública de fato, mesmo após a sua inclusão
na Constituição Federal de 1988, onde a Assistência Social adquiriu o status de
direito.
Realizamos uma reflexão das novas formas de intervenções dadas às
expressões da “questão social” e é dentro da Política Nacional de Assistência Social,
através do Sistema Único de Assistência Social, em um dos seus eixos
estruturantes, que se configura, nas novas bases para a relação entre o Estado e a
Sociedade Civil.
O discurso de responsabilização da sociedade está relacionado com a
compreensão de que a sociedade civil é a única capaz de resolver problemas da
questão social e o Estado é classificado como incapaz. A partir dessa perspectiva
gera-se uma dicotomia entre Estado e sociedade civil, estimulada pelo projeto
neoliberal. Esse novo direcionamento se dá na medida em que o Estado se retira do
papel de formulador e implementador de políticas públicas de caráter universal. É a
partir desse processo que se pretende problematizar os avanços e retrocessos da
assistência social.
No primeiro capítulo realiza-se um breve resgate da trajetória da assistência
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construída historicamente em alguns países e suas diversas formas de ações e
práticas de ajuda aos pobres, sendo que alguns modelos de intervenção no
atendimento assistencial se desenvolveram no Brasil, principalmente a partir de
1930, que a “questão social” passa a ser reconhecida, porém os direitos são
vinculados à relação capital e trabalho e a assistência se destina aos segmentos
mais pobres da população.
Desta forma, com a entrada do capitalismo monopolista no Brasil, o Estado se
redefine para atender o desenvolvimento do processo de acumulação que veio
consolidar esse segmento de expansão.
Dentro do regime ditatorial, as políticas sociais faziam parte de um processo
para a acumulação de riqueza, na verdade funcionavam como uma política de
controle social. É importante destacar que a política social no Brasil promoveu
avanços em períodos de governo autoritário, entretanto não favoreceu a instituição
da cidadania de fato.
Ora, devemos lembrar que as políticas sociais eram elaboradas como
“políticas compensatórias”, que acabavam agravando as desigualdades. Como
sempre, essas políticas não abarcavam toda a população. A distribuição desses
serviços atendia os que contribuíam, produzindo uma estratificação da cidadania.
Por conseguinte, a crise mundial ocorrida no final da década de 1970
começava a se expandir de forma avassaladora, com o esgotamento do modelo
fordista-keynesiano, em face das transformações societárias decorrentes da
mundialização do capital. As novas exigências impostas pelo sistema capitalista
impuseram grandes desafios, que acarretaram os efeitos socialmente negativos à
capacidade de intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário
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neoliberal.
Ao término da ditadura militar, a oposição ao regime teve grande repercussão,
destacando-se como um fator importante para início do processo de abertura
política. A sociedade civil organizada pressionava de forma intensa, exigia os direito
civis e políticos.
O segundo capítulo traz a fase de redemocratização do país, com
reconhecimento dos partidos organizados e vinculados aos trabalhadores, dos
sindicatos e dos movimentos sociais, como interlocutores da cena política que se
consolidava nesta época. Vale lembrar que a sociedade brasileira vivenciou o
momento de uma revolução democrática, segundo alguns autores que serão
destacados ao longo desse trabalho. Esse fato histórico veio a estabelecer a
Constituição Federal de 1988 colocando a assistência no patamar de política pública
junto com a saúde e a previdência social no quadro da seguridade social tendo o
Estado como garantidor desse direito.
Entretanto, verificamos que logo após a promulgação da Constituição Federal
de 1988, o Estado tem um novo direcionamento acarretando transformações em
relação às políticas sociais sob orientações advindas do Consenso de Washington.
O terceiro capitulo objetiva demarcar os avanços e retrocessos dentro da
Política Nacional de Assistência Social, que estabelece as novas bases para a
relação entre Estado e sociedade civil como eixo estruturante do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS. A reflexão sobre esse assunto centra nas novas bases
que formam essas relações na sociedade, destacando-se o terceiro setor, o
voluntariado e a responsabilidade social e o que significa essa nova forma de
intervenção dada a “questão social”, em face a tal realidade.
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CAPÍTULO I
O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO
BRASIL: UM RESGATE NECESSÁRIO
1.1 A ASSISTÊNCIA NA HISTÓRIA
Para entendermos a forma com que a assistência se apresenta hoje em
nosso país é necessário, antes de tudo, conhecermos o significado desse conceito.
Para compreensão dessa análise, buscar-se realizar uma sucinta constituição
histórica da assistência desde a sua gênese, sobretudo devido às particularidades
históricas que sempre reforçam perspectivas assistencialistas com relação à política
social, conforme veremos adiante.
Sendo assim, uma observação mais atenta sobre esse processo mostra que a
assistência ao outro é uma prática antiga na humanidade. E ao longo da história, os
grupos religiosos foram designados às práticas de ajuda e apoio aos pobres.
Conforme mostra Yazbeck (2007) a assistência “não se limita nem à civilização
judaico-cristã nem às sociedades capitalistas. A solidariedade social diante dos
pobres, dos doentes e dos incapazes se coloca sob diversas formas nas normas
morais de diferentes sociedades”. Assim, muitos exemplos históricos de
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solidariedade e compromisso desses valores foram inseridos nas sociedades do
mundo.
Esse processo de ajuda os pobres e desvalidos tornou-se algo natural e são
práticas eternizadas até hoje, apesar do grande desenvolvimento nas esferas da
vida social, particularmente na produtiva. Desta forma, o modo que era dado a esse
tratamento, ou seja,
“essa ajuda sempre seguiu o pensamento construído historicamente de que
em toda sociedade haverá sempre os mais pobres, os doentes, os frágeis,
os incapazes, os que nunca conseguirão reverter essa condição de
miserabilidade, precisando sempre de ajuda e da misericórdia dos outros”.
(Yazbeck, 2007:40)
Nesta perspectiva, o homem é visto como um ser naturalmente dependente,
pela suas necessidades e carências cabendo a ele superar seus desafios impostos
por uma sociedade liberal. Contudo, observa-se que a benemerência, como um ato
de solidariedade, foi se constituindo em prática de dominação. Um exemplo disto foi
a construção dos asilamentos na França. É importante atentar que a assistência não
era compreendida com um direito e sua prática sempre esteve ligada à caridade, à
benesse e à benevolência, conforme se assiste nos dias de hoje, apesar dos
avanços legais conquistados através de processo de lutas emergidas ao longo da
história.
