A Ética na Sociedade
Por: Ricardo Caliento • 3/5/2015 • Dissertação • 6.692 Palavras (27 Páginas) • 1.692 Visualizações
1.1 Ética e moral: dois pilares da ação humana ante os dilemas da vida “Se eu for convocado para uma guerra, para defender meu país, não estarei procedendo mal ao matar seres humanos, ainda que, naquela situação, eles sejam considerados ‘os inimigos’?” “Devo sempre dizer a verdade ou, às vezes, uma mentira bem intencionada pode trazer mais felicidade?” “Um doente em fase terminal, passando por grandes sofrimentos, pede aos médicos e aos parentes que o ‘libertem’, desligando os aparelhos e parando de administrar-lhe medicamentos que o mantém vivo. Qual a ação mais justa, mais correta, diante deste fato?” “É correto tratarmos os animais como objetos de divertimento, infligindo-lhes sofrimentos físicos ou psicológicos como os que acontecem com touradas, brigas de galo e condicionamento ou treinamento para exibição pública em circos?” Todos os dias temos que tomar decisões importantes. Para saber qual a opção correta a ser escolhida, precisamos de princípios que nos ajudem a seguir no rumo certo, afinal, somos seres morais e refletimos eticamente sobre situações- -problema que o dia a dia nos apresenta. A moral e a ética são os dois pilares do agir humano que nos orientam nessa encruzilhada. Moral vem da palavra latina mores, que significa costumes, modos, de onde se originaram, por exemplo, as expressões “aprender bons modos” e “pessoa sem modos”. Já a palavra ética vem do grego ethos, que significa caráter, maneira de ser. Comparando as suas origens etimológicas, já começamos a perceber as diferenças entre elas. A palavra moral refere-se aos modos de se comportar já firmados em uma sociedade, aos quais todos os indivíduos devem se adequar e com os quais acabam se acostumando, ao passar a considerá-los como os mais corretos. A palavra ética refere-se aos diferentes caracteres (plural de caráter) que existem em uma mesma sociedade, ou seja, às individualidades das pessoas e às possibilidades que elas têm de responder de forma diferenciada aos costumes e modos de se Para explicar os conceitos de costume, normas e leis, em seu livro O que é moral, o professor de filosofia Otaviano Pereira volta ao tempo dos carros de boi. Como eles faziam muito barulho e incomodavam os moradores das cidades, alguém teve a ideia de usar sebo nos eixos de suas rodas para neutralizar o ruído estridente que elas provocavam. Isso passou a ser imitado por outros puxadores de carros de boi, para evitar reclamações e, com o tempo, transformou- -se em costume. À medida que o costume recebia mais adesões, os puxadores de carros de boi que não faziam isso passaram a ser criticados pelos moradores. O costume virou então norma de conduta. Depois, a norma se tornou obrigatória, com punição a quem não a cumprisse. Ela havia se transformado em lei. comportar tradicionalmente estabelecidos, não de forma passiva, mas aceitando-os apenas se concordarem com eles, segundo seus valores referentes ao bem e ao mal. Embora não signifiquem a mesma coisa, ao nos referirmos tanto à moral quanto à ética estamos sempre considerando as ações humanas do ponto de vista do bem e do mal, e, consequentemente, avaliando-as como corretas ou não. Portanto, moral e ética coincidem em muitos aspectos. Por exemplo: • As duas só se referem a ações humanas. Os demais seres vivos não são morais, imorais, amorais, éticos ou antiéticos. Não são passíveis de julgamento, pois suas ações são produtos de condicionamento ou de determinismo biológico. • As duas só se referem a ações humanas que são livres, conscientes. Só podem ser consideradas ações morais ou éticas aquelas que resultarem da liberdade individual de definir o que é certo ou errado, de agir de uma ou outra maneira, de aceitar ou mudar as regras – porque o sujeito não as considera coerentes com seus valores – mesmo que, em algumas situações, tenha de enfrentar censuras, condenações e perseguições. Algumas ações violentas, mesmo contrariando as normas de comportamento ético, não são nem mesmo consideradas criminosas ou são condenadas com penas leves, se for reconhecido e ficar provado que a força da pressão sofrida pela pessoa, em determinada situação-limite, foi maior do que a sua capacidade de resistência moral. São exemplos dessas situações aquelas movidas por instinto de sobrevivência – no caso de ameaça à vida ou à integridade física ou moral – ou por forte pressão psicológica –, ou seja, ameaça por meio de chantagem, sequestro ou outras formas de violência muito drásticas a si mesmo, a alguém da família, ao seu grupo ou a toda uma comunidade. No entanto, muitos dos personagens históricos que foram consagrados como heróis ou santos por alguns ou por muitos povos foram pessoas que resistiram a fortes pressões e não se abateram, mantendo sua postura moral e suas convicções filosóficas, religiosas, políticas ou sociais, como Joana d’Arc, Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Mandela e outros mais. Figura 1.1 © Getty Images/The Bridgeman Art Library © Album/africanpictures/akg-images/Latinstock Joana d’Arc Tiradentes Nelson Mandela Zumbi dos Palmares © RobSabino/Wikimedia.org © AurÈlio de Figueiredo/Wikimedia.org núcleo básico – EPCO Capítulo 1 20 21 Platão nasceu em Atenas e viveu no século V a.C., considerado pelos historiadores o período áureo da cultura helênica. Importante filósofo e matemático, foi discípulo de Sócrates e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Em suas obras abordou temas como a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento. 1.1.1 A ética e suas peculiaridades A moral estabelece princípios, normas e regras de comportamento. Ela pertence, portanto, ao domínio da prática. A ética é a reflexão sobre a moral. Como parte da filosofia, ela pertence ao campo da teoria. Mas, na medida em que a ética pode mudar nossas decisões sobre como nos comportarmos, ela influi em nossas ações. Portanto, na nossa prática. A ética não consiste em um conjunto de ordens e proibições. Ela indica caminhos para a procura e a prática de uma boa maneira de ser e de agir, de acordo com o bem e contrária ao mal. Se a teoria reflete sobre a prática, ela também a inspira, indicando possibilidades diferentes de ação. Dependendo do conceito teórico de bem, mal, justo, injusto, felicidade, amor, honestidade e outros, o caminho a ser tomado por uma pessoa pode ser diferente do caminho de outra que tenha ideias diversas ou antagônicas sobre aqueles valores. 1.1.2 Como a ética orienta nosso comportamento A ética nos conduz à reflexão sobre a responsabilidade do ato moral, que é um ato de livre escolha. Diante das alternativas de conduta, ela nos orienta a prever suas possíveis consequências, a avaliá-las e a decidir qual delas é a mais adequada aos nossos objetivos e mais coerente com os nossos valores. Por exemplo: como se portar diante da regra “não matar” em situações tão diferentes como guerra, aborto, eutanásia, produção de armamentos? A ética nos faz pensar naquilo que poderia ou deveria ser, inclusive nos leva a refletir e a questionar aquilo que é agora e assim tem sido até o presente momento (ou seja: a moral vigente). A palavra ética deriva de dois termos gregos muito semelhantes no seu significado. Éthos significa hábito ou costume – entendidos como maneira exterior de comportamento; êthos tem um significado mais amplo e rico: o de lugar onde habitualmente se vive e a maneira de ser ou a forma de pensar da pessoa. Assim, o ético poderia traduzir-se por modo ou forma de vida, no sentido mais profundo da palavra. Assim, toda ética é filosófica. Para Platão, a ética é o fim último de toda a filosofia – seu motor e sua razão de ser. Integrados à ética todos os demais ramos da filosofia fazem sentido. A ética conduz a decisões no campo da moral, que são decisões pessoais. Mas isso não significa que nossa consciência individual seja o único árbitro do nosso comportamento. Em contraposição ao subjetivismo ético sem limites, admitimos a ideia de universalidade, ou seja, ético é aquilo que vale para todos os homens. Por isso, diante de dilemas éticos, devemos perguntar à nossa consciência: aquilo que queremos, queremos apenas para nós ou também para todos os outros? O fato de o querermos para nós elimina a possibilidade de os outros o quererem e também terem para si? O que sou, a mais ou a menos em relação a ele, para justificar que eu possa ou deva fazer isso e ele não? A ética se fundamenta na natureza e na condição humana e nos direitos naturais dos seres humanos pelo simples fato de serem humanos, independentemente de idade, cor, etnia, gênero, capacidade física ou mental, nacionalidade, orientação sexual, estado civil, religião, posição filosófica ou política, postura, comportamento e até se está vivo ou morto. Quando algumas pessoas defendem os direitos humanos dos criminosos, condenando a tortura ou outros atos desumanos que lhes são infligidos, é porque reconhecem e respeitam um postulado filosófico: o de que, independentemente de seu estado em relação à moralidade ou sanidade psíquica, os criminosos continuam sendo humanos e, portanto, dignos de serem tratados como tais. Merecem ser punidos pelo crime que cometeram, mas, humanos que são, devem ser respeitados em seus direitos naturais. No decorrer da história, em alguns casos por ignorância, mas, em geral, por motivos fundamentados em interesses políticos e econômicos, nem todas as pessoas receberam a caracterização plena de humano. Isso ocorreu, por exemplo, durante o período de escravidão do negro africano e de seus descendentes nas colônias europeias das Américas. 