No século XIV, no Antigo Regime, existiam ações para atender aos
“desafortunados” que eram constitutivas de esmolas. Havia, também, controle da
mendicância e repreensão da vagabundagem. Portanto, “a assistência dirigiu-se
apenas aos pobres que comprovadamente, demonstrassem sua incapacidade para
o trabalho” (Boschetti, 2003:52). E com esse pensamento as ações interventivas
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eram utilizadas pelas classes dominantes sempre utilizando novas estratégias de
domínio e principalmente a permanência da ordem social.
Os podres, mendigos, e os considerados inválidos sempre puderam contar
com medidas assistenciais, sobretudo quando preenchiam o critério da proximidade
de domicílio. A esta população somente eram destinadas ações assistenciais.
Naquela época, a assistência ficava reduzida a um conjunto de ajudas sociais sob a
responsabilidade, principalmente, da Igreja. Cada paróquia era obrigada a se
responsabilizar pelos pobres de seu território e quem era atendido em um
determinado local ficava impedido de se deslocar, devido às poor laws que proibiam
a mendicância. Tais medidas,
“(...) adotadas inicialmente em âmbito local, foram retomadas pelas
legislações nacionais em quase todos os países que hoje constituem a
Europa, sendo as mais conhecidas as poor laws inglesas que irão resultar
na lei Elizabetana de 1601. As poor laws eram voltadas para proteção
social, destinada àqueles incapazes de produzir devido à sua pouca idade
ou doença, e àqueles que se reconheciam como fracassados, incapazes de
obter o suficiente para seu sustento e de sua família. Os indigentes eram
obrigados a abrir mão dos seus direitos políticos, obtendo em troca uma
ajuda social. Assim, essa lei não reconhecia os direitos de cidadania”.
(BOSCHETTI, 2003:50)
Outro exemplo, que se pode destacar como tratamento utilizado para
solucionar o problema da população, que se encontrava vulnerável socialmente, foi
o das Workhouses, implantadas em escala na Europa no século XVII, vistas como
medidas mais elaboradas para a contenção da população e manutenção do
pertencimento local e da ordem social. Nesse sentido, o trato era diferenciado de
acordo com aptidão ou inaptidão para o trabalho.
Sobre isto, do ponto de vista institucional, o regulamento das workhouses
combinava enclausuramento com trabalho forçado e orações para “corrigir” os
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mendigos. Assinala que “o critério da inaptidão para o trabalho é um forte eixo de
composição da assistência social, e talvez, o que mais definiu sua esfera de
compreensão” (Boschetti, 2003:52). Neste contexto, não basta ser pobre ou
indigente para cumprir o requisito de ser atendido pela domiciliação, assistência
destinava-se apenas aos pobres que, comprovadamente, demonstravam sua
incapacidade para o trabalho, e este critério se prolongou por séculos.
Nestes termos, sabe-se que no século XVI, na Europa, houve uma série de
leis que eram destinadas a reprimir a pobreza condenando a pessoa que mendigava
a trabalhos forçados. Destinavam-se à proteção assistencial os inaptos para o
trabalho, porém, não se questionava a falta de trabalho para todos.
Historicamente, assistia-se a uma forte influência da relação de
incompatibilidade entre o trabalho e assistência, e somente, a partir do século XX, é
que os pobres sem trabalho, mais capazes de trabalhar, passam a ter direito à
assistência social, em forma de programas de transferência de renda, em alguns
países da Europa.
No Brasil, a assistência incorporou toda sua constituição no critério de
inaptidão ao trabalho. E sobre esse assunto, nos remete todo o nosso
desenvolvimento social e econômico, como será demonstrado adiante, no decorrer
desse trabalho. Porém, na análise de Boschetti define-se que “Não se constituindo
exatamente uma novidade em afirmar que a assistência social, historicamente, se
configurou como campo de intervenção política e social “nebuloso” (2003:41). Assim
sendo, esse difícil entendimento não foi uma característica somente no Brasil, de
tratar a assistência de forma subalternizada. Esse procedimento foi implementado
por toda Europa, a presença dessas relações nebulosas entre o poder público e as
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instituições privadas assistenciais como filantropia assistencialista. As tentativas de
entendimento deste fenômeno apontam para várias direções e uma das mais
correntes é a afirmação de que
“a assistência social é uma ação pública e privada que, tradicionalmente, não
se constitui como componente das políticas de desenvolvimento econômico e
social, não avançando, em conseqüência, para além das clássicas medidas
reparadoras e/ou amenizadoras das situações de pobreza (Alayon,1989 apud
Boschetti. 2003: 41)
O Estado ao longo da história se apropriou não só da prática assistencial
como expressão de benemerência, como também incentiva e direciona os esforços
de solidariedade social na sociedade. Essas relações antigas até hoje se fazem
presentes na forma de intervenção, onde o direito é substituído pelas práticas de
caridade e filantropia, a miséria será sempre vista como fato natural1 e não
compreendida como resultado do acesso desigual à riqueza socialmente produzida.
Os critérios de inaptidão para o trabalho continuam a prevalecer na assistência
social, mesmo após a sua inclusão como direito social. Nesta perspectiva, a
assistência social deve se tornar no seu campo de ação reconhecida como política
de assistência social legalmente e se tornar um dever do Estado.
1 Netto, referindo-se a esse processo no âmbito das “reformas sociais possíveis [que] estão hipotecadas a uma
reforma moral do homem e da sociedade” assinala que, “de fato, no âmbito do pensamento conservador, a
“questão social”, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação
moralizadora. E, em ambos os casos, o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um
programa de reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção. Mais
precisamente: O cuidado com as manifestações da “questão social” é expressamente desvinculado de
qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida: trata-se de combater as
manifestações da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. (NETTO, 2005:155)
14
1.2 A trajetória da Assistência Social no Brasil
Desde o século XVII, a filantropia e assistência social associavam-se
intimamente à prática de caridade no Brasil. Dependiam de iniciativas voluntárias e
isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos. Estas iniciativas partiram das
instituições religiosas que, sob o ponto de vista da moral cristã, direcionavam seus
cuidados, oferecendo abrigos, roupas e alimentos, em especial às crianças
abandonadas, e aos velhos e doentes em geral. Os modelos de atendimento
assistencial decorrentes da idéia de pobreza como disfunção pessoal,
encaminhavam-se, em geral, para o asilamento ou internação dos indivíduos
portadores dessa condição. Um exemplo deste fato são os hospitais das Santas
Casas de Misericórdia2, no acolhimento do pobre e do miserável.
No caso do Brasil é possível afirmar que com
“(...) exceções, que até 1930 em nosso país não se compreendia a pobreza
enquanto expressão da questão social. Quando esta se colocava como
questão para o Estado, era de imediato enquadrada como caso de polícia e
tratada no interior de seus aparelhos repressivos” (Yazbeck, 2007:41).
Os problemas sociais eram mascarados sob a forma de fatos isolados, a
pobreza era tratada como disfunção pessoal dos indivíduos. Essa forma de
intervenção que se dava a esse fenômeno, a “questão social3”, era remetida aos
cuidados de uma rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em
2 Fundada em 24 de março de 1582, pelo sacerdote espanhol José de Anchieta, a Santa Casa de Misericórdia tem como
missão acolher e cuidar dos mais carentes.
3 “Por questão social, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas sociais e econômicos
que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a questão social está
fundamentalmente vinculada ao conflito capital e trabalho. “ (Cerqueira Filho, 1982:21 apud Netto,2005:17)
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especial àqueles organismos atrelados às igrejas de diferentes credos. O Estado se
inseria nesta rede enquanto agente de apoio, um tanto obscuro ou para fiscalizar,
não assumindo, portanto, sua posição de fato. Este procedimento
“(...) para encaminhamento era bastante coerente com idéia existente de
que os pobres eram considerados grupos especiais, párias da sociedade,
frágeis ou doentes. A assistência se misturava com as necessidades que a
população tinha referentes aos cuidados com a saúde, o que levava a
constituir organismos prestadores de serviço assistenciais, que mostravam
as duas faces; a assistência à saúde e assistência social. O resgate da
história dos órgãos estatais de promoção, bem estar, assistência social,
traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada”. Assim, percebemos que
essas redes de solidariedade social na sociedade assumiram e mantinham
a compreensão da assistência como um gesto de benevolência e caridade
para com o próximo” (Yazbeck, 2007:42).
Neste mesmo período, na maior parte da Europa Ocidental, apesar dos
direitos sociais terem sido conquistados apenas no século XX, de acordo com a
ordem cronológica dos direitos de cidadania estabelecida por Marshal4, algumas leis
que se voltavam para a proteção social surgiram de longa data. Coutinho (1997)
mostra que "os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação
mínima da riqueza material e espiritual criada pela coletividade” e que eles são
definidos historicamente como resultado de lutas sociais e assimilados como direito
positivo no século XX”.
No mundo moderno os direitos sociais foram negados, sob alegação de que
estimulariam a preguiça, violariam as leis do mercado e impediriam os homens de se
libertarem do poder estatal autoritário e paternalista. Ao longo da história, os
trabalhadores adquiriram uma tomada de consciência de classe, os operários da
indústria viviam em condições de extrema miserabilidade, que os levaram a
4 É bastante conhecida a visão de Marshal sobre a ordem cronológica dos direitos. São eles: direitos civis no século XVIII,
dos direitos políticos no século XIX e direitos sociais no século XX (In: COUTINHO 1997:145-165).
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reivindicar um sistema de proteção social como as políticas de pleno emprego,
serviços sociais universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de um
padrão social mínimo de sobrevivência. Esse sistema de proteção social passou a
constituir, entre as décadas de 1940 e 1970, a base do Estado de bem-estar social.
No Brasil, todo direito concedido pelo Estado sempre foi vinculado na relação
capital e trabalho. Ela se faz, portanto, nas seqüelas da exploração da força de
trabalho, e se expressa nas precárias condições de vida da população
subalternizada. Ou seja, há um desenvolvimento desigual na sociedade que
evidenciou as expressões da “questão social”. Sobre isso, é importante destacar que
aqui, a “questão social” muitas vezes é compreendida como um desvio social sendo
tratada como um fato isolado, demandando iniciativas pontuais do Estado. Desse
modo, podemos afirmar que a questão social no Brasil, desde de sua origem é
marcada pelo vínculo do indivíduo ao mercado de trabalho, logo, não se constituindo
como traço essencial à cidadania na esfera da universalidade.
É importante lembrar que, no Brasil, a desigualdade social ocorreu com a
passagem das relações de escravidão para relações sociais burguesas capitalistas.
Observa-se que na virada do século XIX, a condição de vida da população operária
nos centros urbanos era de pauperização5, processo que era impulsionado pela
industrialização. As mudanças ocorridas no país durante as décadas de 1920 e
1930, com o surgimento da indústria, se refletiram na urbanização e na divisão
social do trabalho.
5 Deste modo, a lei geral absoluta da acumulação pode ser descrita nas seguintes palavras, para melhor
compreensão : “Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento , o volume e a energia de seu
crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto
maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a
força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as
potências da riqueza (... E) quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e exército
industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial” (Marx, 1984, I,2:209 apud Netto e Braz,2007138)
17
Conforme análise de Santos,
“A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringemse
aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como
reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja
ocupação a lei desconhece. (1987:68)
Na virada do século XIX, a condição de vida da população operária nos
centros urbanos era de pauperização, processo que era impulsionado pela
industrialização. Para o sistema capitalista, torna-se necessária a formação de
mão-de-obra assalariada, ou seja, o trabalhador para sobreviver deve vender a sua
única mercadoria, que é a força de trabalho.
Não menos importante é o fato de que, com a entrada da industrialização no
Brasil, a burguesia intervém junto ao Estado criando leis que atendem aos
interesses dos trabalhadores e que organizem as relações de trabalho capitalistas
Exemplos disso, são as caixas de aposentarias e pensões. Conforme Mostra
Yasbeck,
“E em 1923, a Lei Elói Chaves (Lei nº 4682, de 24-01-1923) criava a Caixa
de Aposentadoria e Pensões para os funcionários. Antes de 1930 duas
outras categorias já recebiam os benefícios do seguro social, os portuários e
os marítimos, pela (Lei nº 5.109 de 20-12-1926), os telegráficos e
radiográficos, pela Lei nº 5.485 de 30-06-1928.” ( 2007:42)
A recorrência à autora tem como objetivo demonstrar que foi através do
reconhecimento das lutas empreendidas pela classe trabalhadora no Brasil que
alguns direitos foram reconhecidos. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio -
criado em 1930, pelo então Presidente Getúlio Vargas passou a fiscalizar e também
a ordenar e controlar as ações junto à força de trabalho. Assim, gradualmente, o
Estado Brasileiro passa a reconhecer a “questão social” como uma questão política
ser revolvida sob sua direção. Os direitos eram garantidos àqueles que tinham
18
vinculação legal, ou seja, a carteira de trabalho assinada. Entretanto, esses direitos
eram vistos como uma doação do Estado protetor. Para os indivíduos que não se
inseriam no mercado formal de trabalho não havia proteção social, a eles eram
tratados com desprezo à sua condição de necessitados. E a partir de então, na
análise de Cohn
“se cristaliza no país a concepção de que a “questão social”, da ótica da
responsabilidade pública por um patamar mínimo de bem-estar dos cidadãos,
é algo que passa a ser estreitamente associado ao trabalho. Cidadão,
portanto, distingue-se agora dos pobres: questão social dos trabalhadores, ou
das classes assalariadas urbanas, passa a se constituir, a partir de 1930,
como uma questão de cidadania; enquanto a questão da pobreza, dos
desvalidos e miseráveis – exatamente por não estarem inseridos no mercado
de trabalho – continua sendo uma questão social de responsabilidade da
esfera privada, da filantropia. (Cohn, 2000:288)
Desta forma, vale aludir as condições de trabalho e habitação da época que
eram de bastante precariedade e começaram a proliferar os grandes centros
urbanos e as empresas industriais, o que veio a intensificar a relação entre capital e
trabalho, a exploração abusiva a que eram submetidos os trabalhadores, condições
mínimas de trabalho de segurança e higiene. Ou seja, os trabalhadores são também
moradores espoliados. A população operária era tratada de forma marginalizada
socialmente, nos bairros insalubres, dentro das cidades, que já expressavam o seu
desenvolvimento. Portanto, é dentro do Estado que se consolida a legislação
trabalhista, com a centralização política e completa com a submissão dos sindicatos.