1.1.3 Complexidade e incertezas na ética e na moral Hoje em dia, há muitas dúvidas com relação aos fundamentos da ética e da moral que levam a questionar antigas certezas e a introduzir nesse campo do agir humano uma visão que Edgar Morin caracteriza como “complexa” (MORIN, 2005, p. 41-53) e Zygmunt Bauman como “ambivalente” (BAUMAN, 2005, p. 24-40). Por isso, nem tudo está correto no agir humano. Morin sugere uma correção quando se afirma que os princípios éticos decorrem da “natureza humana”, supondo tratar-se de um princípio unidimensional. Assim, ele constata uma “complexidade” na “natureza” do indivíduo e da sociedade, pois, nas duas esferas, convivem e entram em conflito duas tendências: a da inclusão, que acolhe o outro e o diferente e realiza o altruísmo, e a da exclusão, que os rejeita e descamba no egocentrismo. A razão como fonte absoluta de certezas científicas e morais é hoje questionada, pois a própria ciência admite seus limites e, constata Morin, o ser humano não é apenas sapiens – sábio ou racional –, mas envolve também um Subjetivismo é o modo de pensar que enfatiza ou leva em conta apenas os aspectos inerentes ao modo de pensar do sujeito (como intenção, ação, consciência etc.). Feitor açoitando negro na roça, de Jean Baptiste Debret, que chegou ao Brasil com a Missão Artística Francesa em 1816. © Tetraktys, via Wikimedia Commons/Herma de PlatÃo, Museus Capitolinos, Roma reprodução núcleo básico – EPCO Capítulo 1 22 23 conjunto de potencialidades e atividades que estão além da racionalidade, tais como os instintos, as pulsões, os desejos, as paixões, a imaginação, o poético e outras. Quando se passa da intenção, da consciência do “agir pelo bem” para a ação, a “essência” da moral encontra sérias dificuldades. Morin alerta para a necessidade de contextualizar a ação moral, pois, no ato, a intenção corre o risco de fracassar, e a moral que ignora os efeitos e consequências dos seus atos torna-se insuficiente, fragiliza-se e se surpreende ao perceber que a ação nem sempre pode realizar a intenção, o que vale dizer que a ética está cercada de incertezas. No próprio coração da ética já se instala uma incerteza primordial que diz respeito à noção do bem e do mal. Não há aí uma única forma de ver as coisas, nem definições exatas, nem um código binário excludente a separar o bem do mal, o justo do injusto, como na ética tradicional. Embora haja um princípio ético universal com força de lei, que obriga todo ser humano, sem exceção, a não fazer ao outro o que não deseja seja feito a si mesmo, o bem e o mal nem sempre são evidentes e às vezes são falsamente evidentes. Decorrem daí as incertezas e contradições internas, que constituem a complexidade intrínseca à ética, pela qual o bem pode conter o mal, o justo abrigar o injusto, e vice-versa. Toda ação escapa à vontade do seu autor na medida em que entra no jogo das circunstâncias que o influenciam. O jogo das circunstâncias é o que Morin denomina de “ecologia da ação”, que pode levar o agente ao fracasso, ao desvio ou distorção das suas intenções, ou até voltando-se contra ele, como num efeito bumerangue. Não é certo afirmar que a pureza dos meios sempre vá alcançar resultados puros ou que a impureza deles produza sempre efeitos nocivos. Muitas ações consideradas salutares podem ter efeitos colaterais perversos. Invenções criadas para fins bélicos, portanto mortíferos, muitas vezes trouxeram benefícios quando aplicados para o bem da humanidade. O contrário também ocorreu e vem ocorrendo quando pesquisas científicas, cujos resultados em si são benéficos, foram e continuam sendo desviados para a produção de engenhos de destruição e morte. Somos impotentes diante do futuro, já dizia Voltaire. Daí a imprevisibilidade de nossas ações, pois não temos o dom da onisciência (dom de quem sabe tudo). Proposta de Atividade Considerando as questões apresentadas, indicando a complexidade da ética e da moral, debatam, em grupo, e apresentem alguns exemplos de ações, invenções e novos conhecimentos científicos e tecnológicos que revelem a ambiguidade contida na afirmação: “Toda ação escapa à vontade do seu autor na medida em que entra no fogo das circunstâncias que o influenciem”. A ética não apenas fundamenta filosoficamente o que devemos fazer, mas ainda orienta como fazer, chamando-nos à responsabilidade perante os outros. É da nossa consciência moral que fluem a noção de responsabilidade e a virtude da prudência, sendo essas duas últimas grandes alicerces da nossa vida moral e da nossa reflexão ética. O que se pode dizer com certeza é que, quando estamos vivendo em determinadas situações-limite, não são os costumes, as normas, as leis que mais devem influenciar ou mesmo determinar as nossas decisões, mas, sim, a nossa consciência moral. Daí a necessidade de princípios éticos para nos guiar na hora de decidirmos. Pode acontecer de esses princípios estarem em desacordo com os códigos estabelecidos, o que nos leva a desafiar proibições e penalidades. 1.2 As situações-limite e a ética da responsabilidade As situações-limite podem ser as mais variadas e podem não parecer, às vezes, moralmente corretas. Estão entre elas aquelas em que temos de decidir quem salvar em determinado momento de perigo, pois não podemos salvar a todos, ou, ainda, a de praticar o aborto em caso em que se sabe que o feto apresenta anomalias insuperáveis ou quando a gravidez é resultante de um estupro, ambos os casos permitidos por lei. Nem sempre os atos morais e as questões éticas envolvem apenas as pessoas diretamente relacionadas a eles. Pode acontecer de muitas outras pessoas também serem afetadas de alguma forma, com consequências em seus destinos. Os afetados são um indivíduo, uma comunidade, uma sociedade ou toda a humanidade. François Marie Arouet, conhecido como Voltaire (Paris, 21 de novembro de 1694 - Paris, 30 de maio de 1778), opôs-se à intolerância religiosa e à de opinião existentes na Europa. O conjunto de suas ideias constitui a tendência de pensamento conhecida como Liberalismo, em que o indivíduo é capaz de elaborar as suas próprias leis e a vontade da maioria prevalece (não deve ser confundido com o Liberalismo Econômico, sistema elaborado pelo economista e filósofo Adam Smith). © Catherine Lusurier, Nicolas de Largillière/Portrait de voltaire Consciência vem do latim cum (com) scientia (ciência). É a consciência moral que nos permite agir ou pensar com conhecimento (ciência) do bem ou do mal que existe em nossas ações ou que podem ser por elas provocados. Ela exerce uma função julgadora sobre nossas ações ou condutas ao prever as possíveis consequências de nossos atos. A consciência moral se alicerça na prudência, e ser prudente é conhecer a realidade na qual vamos agir para que saibamos como agir bem, ou seja, de acordo com o que consideremos bem. nú cleo básico – EPCO Capítulo 1 24 25 Max Weber (1864-1920), considerado um dos pais da sociologia, consagrou a expressão ética da responsabilidade, ao refletir sobre o que acabamos de mencio - nar. A ética da responsabilidade seria aquela que leva em conta, principalmente, as consequências previsíveis da ação para um grupo maior de pessoas, além daquelas diretamente envolvidas no momento. Ela verifica se a ação, ainda que possa ser boa para alguns em determinadas situações, não será danosa do ponto de vista coletivo. Daí a necessidade de avaliarmos não só nossos próprios atos, mas, também, os de pessoas que têm grande influência sobre os destinos de uma coletividade, seja porque exercem um papel importante, seja por terem grande poder em determinados setores sociais. Por isso, é importante trazer para nosso cotidiano uma atitude de constante alerta quanto ao que se passa no mundo da política, da economia, da ciência, da comunicação, da religião e da tecnologia. 1.2.1 Moral ou imoral? Isso é muito relativo A moral é anterior a nós. Nós a “herdamos” da sociedade onde nascemos e fomos educados. Essa “herança” tem origem social (a herança recebida da comunidade) e também pessoal (a nossa convicção de que essa herança é válida e, por isso, nós a aceitamos). Em outras palavras, se não incorporar - mos o que a sociedade nos transmitiu como norma, ela não terá o sentido de norma moral . Como já vimos, moral é o conjunto de valores estabelecidos em uma sociedade, relativos ao bem e ao mal, os quais norteiam a ideia do que deve ser permitido ou proibido em termos de conduta e de comportamento humano. As regras mo - rais estabelecem, por exemplo, obrigações que não podemos deixar de cumprir, quais as partes do nosso corpo podemos ou não exibir, as palavras e assuntos que podemos pronunciar ou discutir em público, com quem e em quais situa - ções podemos nos relacionar etc. Em uma mesma sociedade pode haver, além de uma moral que deve ser seguida por todos, outras que se caracterizam como normas de grupos específicos. A moral também varia no tempo e no espaço. O que é moral para alguns povos não o é para outros. O que já foi imoral para nossos antepassados hoje pode não ser para nós. Até mesmo em nossa história pessoal veremos transformações. Em nosso cotidiano e diante de muitas situações com as quais nos depara - mos, não chegamos a sentir qualquer dilema moral nem sequer pensamos em outras possibilidades de ação que não sejam as mesmas de sempre. É como se tivéssemos um manual de comportamentos, ao qual recorremos qua - se automaticamente. Isso é muito conveniente, pois seria impraticável ter de parar o tempo todo para refletir antes de tomar qualquer tipo de decisão. Certos costumes estão tão enraizados e são aceitos tão facilmente por to - dos que não sentimos qualquer necessidade de questioná-los, defendê-los ou combatê-los. Achamos tão normal praticá-los que chegamos a encará-los como naturais, quando, na verdade, são culturais e diferentes dos praticados em muitas outras sociedades. Max Weber – Sociólogo, historiador e político alemão, nasceu em 21 de abril de 1864, em Erfurt, e morreu em 14 de junho de 1920, em Munique. É considerado um dos fundadores do estudo moderno da sociologia e da administração pública. Sua obra mais famosa é o ensaio A ética protestante e o espírito do capitalismo, com o qual começou suas reflexões sobre a sociologia da religião. © Album/akg-images/Akg-Images/Latinstock © Rivaldo Gomes/Folhapress Figura 1.2 Parada Gay na cidade de São Paulo: o que foi considerado imoral ou anormalidade hoje está sendo questionado por grandes multidões. núcleo básico – EPCO Capítulo 1 26 27 Mas nem sempre é assim. Alguns costumes não são aceitos por todas as pessoas e outros começam a ser questionados até por uma maioria, que adere a novos valores, contrários aos da