Conforme nos mostra Silva,
“Até a década de 1930, as condições de reprodução da força de trabalho –
inclusive a moradia dos trabalhadores – dependiam predominantemente da
relação capital-trabalho, apesar de já se identificar uma certa intervenção do
poder público. A partir de 1930 essas relações passaram a depender do
Estado, por meio de uma estrutura político-institucional em grande parte
centralizada no Ministério do Trabalho. Nesse aspecto, a concepção
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trabalhista e estatal do regime respondeu também a uma demanda dos
setores econômicos empresarias, na medida em que a “indústria em
expansão exigia mercados nacionais fortificados e ainda (exigia) que o Estado
assumisse de forma mais efetiva as condições gerais de produção e
reprodução, liberando o capital dessas responsabilidades. (2005:35)
No que concerne aos trabalhadores que não estavam inseridos no mercado
formal de trabalho, a intervenção estatal se faz presente através da assistência
prestada pela Legião Brasileira de Assistência – LBA6 que assume a função de
mediar a relação entre o publico e o privado. Porém, o tratamento moral - expresso
em seu objetivos básicos7 - mostram que a lógica conservadora da assistência
expressava-se através de seus programas como um conjunto de práticas que
funcionavam como um mecanismo político através do qual o Estado pretendia dar
conta daqueles considerados excluídos.
Assim, as primeiras formas de intervenção estatal no trato da assistência
social são focadas no âmbito estritamente da moral. A assistência ainda não é
reconhecida como uma política social pública, por isso, observa-se nas intervenções
estatais articuladas às instituições privadas que utilizavam a LBA como
intermediadora destas articulações, que os programas sociais eram feitos de forma
assistencialista e tinham cunho extremamente seletivo.
Por outro lado, cabe salientar que, com a expansão do desenvolvimento da
industrialização, o atendimento de parte das manifestações da “questão social”
6 A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi criada em 1942 pelo Governo Vargas e foi extinta em 1995 pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso.
7 Objetivos básicos da LBA (art. 2 de seus Estatutos)
1. Executar seu programa, pela fórmula de trabalho em colaboração com o poder públicos e a iniciativa
privada;
2. Congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no empenho de se promover, por todas
as formas, serviços de assistência social;
3. Prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso ao governo;
4. Trabalhar em favor do progresso do serviço social no Brasil. (Iamamoto, 2003: 250)
20
passou a ser considerado necessário ao progresso do país, tornando-a reconhecida
pelo Estado.
Vale destacar outro elemento importante da realidade brasileira, sinalizado
anteriormente. Trata-se da institucionalização da carteira de trabalho, em 1932, que
garantiu alguns direitos trabalhistas. O individuo passou a ser reconhecido como
trabalhador quando foi registrado em carteira. Isto permitiu-lhe o acesso a alguns
direitos sociais.
Segundo Behing e Boschetti,
(“Esse período de introdução da política social brasileira teve seu desfecho
com a Constituição de 1937 – a qual ratificava a necessidade de
reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado – e finalmente
com a consolidação das leis trabalhistas, a CLT promulgada em 1943 que sela
o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos direitos do
Brasil, o que Santos (1987) caracterizou como cidadania regulada” (...)
(Behring e Boschetti 2007:108)
Portanto, a assistência era destinada àqueles que não conseguiam se inserir
no mercado de trabalho. Estes trabalhadores ficavam destinados aos cuidados de
ações filantrópicas como é o caso, por exemplo, da Fundação Leão XIII, criada em
1947 pela Arquidiocese do Rio de Janeiro em conjunto com a prefeitura da cidade
através de um convênio com a Fundação Cristo Redentor. Sobre isto, é importante
atentar que a sede do governo ficava na cidade, onde ocorreram as primeiras
formas de intervenção com objetivo de dar assistência material e moral a população
moradora dos morros e favelas. Nesta época, a prefeitura da cidade estava
intervindo nessas moradias devido ao incômodo que esses lugares causavam à
urbanização da cidade. Na colocação de Silva“ Do final do século XIX até as
21
primeiras décadas do século XX, o Estado foi movido pela prioridade à questão
higienista e pela ideologia do progresso, que pressupunha a “modernização” da
cidade. (2005:38)
As ações destes dois órgãos tinham como objetivo exercer influência nas
associações de moradores desses locais, que na época começavam a ser organizar,
o que despertava certo medo dos setores conservadores, que temiam sofrer
represálias por estarem interferindo nos seus espaços, e que viam estes lugares
como ambiente de criminalidade.
Nota-se que, apesar de todo contexto de expansão do desenvolvimento
econômico, o mesmo não ocorre no âmbito social. Isto significa que se mantinha
eternizada a forma de tratamento da população pobre sobre a qual permanecem os
mecanismos de pauperização.
Nesta época o aprofundamento das relações capitalistas do Brasil vem
acompanhado do processo social de urbanização que traz como conseqüência o
aumento da espoliação dos trabalhadores e, conseqüentemente, acarretou pressões
sobre o Estado e as indústrias8.