tradição. É muito comum que isso aconteça em épocas de transição de um tipo de sociedade para outro, em fases revolucionárias e no encontro de culturas diferentes. Quando isso acontece, o tradicional passa a ser questionado em sua “naturalidade” e, consequentemente, em sua “normalidade”. Alguns valores passam a ser vistos como ultrapassados e descartados, como instrumentos a serviço de alguns grupos em prejuízo de outros. Tais valores tornam-se, então, objeto de discussões teóricas ou de reações práticas entre aqueles que os justificam e os que a eles se opõem. Vivemos constantemente em crise, resultante do conflito entre a moral em vigor e a moral repensada, recriada ou que está sendo constituída. Esse conflito caracteriza o movimento da história e a dinâmica das relações sociais. Como as sociedades são dinâmicas, a moral não permanece congelada. Da contraposição do velho ao novo, outros valores se estabelecem e alguns deles se tornam costumes que, durante algum tempo, deixam de ser questionados e passam a ser encarados como bons e, portanto, adotáveis e isentos de questionamento. Sobre a variação do que é moral ou não, em contextos históricos diferentes, o filósofo alemão Friedrich Nietzche (1844-1900) afirmou, em seu livro Além do bem e do mal (1886), que aquilo que em determinada época parece um mal é, quase sempre, um restolho (algo que restou) de alguma ideia que, em épocas anteriores, era vista como algo bom. E vice-versa: o que parecia bom, agora não parece mais (acrescentamos nós). Exemplos da relatividade da moral Na Europa do início do século passado, o café era uma bebida condenada como droga e seria imoral para uma mulher deixar à mostra o tornozelo. Ainda hoje, em alguns países árabes e africanos, as mulheres só se apresentam em público com o rosto parcial ou totalmente encoberto. Na Índia, apesar da influência da globalização, que os está modificando, ainda sobrevivem costumes como a classificação das pessoas em castas. Pessoas pertencentes a castas inferiores sofrem imposições e proibições que as excluem do convívio com as demais. No Brasil, até a primeira metade do século XX, eram raras as mulheres das classes média e alta que trabalhavam fora de casa. Em casa, elas trabalhavam no serviço doméstico de seus lares ou dirigiam o trabalho de seus empregados. As mulheres em geral trabalhavam como lavadeiras, cozinheiras e arrumadeiras, estas, como hoje, das camadas mais pobres. Fora de casa, algumas mulheres da classe média trabalhavam como enfermeiras, professoras, governantas ou secretárias. Havia cursos técnicos especificamente femininos. Por exemplo, os da Escola Profissional Feminina, na cidade de São Paulo, que desde 1952 passou a se chamar Escola Técnica “Carlos de Campos” e, em 1994, passou a fazer parte da rede de Escolas Técnicas Estaduais do Centro Paula Souza Valores são normas de conduta, padrões e qualidades considerados e aceitos como importantes e que devem ser buscados, defendidos e mantidos em uma sociedade. Um valor aceito em determinada sociedade pode ser rejeitado e combatido em outra, ou na mesma sociedade em vários momentos ou por grupos diferentes. Exemplos de valores tidos como unânimes: o cuidado, a responsabilidade, a solidariedade, a organização, a cooperação, o respeito, a justiça, o trabalho, a liberdade, a lealdade, a honestidade, a compreensão etc. Nietzsche e hoje é conhecida como ETEC Carlos de Campos. Vejamos quais eram esses cursos: Educação Doméstica; Dietética para Donas de Casa e Auxiliares em Alimentação; Dietética; Dietética Profissional; Confecções; Bordados; Roupas Brancas; Desenho e Pinturas; Economia Doméstica; Prendas Manuais [Vidigal, Carmen Sylvia e Alves, Júlia Falivene (orgs.). Contribuição à pesquisa de ensino técnico no estado de São Paulo: inventário de fontes documentais, 2002; Vidigal, Carmen Sylvia e Alves, Júlia Falivene (orgs.). Escolas profissionais públicas do estado de São Paulo: uma história em imagens, 2002]. Hoje são raras as mulheres das gerações mais novas que não trabalham fora de casa, nas mais diferentes áreas, inclusive algumas consideradas essencialmente masculinas, como policiais, juízas de direito, juízas de futebol, taxistas e condutoras de trens. Muitas também são empreendedoras, que conduzem seus próprios negócios. VIDIGAL, C. S., ALVES, J. F. (orgs.). Escolas profissionais públicas do estado de são Paulo: uma história em imagens. São paulo: Centro paula souza, 2002. VIDIGAL, C. S., ALVES, J. F. (orgs.). Escolas profissionais públicas do estado de são Paulo: uma história em imagens. São paulo: Centro paula souza, 2002. Figura 1.4 Alunas na confecção de flores, 1920, Escola Profissional Feminina da Capital, atual ETE Carlos de Campos. © F. Hartmann/Wikimedia.org Figura 1.3 Exposição de trabalhos das alunas do Curso de Corte e Costura, 1955, ETE Fernando Prestes, Sorocaba. nú cleo básico – EPCO Capítulo 1 28 29 Proposta de Ativid ade 2 Em grupos, levantem outros exemplos que indicam a relatividade da moral e discutam em plenária o alcance dessas situações no cotidiano. Elaborem um relatório síntese a ser consignado num caderno de atividades individual. 1.3 A moral em crise e a revalorização da ética Otaviano Pereira aborda em seu livro O que é moral as transformações que vêm ocorrendo em ritmo acelerado no planeta e na humanidade desde a década de 1950, e que estariam influenciando a moral contemporânea. Para ele, a crescente urbanização, metropolização, globalização, mundialização da cultura e do poder dos meios de comunicação e informação estão en - tre os fatores responsáveis pelas mudanças no campo moral, sobretudo em culturas de origem cristã e ocidental, como é a brasileira. Pereira enumera as instituições tradicionais consideradas por muito tempo como “guardiãs da moral” e que hoje estão em crise, sendo questionadas pelas novas gera - ções. Entre os valores defendidos por essas instituições, ele cita o casamento indissolúvel, a infalibilidade papal, o sentimento de “honra”, notadamente masculina, a virgindade, notadamente feminina, autoridade inquebrantável de pais e educadores. É bom lembrar que toda concepção do que é ou não moral e toda teoria ética surge estimulada pelas teorias e éticas anteriores. A nova teoria surge em opo - sição à antiga ou em seu apoio, para atualizá-la ou para a sua releitura. Com o tempo, elas também vão dar lugar a outras. Quanto mais dinâmica é uma sociedade, mais mudanças nos costumes ela provoca. Nos tempos atuais, esse dinamismo chega a ser excessivo. Provavelmente seja por isso que hoje em dia se fale mais em ética do que em moral, pois, diante das mudanças, a frequência com que os valores precisam ser questionados é bem maior. É por esse motivo que a postura ética é mais valorizada. Ela supõe que o cida - dão não esteja alienado do seu tempo. Ela subentende que ele seja capaz de ana - lisar e avaliar historicamente antigas e novas possibilidades e fazer sua opção. A ética reflete sobre os valores morais e questiona se o que a sociedade considera bom ou mau é realmente bom ou mau, se as normas e regras de conduta moral realmente fazem bem a todos e devem ser obedecidas ou se existem apenas porque convêm a alguns. Como a ética faz isso? Levando-nos a raciocinar sobre por que julgamos alguns comportamentos e normas como válidos, a partir dos conhecimentos que temos da natureza humana e comparando diferentes interpretações e julgamentos so - bre os mesmos atos ou posturas. Como se vê, enquanto a moral procura limitar nossa liberdade de ação, a ética visa à sua ampliação, pois nos estimula a fazer escolhas, tomando por base va - lores universais, racionais e mais duradouros, como o respeito à vida e ao bemestar humano. Nós, seres humanos, somos livres, o que significa que podemos escolher entre dizer sim ou não a uma ordem, costume ou lei, independentemente do que os outros pensam, do que querem que façamos, de prêmios ou de punições. É o que chamamos de livre-arbítrio. Por termos livre-arbítrio, há pessoas que escolhem ficar ricas ou famosas, mesmo que para isso procedam de forma con - trária às regras morais; da mesma forma, há outras que arriscam a própria vida e deixam de aceitar ofertas e acordos que lhes tragam melhorias financeiras porque não abrem mão dos princípios éticos como orientadores de sua conduta. Infelizmente temos mais notícias sobre casos de corrupção, crime e outros tipos de violência do que de casos exemplares de comportamento ético . Entretanto, a nossa sociedade evoluiu bastante em relação à concepção de direi - tos humanos e de cidadania, e as pessoas estão mais abertas ou pelo menos mais tolerantes em relação a algumas das questões de gênero, étnicas e raciais que causaram tanto sofrimento a algumas pessoas. Proposta de ativid ade 3 Reflitam em grupo sobre o sentido da letra da música a seguir e depois, com os demais colegas, discutam essa questão: por que a grande mídia dá muito espaço às notícias de calamidades, crimes e violência e quase não informa sobre ações do cotidiano que são exemplos de responsabilidade moral? Quais as consequências dessa predominância em relação ao público que recebe esses tipos de notícia? Coloque a síntese da discussão no seu caderno de atividades. Samba-Enredo de 2008 da Escola de Samba X-9 Paulistana “O povo da Terra está abusando. O aquecimento global vem aí... A vida boa sustentável pede passagem” Vem pra ver Nossa família reunida Eu e você, com a X9 na avenida Na festa do Carnaval Fazendo um alerta geral Para o Planeta não aquecer Nossas florestas, nosso pulmão, Destruição pra quê! Alterações que transformaram nosso clima Causando tantas consequências À nossa existência Não poluir o nosso ar... ô, ô, ô, ô Água da fonte pra beber Um solo de plantar, bom de colher É melhor parar Não custa nada refletir O mal que sempre vai causar nú cleo básico – EPCO Capítulo 1 30 31 Jogando lixo por aí É tempo sim de reciclar Para salvar o amanhã A solução está na mente sã Em não desperdiçar, a água pode ter um fim Sabedoria ao explorar pra energia produzir Depende só de nós o equilíbrio ambiental Responsabilidade social Oh, Mãe Terra, perdoai Os seus filhos sem amor É preciso preservar O mundo que