Após as primeiras formas de intervenção estatal para o tratamento das
expressões da “questão social” no âmbito dos direitos legais e da assistência,
iniciadas com o governo Vargas, o próximo governo9 inicia um processo de transição
para implementar uma política de abertura para o capital estrangeiro, a estabilização
monetária e controle repressivo dos sindicatos. Com isso, o planejamento no âmbito
estatal continuou a ser desenvolvido enquanto o trato na esfera social era feito
8 Na análise de Sader sobre “esse processo mostra que a pressão era orientada por meio dos sindicatos, que
conforme o processo de expansão da indústria intensificava sua organização”. (1990:65)
9 O vice João Café Filho assume o governo de transição, após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954.
22
quando as necessidades sociais eram consideradas essenciais para atender às
exigências do crescimento industrial e da acumulação capitalista.
Nesta época, no âmbito econômico foram criadas grandes instituições
públicas10 vindo a proporcionar um amplo desenvolvimento econômico para o país.
O investimento do Estado brasileiro foi de forma extensiva em diversos
setores, como: transporte, energia, comunicação e serviços de infra-estrutura
urbana, juntamente com o crescimento da urbanização, da industrialização e as
exportações de manufaturados, além das exportações de matérias-primas e outros
gêneros. Sobre esse assunto, Ianni argumenta que, “as dimensões da economia
brasileira cresceram catorze vezes, entre 1940 e 1980. Tanto é assim que a
“economia brasileira hoje é industrializada, moderna, diversificada” E a renda per
capita passa de 160 para 2.100 dólares.” (1992:90).
Contudo, o autor chama a atenção para o fato de que, apesar dessa
expansão econômica, o país permaneceu com índices altos de desigualdade,
caracterizando a sociedade brasileira pela dualidade social: de um lado moderna e
industrializada, de outro lado vivendo em condições miseráveis, particularizando as
vítimas pela fome, falta de habitação, saúde entre outros que se constituem a
própria “questão social”.
Ainda assim, segundo o autor, o desenvolvimento econômico do país
prossegue firmemente, o governo de Juscelino Kubitschek continuou a política de
expansão do grande capital, o processo de industrialização, para o controle de
emissões monetárias e diálogo com a população para conter a organização dos
trabalhadores. O presidente implementou um novo padrão de investimento do capital
10 A Petrobras em 1953, a Eletrobrás em 1961, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em 1952.
23
externo do pais, com objetivo que visa a reconstrução das economias devastadas
pela guerra e a procura por novos mercados de âmbito internacional. De acordo
com Filho,
“(...) a moldura da ideologia desenvolvimentista enquadrou de forma
categórica a problemática da “questão social”; o desenvolvimento foi “usado
como recurso para garantia da estabilidade do sistema, como forte catalisador
de mobilização e legitimação (principalmente quanto à classe operária)
tornando-se um modo efetivo de controlar as tensões sociais e políticas.”
(1982:169)
Os problemas ocorridos por esse novo modelo de desenvolvimento da
economia do país tornaram-se insuportáveis no começo dos anos 1960 levando à
redução dos investimentos, a diminuição da entrada de capital externo e
conseqüentemente a um aumento da inflação.
Neste ensejo, a década de 1960, Jânio Quadros é eleito para presidente e
João Goulart para vice. O país viveu momentos de tensão na política e estagnação
econômica. Contudo, é importante destacar que João Goulart, após a renúncia de
Jânio, não teve condições necessárias para colocar em prática sua reforma11, devido
às pressões dos setores conservadores da sociedade, que temiam a perda de seus
poderes. Seu governo foi interrompido pelo golpe de Estado que promulgou um ciclo
ditatorial na história do país.
1.3 – Assistência Social no governo militar
11 Para maior aprofundamento sobre essas reformas, consulte o livro: A transição no Brasil: Da ditadura à
democracia de Emir Sader,1990 (pag. 11-18).
24
O golpe militar de 1964 pôs em pratica uma política de modernização
conservadora, nas análises de alguns autores12 citados ao longo desse trabalho.
Segundo eles, o golpe “estava alicerçado na necessidade de vencer as barreiras
sociais e políticas que obstaculizavam o pleno desenvolvimento de um projeto
internacionalizador, em gestão desde meados da década de 50” (Antunes, 1988:115
apud Mota, 2008:137).
As análises de Mota apontam para fato de que o país coloca em prática uma
política de modernização conservadora que permanece com o intuito de preservar e
fortalecer os laços de dependência econômica dos grandes centros hegemônicos,
“ao mesmo tempo em que necessitava quebrar a resistência organizada da
sociedade e construir as bases de um consenso passivo, legitimador daquela
ordem” Mota (2008:137).
Conseqüentemente essa dinâmica alcançou o Estado brasileiro, que
implementou essas exigências impostas pelo processo de acumulação para atender
ao grande capital, promovendo algumas mudanças na esfera da política social com
o objetivo de adaptar o país ao seu projeto político.
Desta forma, para realização desse projeto, o Estado pôs em prática uma
política de “modernização conservadora”, o Estado deixou de ser populista e se
tornou tecnocrático e centralizado, a ditadura não permitia espaços de lutas por
direitos sociais gerando um processo de esgotamento das mobilizações políticas das
associações de moradores e criando medidas arbitrárias tais como: cassação de
mandatos e dos direitos civis e políticos. Esse período destaca-se pelo planejamento
12 Sader, 1990; Fernandes, 1986; Mota, 2008; Netto,2005; Ianni,2000.
25
direto feito sob a forma de 'racionalização burocrática' de caráter econômico
concentrador e excludente e com ampla valorização do capital estrangeiro.
A ditadura militar tinha como meta o desenvolvimento brasileiro no campo
econômico, que buscava proporcionar condições de crescimento da economia de
mercado. O país experimentou o chamado “milagre econômico”, adquiriu
empréstimos que o 'beneficiou' à abertura de investimentos estrangeiros
conseguindo expandir sua economia. Conseqüentemente, ampliou-se o número de
empregos para a massa urbana. O governo ditatorial se preocupou em manter alta a
taxa de acumulação econômica e tinha como lema o tão conhecido discurso:
“primeiro fazer o bolo crescer, para então dividi-lo”. Com essa perspectiva, foram
desenvolvidas políticas preventivas. As análises de Mota (2008) recuperam o fato de
que, no Estado Militar tecnocrático promove-se
“(...) algumas mudanças no âmbito das políticas sociais procurando
funcionalizar essas demandas de acordo com o seu projeto político, por
meio da expansão seletiva de alguns serviços sociais” Essa ampliação da
cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de
seguridade social, respondeu preponderantemente pela estratégia de
modernização autoritária adotada pelos governos militares” (Mota,2008:137)
Tais medidas levam às ampliações de cobertura dos programas sociais13.