Deus criou (Composição: Didi, Turko e Paulinho Miranda) 1.3.1 Faça o que quiser... desde que seja bom A ética não diz apenas: “faça o que quiser”. Ela completa: “mas que seja bom”. Para o psicanalista alemão Erich Fromm, “bom é o que convém para o bem - -estar humano e mau é o que lhe é nocivo”. Embora, usando a razão, possamos identificar o que é bom ou danoso para uma pessoa, é preciso que o sentimento de simpatia pela felicidade dos homens e de compaixão pelas suas infelicidades nos oriente sobre como nos comportar. Daí a preocupação da ética para que tratemos os humanos como humanos, para também sermos por eles tratados como tais. A liberdade que temos para agir implica sermos responsáveis por nossos atos. Ou seja, devemos nos reconhecer como causadores do mal ou do bem que fizemos e de suas consequências. Erich Fromm (1900-1980) é considerado um dos principais psicanalistas do século 20 e se tornou conhecido por seus estudos sobre a influência da sociedade e da cultura e de fatores biológicos na personalidade de uma pessoa. Entre seus livros, destacam-se A arte de amar, O medo à liberdade, Psicanálise da sociedade contemporânea, Meu encontro com Marx e Freud, Análise do homem, O coração do homem , A sobrevivência da humanidade e outros. Contudo, admitir nossa responsabilidade pode ser doloroso. É por isso que, muitas vezes, transferimos a responsabilidade dos nossos atos à televisão, à pro - paganda, a alguma ameaça, à insistência de um amigo, à nossa dependência de algum produto, à obediência a uma autoridade, às nossas fraquezas, à falta de tempo, ao nosso temperamento e ao modo como fomos educados. Às vezes, quando nos convém, identificamo-nos e apresentamo-nos como se fôssemos “es - cravos das circunstâncias”. A ética nos lembra de que devemos levar a sério nossa liberdade porque ela tem efeitos que, depois de produzidos, não podem mais ser apagados. O remorso nada mais é do que a insatisfação, o desconforto, a culpa por termos usado mal nossa li - berdade e reconhecermos que não temos o poder de desfazer muito do que fizemos. Ser ético implica ser cuidadoso com cada pessoa e ter consciência de que os danos que lhe forem causados, ainda que remediados, sempre deixam marcas. É por isso que tanta gente teme a liberdade, transferindo seu poder de decisão para outros. 1.4 Autonomia moral: nascemos com ela ou a desenvolvemos? Ninguém nasce ético ou antiético. Todos nós passamos por diversos estágios de moralidade, conforme nossa idade e as relações sociais que mantemos durante nosso período de desenvolvimento até a maturidade. Nos primeiros anos de nossa infância, a moralidade não existe ainda para nós. Dos três aos cinco anos, geralmente, as regras começam a ser obedecidas, mas elas vêm de fora: de pais, avós, babás, irmãos mais velhos ou outros adultos. Obedecemos para evitar castigos, agradar e conseguir coisas, pois ainda estamos em uma fase egocêntrica, voltados para nós mesmos. Somos crianças . Pouco depois, começamos a reconhecer que também as outras pessoas querem ou não querem coisas, como nós, e que se não cedermos em alguns pontos para agradá-las, não teremos sucesso em alcançar o que desejamos. Embora indivi - dualistas, estabelecemos trocas e acordos para que nossos interesses sejam aten - didos. Estamos na puberdade . Quando o grupo começa a ser importante para nós, passamos a nos comportar segundo regras que garantirão que os outros confiem em nós, nos apreciem e ajam conosco como desejamos que o façam. Nosso modo de agir começa a demonstrar, então, que nossa moralidade vai deixando de se basear apenas em nosso individualismo e que já aprendemos a obedecer ao que o grupo convencio - nou como certo e correto, porque isso nos convém. Estamos na adolescência . Mais maduros, ampliamos a visão de mundo, extrapolando os limites do “eu” e as fronteiras do “nosso grupo”. Começamos a reconhecer que precisamos de mais gente para viver e que fazemos parte de uma sociedade com diferentes grupos de características, valores e interesses variados, nem sempre em har - monia uns com outros, alguns dos quais nos importam mais, outros menos. Figura 1.5 © Maurício Lima/Staff/AFP/Getty Images Liss Goldring © Erich Fromm Estate núcleo básico – EPCO Capítulo 1 32 33 Aprendemos que precisamos obedecer a certas regras acima das individuais e de nossos grupos, pois sem elas é impossível viver na sociedade maior. Os vínculos sociais nos obrigam a respeitar normas reconhecidas como necessárias à sua preservação. Nós as reconhecemos e as obedecemos. Finalmente somos adultos. O último e mais aperfeiçoado nível de moralidade é aquele em que percebemos que há princípios universais que não só tornam possível a vida em sociedade como, quando priorizados, tornam essa vida muito melhor para todos. Passamos, então, a valorizar a vida, a liberdade, a justiça, a igualdade e a dignidade humana como essenciais para a nossa felicidade e a dos outros, e a eleger esses valores para comandar todas as nossas condutas. Agimos assim porque queremos, e queremos porque amamos a vida que se pode viver quando se age assim. Não são mais as leis e convenções externas que nos obrigam a fazer isso ou aquilo. Somos nós que nos comandamos. Somos adultos com autonomia moral. É claro que nem todos atingem um alto nível de autonomia moral. Os que o atingem conduzem suas vidas sempre de acordo com os princípios éticos universais, com os quais estão comprometidos de livre e espontânea vontade porque reconhecem que eles são bons. Esses princípios foram interiorizados e, por isso, não há prêmios ou castigos que os façam se comportar de forma contrária ao que lhes dita a ética. 