Esses procedimentos de cobertura dos programas sociais instituídos na ditadura
militar funcionavam como estratégias de legitimação da modernização autoritária
adotada pelo governo.
Neste panorama, as ações de âmbito social se articulavam ao
desenvolvimento da industrialização, sendo que nesse período foi criado o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o Programa de Integração Social (PIS) e o
13 -Programas sociais: Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), ministrado pelo Banco Nacional de Habilitação, com
fundos do FGTS, o Programa Nacional de Alimentação (PRONAM), para alimentação completa de gestantes e crianças.
26
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) destinado para alfabetização dos
adultos.
Para atender às exigências do grande capital, a educação tinha como objetivo
primordial o ensino técnico para fomentar mão-de-obra barata e qualificada. Assim,
todo esse conjunto de ações tinha como meta preparar trabalhadores para a
industrialização de modo que o país criasse possibilidades para o seu
desenvolvimento.
Em tal contexto é realizado um redimensionamento do seu aparato estatal e o
mantém sob seu domínio de forma centralizadora. O governo criou programas
direcionados para trabalhadores e não-trabalhadores, ampliando de forma gradual a
seguridade social. Assim, os programas de privatização relacionados à previdência e
a saúde, enquanto direitos sociais, ainda eram tratados como ajuda específica para
os mais pobres.
As políticas sociais14 promovidas pela ditadura militar faziam parte de um
processo para a acumulação de riqueza, ou seja, as políticas sociais durante o
sistema político do governo eram na verdade políticas de controle social, como
forma de compensação pelo agravamento da “questão social”, decorrente de uma
política de estagnação salarial que conseqüentemente promovia a miséria de forma
geral da população que era reprimida. É interessante observar que a política social
no Brasil promoveu avanços em períodos de governo autoritário e de perspectiva
conservadora não favorecendo a institucionalização da cidadania.
14 Houve a unificação dos Institutos de aposentadoria e pensão no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) fruto do
governo do General Castelo Branco. Em 1968 no governo do General Costa e Silva foi criado o Fundo rural com
convênio com as Santas Casas de Misericórdia ampliando a previdência para os trabalhadores rurais. Em 1971,
fundamentado-se o Programa Fundo Rural, o governo do General Médici cria o PRORURAL, que é um programa de
proteção aos trabalhadores da ditadura militar.
27
As políticas do regime militar de certa forma mantinham um 'equilíbrio' pelo
acirramento da questão social, que era decorrente dessa estagnação dos salários,
da miséria vivida pela população e da contenção que o governo realizava de forma
autoritária, demonstrando dessa forma a base de 'racionalidade15' do governo em
questão.
Percebe-se, que a ditadura militar exercia o controle da classe trabalhadora
por meio de força, devido ao processo das perdas salariais. A queda extrema do
poder de compra dos trabalhadores demandava também os problemas sociais da
população.
Isto era notório na forma com que as políticas sociais eram elaboradas, ou
seja, como “políticas compensatórias”. Esse modelo compensatório, baseava-se em
uma norma de contrato de participação e financiamento, que acabava agravando as
desigualdades. Como sempre, essas políticas não abarcavam toda a população,
acesso era limitado. A distribuição desses serviços abrangia apenas os que
contribuíam produzindo uma estratificação da cidadania. Desta forma, as políticas
governamentais
“nas áreas que aqui se denominam de preventivas não foram de molde a
alterar significativamente o perfil das desigualdades sociais básicas, geradas
pelo processo acumulativo. O controle salarial, reprimindo a capacidade
aquisitiva de ponderável parcela da população, associado à ação insuficiente
nas áreas da educação, saúde e saneamento, permitiriam prever o
agravamento das condições gerais da população com evidente repercussão
nas demandas por “compensações”, caso a organização social estivesse
liberada antes que contida. As políticas compensatórias consistem,
precisamente, no conjunto de medidas que objetivam amenizar os
desequilíbrios sociais, em suas conseqüências, sem qualquer possibilidade
de interferir em sua geração. (Santos, 1987:79-80)
15 “A tutela militar foi a alternativa mais eficiente para o controle do poder emergente em abril, dadas a natureza do pacto
contra revolucionário e as tarefas a ditadura. Martins(1997:215) . Não podendo compor-se legitimamente com a nação,
formando uma coalizão hegemônica entre os seus sub-setores, a classe burguesa teve que impor-se coercitivamente à
nação “(...) Netto,2002:37)
28
Diante desse quadro, dos problemas sociais que se acumularam no campo16
e tiveram uma forte relevância, fez-se necessário o reconhecimento dessa questão,
e a partir de 1971 o FUNRURAL é criado. Trata-se de um programa distributivo, que
transfere a renda urbana para o meio rural. Vale destacar que esse programa rompe
com a cidadania regulada 17. Segundo Santos:
“(...) é no FUNRURAL que o conceito de proteção social, por motivos de
cidadania, sendo esta definida em decorrência da contribuição de cada
cidadão, à sociedade como um todo, via trabalho, é mais integrado e
complexo” (1987:85).
É um programa financiado através dos impostos sobre a comercialização dos
de produtos rurais, e, em parte, por tributação incidente sobre empresas urbanas e
absorveu os trabalhadores rurais no sistema previdenciário.
Na verdade, os serviços e recursos de políticas sociais nesta época
centralizavam-se no âmbito do Governo Federal, e isto acarretava um certo vazio
das ações dos governos regionais e locais na execução das políticas públicas.
Sendo assim, a “questão social” era incorporada ao regime militar como ação
estratégica para manter a estabilidade de políticas sociais no país.
No final da década de 1970, os modelos de desenvolvimento realizado pelo
16 (..) Problemas de saúde, de segurança de garantia de fluxo de renda após o esforço acumulativo –
condicionaram os movimentos camponeses da segunda metade da década de 50. (..) (Santos, 1987:84)
17 O conceito de cidadania regulada, formulado por Wanderley Guilherme dos Santos (1987:68) e amplamente incorporado
na literatura, refere-se a um sistema de estratificação ocupacional a partir do qual “são cidadãos todos aqueles membros
da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei: Dessa
forma, “a cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no
processo produtivo, tal como reconhecido por lei”. Assim, são pré ou não-cidadãos os trabalhadores que desempenham
atividades no mercado informal, incluídos aí subempregados, desempregados, empregados intermitentes e precários e
mesmo aqueles que, embora trabalhadores regulares, assumem ocupações não-regulamentadas. Segundo ao autor, os três
parâmetros definidores de cidadania regulada são: a regulamentação das profissões, a carteira de profissional e o
sindicato público, sendo a carteira profissional “mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento
cívico” (Santos, 1987:69)
29
pela ditadura militar mostravam sinais de esgotamento. Assistia-se ao fim do
“milagre econômico”, agravavam-se as condições gerais da vida da população, o
que levou ao surgimento de movimentos sociais de reivindicação.
É válido destacar que tais movimentos sociais surgiram no final da década de
1980 como forma de enfrentamento das contradições sociais que tinham no seu
cerne a “questão social” juntamente com o sentimento de insatisfação geral da
população e com a luta pela redemocratização do país.
Sendo assim, os movimentos sociais passaram a ter desempenho no
processo de organização popular com forte relevância e esse processo aconteceu à
medida que a população superava as saídas individuais e recorria a alternativas
coletivas. Ou seja, a mobilização de diversos setores18 da sociedade civil ganhavam
expressões19, configurando-se um contexto de intensos debates.
Nesta mesma década, uma crise mundial começava a se expandir de forma
intensa, com o esgotamento do modelo fordista-keynesiano, em face das
transformações societárias decorrentes da mundialização do capital. As novas
exigências nos processos sócio-políticos impuseram grandes desafios, o que é
fundamental àqueles que se referem à formulação e implementação de políticas
sociais eficazes e competentes que tenham como objetivo atender às demandas da
classe trabalhadora e restringir os efeitos socialmente negativos à capacidade de
intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário neoliberal.
18 Com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), a Sociedade
Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), alguns setores da Igreja Católica, entre outros.
19 Segundo Bobbio (1997, p.789) “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua
organização e a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe dos acordos políticos”.
30
Ao fim do regime autoritário20 a pressão de oposição ao regime foi um fator
importante para início do processo de abertura política. A sociedade civil
pressionava de forma intensa e decisiva, o que veio a culminar na anistia no final da
década de 1970 e na restituição dos direitos civis e políticos.
Em tal contexto de redemocratização21, que é marcado pelo aumento do
déficit público, o forte nível de desemprego, que de forma conseqüente leva ao
aumento da pobreza, a redução dos gastos sociais e pressão da sociedade civil pela
democracia e extensão da cidadania, é que o país mergulha em uma onda de
mobilização dos movimentos democráticos progressistas organizados, que buscam
a inserção dos direitos sociais, como uma política pública consolidada para a
sociedade brasileira.
As reflexões desenvolvidas até aqui permitiram recuperar de forma breve e
sucinta algumas formas de intervenções do Estado na realidade social através da
assistência. Com isto, observa-se o tratamento dispensado aos pobres, que apesar
da expansão do sistema capitalista, não ampliou as condições dignas de
sobrevivência para esta população levando-nos a concordar com Mota (2008:24)
quando afirma que “a necessária tendência do modo de produção capitalista de criar
uma superpopulação de trabalhadores e, ao mesmo tempo, impedi-los de ter acesso
ao trabalho e à riqueza socialmente produzida”. Tal compreensão mostra que isto
não se refere apenas à situação de pobreza, mas à condição de classe trabalhadora
que travou embates e desafios para conquistar direitos.
Entretanto, mesmo diante desse reconhecimento, os direitos eram vistos
20 O General Ernesto Geisel iniciou o processo de abertura política
21 Sob o governo do General João Batista de Figueiredo, período de 1980-1985.
31
como vantagens, de um segmento de trabalhadores enquanto a assistência, neste
momento, selecionava as pessoas que dela necessitavam, ou seja, ela era
destinada à criança, ao idoso, ao deficiente, e os demais que não se enquadravam
nestas características e estavam fora do mercado de trabalho, sendo, portanto,
vistos como vagabundos pela sociedade.
Em vista disso, a questão social no Brasil sempre se apresentou em
diferentes aspectos econômicos, políticos e culturais nas suas diversas formas de
reivindicação envolvendo operários, negros, índios, aposentados, desempregados,
subempregados entre outros.
A complexidade desses problemas sociais é de tal ordem que sugere
enfoques diferentes e contraditórios, a despeito das múltiplas interpretações e
denominações da manifestação da questão social para tentar explicá-la. Sendo
assim, é importante lembrar que a economia e a sociedade, a produção e as
condições de produção, o capital e o trabalho, a mercadoria e o lucro, o pauperismo
e a propriedade privada capitalista reproduzem-se reciprocamente. O pauperismo
não se produz do nada, mas da pauperização. “O desemprego e o subemprego são
manifestações dos fluxos e refluxos dos ciclos dos negócios. A miséria a pobreza e
a ignorância , em geral, são ingredientes desses processos”. (Ianni, 2000:99)
As análises clássicas sobre o desenvolvimento brasileiro apontam para as
características de um desenvolvimento desigual22, para as relações de favor,
clientelistas, e assistencialistas de uma sociedade que tem como base o trabalho
como pré-condição para acesso aos direitos. O padrão histórico de exploração da
22 Sobre essa concepção de desenvolvimento desigual e combinado, Ianni referindo-se ao Brasil moderno
mostrou que “uma formação social na qual sobressaem ritmos irregulares e espasmódicos ,desencontrados e
contraditórios” (...) um presente que se acha impregnado de vários passados” (Ianni, 1992:63 apud Behring
2003: 87).
32
forma de trabalho adotado pelas elites industriais e agro-exportadoras brasileira
levou a um crescente processo de espoliação e exclusão dos segmentos populares
e trabalhadores.
Contudo, na década de 1980, os debates tomaram conta da sociedade
brasileira no contexto de transição democrática onde a mobilização de diversos
setores da sociedade levou à conquista do reconhecimento da assistência social
como direito do cidadão, um dever do Estado na Constituição Federal de 1988, que
apontou as possibilidades de construção de uma esfera pública e democrática para
a assistência social.
Assim sendo, a assistência social percorreu um longo caminho para chegar à
categoria de política pública garantida pelo Estado, ocorrendo somente em 1993,
expressa na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Posteriormente, o Estado
sofrerá modificações, que conseqüentemente comprometerão suas funções
principalmente no âmbito da seguridade social, em especial a assistência social,
propósito do nosso trabalho.
Entender este processo com suas contradições e impasses é o desafio do
próximo capitulo. Nele, pretendemos estudar o percurso das políticas sociais,
através das inúmeras conquistas dos trabalhadores; destacar que esse processo
conduziu tanto à consolidação de uma nova política de assistência - evidenciando
mudanças importantes no âmbito dos direitos sociais - quanto à emergência dos
ideais neoliberais que significaram um retrocesso para efetivação desses direitos.
33
Capítulo II
Cidadania e o projeto neoliberal: o retrocesso dos direitos sociais
34
No capítulo anterior, houve a preocupação em realizar um breve resgate da
assistência ao longo da história. Identificou-se a existência de algumas formas de
ações e práticas de ajuda aos pobres que envolviam diversas limitações para o
acesso a ela como, por exemplo, a inaptidão para o trabalho e pertencimento local
organizado pela igreja para atender a população, mesmo diante da expansão do
sistema capitalista. Foi constatado que a desigualdade social, a miséria e a fome,
frutos do desenvolvimento urbano e industrial do sistema capitalista, são resultados
da divisão de classes da sociedade civil burguesa. Foi possível observar também
que, no Brasil as diversas formas de ações e práticas de ajuda aos pobres seguiam
essa mesma lógica de modelos de atendimento assistenciais decorrentes da idéia
de pobreza como disfunção pessoal e que toda ação assistencial do Estado sempre
esteve articulada à relação entre capital e trabalho.
Observou-se também que, no Brasil, o Estado se redefine para atender o
desenvolvimento do processo de acumulação e que foram criadas as primeiras
medidas na esfera do trabalho. Portanto, é neste contexto, que o Estado brasileiro
passou a reconhecer de forma gradual a “questão social” como uma questão
política. Porém, destaca-se também que tal reconhecimento se instituiu no âmbito da
moral, levando ao entendimento de que as causas da existência de expressões da
questão social devessem ser remetidas ao âmbito privado e não serem atendidas
pelo Estado através das políticas sociais, como um direito. Tal constatação tem
impactos no processo de universalização do acesso aos serviços sociais.
Buscou-se o resgate de algumas análises que mostram os paradoxos entre o
atendimento das demandas advindas do trabalho – os direitos sociais e trabalhistas -
e a modernização administrativa da ditadura militar que, por sua vez, reforçou a
35
criação de mecanismos de centralização e burocratização das decisões, tais como o
Ministério da Previdência Social e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social, entre outros.
Neste capítulo, a análise visa a compreensão das contradições presentes no
processo de redemocratização do país no que concerne à implementação dos
direitos sociais.
Desta maneira, objetiva-se dar ênfase ao direito à assistência social, no âmbito
da seguridade social brasileira - marco legal proporcionado pela promulgação da
Constituição Federal de 1988, uma vez que ela estabeleceu um sistema bastante
avançado de proteção social.
2.1 – O processo de redemocratização do país
A história da política brasileira tem sido um longo processo de articulação de
pactos da elite com o capital internacional e, no período ditatorial, esse pacto se
estendeu às forças militares, que no final dos anos 70 e início dos 80 entraram em
crise e começaram o período da transição para o regime que o substituiria. Em vista
disso, vale destacar que as históricas estruturas de poder político e econômico no
Brasil que foram estabelecidas através de padrões injustos de usufruto da riqueza
coletivamente construída, foram mantidas nesse novo direcionamento que se
consolidava no final da década de 1980, cujas vítimas foram a maioria da população,
excluída dos direitos básicos de cidadania.
Baseada em um regime escravocrata que permanece fortemente enraizado
36
em nossa cultura, a formação da sociedade brasileira constitui um elemento
fundamental para análise dos problemas que atingem a população cotidianamente,
uma vez que reforça o caráter conservador das políticas implementadas e não
democratiza as estruturas de poder estabelecidas nas esferas governamentais.
Segundo Adorno,
“regime autoritário (1964-1985) não se logrou a efetiva instauração do Estado
democrático de Direito. Persistiram graves violações de direitos humanos,
produto de uma violência endêmica, radicada nas estruturas sociais,
enraizada nos costumes, manifesta quer no comportamento de grupos de
sociedade civil, quer no de agentes incumbidos de preservar a ordem pública.
Mais do que isso, tudo indica que no processo de transição democrática,
recrudesceram as oportunidades de solução violenta dos conflitos sociais e
de tensões nas relações intersubjetivas. (1995:299)
Sendo assim, romper com essas estruturas de poder significaria a construção
de uma identidade da própria nação que se consolida a partir desses processos de
ruptura conquistados através das correlações de forças entre essas estruturas de
poder representadas pela elite, os governantes e a população. Entretanto, na
história do Brasil, as elites se antecipam à construção de uma vontade popular
surgida de baixo, ou seja, da população, e por sentirem-se ameaçadas, trabalham
na articulação desses pactos para que tudo permaneça sempre igual dentro da
ordem conservadora. Em conseqüência a esse processo
“nós continuamos presos às formas mais arcaicas, graduais e
escamoteadoras de enfrentamento dos nossos problemas. Saímos da Colônia
não para a República, mas para uma Monarquia umbilicalmente ligada à velha
potência colonial. Convivem nela o liberalismo e a exploração do trabalho
escravo – a negação mais evidente de qualquer forma de pensamento liberal,
ao se evidenciar a desigualdade formal entre os homens.” (Sader, 1990:3)
E assim, os militares pretendiam realizar uma transição controlada do alto
para os de baixo, porém esse processo passou a ser questionado por uma
37
mobilização que se consolidava principalmente pela perda da legitimidade do regime
ditatorial e tornava-se visível a fragilidade desse governo e a crise social se expandia
em grandes proporções.
A década de 1980 foi um período de efervescência no país. Com o fim da
ditadura houve um amplo movimento da sociedade civil – rearticulação do
movimento operário no ABC paulista - além da participação de novos sujeitos
políticos, onde os assistentes sociais23 engajam-se nesta luta em busca da
democratização da sociedade. Vários segmentos da sociedade uniram-se em torno
de um interesse comum: um sistema de governo que permitisse a participação da
população nas suas decisões.
O processo de redemocratização se tornou uma arena de disputa de
mudanças, onde os movimentos sociais dos trabalhadores esperavam por uma
transição realizada através de Assembléia Nacional livre e soberana, porém esta
tarefa ficou a cargo de um Congresso Constituinte como desejava a classe
burguesa. Essa disputa teve como resultado uma flexibilização a favor das propostas
conservadoras. Todavia, o movimento operário e popular era um novo elemento
político que de forma decidida entrava na história recente do país. Tratava-se de um
movimento que,
“ ultrapassou o controle das elites,(...). Sua presença e ação interferiram na
agenda política ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na
Constituinte, a exemplo de: reafirmação e afirmação dos direitos sociais;
reafirmação de vontade nacional e da soberania, com rejeição das ingerências
23 A luta pela democracia fez ecoar na catego
...