1.4.1 Respeito é bom e todo mundo gosta Embora nem sempre seja fácil conviver bem com outras pessoas e não haja receitas para isso, há algumas posturas que podemos adotar. Confira alguns exemplos: 1. Tratar o outro como seu igual e respeitá-lo como diferente. Isso significa lembrar-se o tempo todo de que ele é seu semelhante, com inteligência, paixões, medos, carências, ideais e fraquezas. É reconhecer que, por trás das aparências ou dos detalhes que nos diferenciam de alguém, há algo que nos torna semelhantes, como se fôssemos feitos de “uma mesma massa”: somos humanos. Em sua música Dom de iludir, o compositor Caetano Veloso diz: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Quantas decepções, mal-entendidos e injustiças poderíamos evitar se pensássemos sempre assim. 2. “Trocar” provisoriamente de lugar com o outro, “colocar-se na sua pele”, sentir-se como ele está se sentindo. Tratar bem alguém supõe compreender suas necessidades, carências e pontos de vista. É pôr-se em seu lugar, levar em conta seus direitos e compreender suas Figura 1.7 Caetano Veloso © Monkey Business Images/Shutterstock © Rido/Shutterstock © Yuri Arcurs/Shutterstock © Pablo Sanchez Reuters/REUTERS/Reuters/Latinstock Figura 1.6 núcleo básico – EPCO Capítulo 1 34 35 razões. É levá-lo a sério, tanto quanto a si mesmo, admitir a possibilidade de ser para o outro o que o outro é para você. É ver-se com os olhos dele e pensar: O que seria de mim se eu fosse tratado como o estou tratando agora? Nesta situação, se eu fosse ele, como gostaria de ser tratado? 3. Relativizar os interesses em jogo. Perceber nossos interesses e os do outro, avaliando quais os que mais convêm ao bem-viver. Interesse é uma palavra que vem do latim inter esse, o que significa ser ou estar entre vários. Nossos interesses estão entre vários outros de pessoas que convivem e se relacionam conosco. Alguns desses interesses se completam e até se refor- çam, mas outros se contrapõem e se conflitam. Precisamos levá-los em conta, principalmente no segundo caso. Se não puder haver a satisfação de todos os interesses, caso sejam conflituosos, é claro que devem prevalecer aqueles que atenderem melhor ao princípio de valorização da vida e do bem-estar humano. 4. Tratar o outro com justiça, correspondendo à sua expectativa de ser respeitado em seus direitos, necessidades, carências e possibilidades. A justiça é considerada uma virtude, uma boa qualidade. Ela consiste em tratar o outro de acordo com a expectativa que ele tem a respeito de como deve ser tratado, ou seja, com consideração pelos seus direitos, necessidades, carências e possibilidades. Quando esse outro deseja ser tratado com justiça, está esperando que, ao nos relacionarmos com ele, reconheçamos que ele é um nosso igual, que nos coloquemos em seu lugar e levemos em conta também os seus interesses. Em outras palavras, que adotemos as demais posturas de que falamos até agora. Levando tudo isso em consideração, concluímos que, para que sejamos éticos, é muito importante que, em nossos relacionamentos com o outro, pensemos sempre o seguinte: a forma como estou agindo me leva a contribuir para sua felicidade ou infelicidade, para sua saúde ou doença, para que ele se sinta seguro ou amedrontado, valorizado ou diminuído? Nem mesmo os criminosos perdem seus direitos humanos ou podem ser tratados indignamente. É por isso que, nos julgamentos que vão a júri, o trabalho do promotor é fazer os jurados se colocarem no lugar das vítimas. E o papel do advogado de defesa é o de fazê-los ver as coisas do ponto de vista do réu. Finalizamos o capítulo com dois pensamentos para reflexão e discussão: 1. Do ponto de vista moral e ético, considera-se virtuosa a pessoa que é forte o bastante para sempre querer o bem, independentemente de interesses pessoais, e suficientemente corajosa para agir em concordância com ele, mesmo que tenha que enfrentar pressões internas e externas para desestimulá-la a fazer isso. 2. Preste atenção a este pensamento provocativo de Edgar Morin: “A arte de viver é uma navegação difícil entre razão e paixão, sabedoria e loucura, prosa e poesia, correndo o risco de petrificar-se na razão ou de naufragar na loucura” (2005, p. 138). Proposta de atividade 4 Reflita individualmente, troque ideias em grupos e depois em plenária sobre essas duas questões: 1. Quais são os principais obstáculos que encontro no cotidiano para praticar os requisitos da ética na vida pessoal e social? Como superá-los? 2. Como captar e entender no cotidiano as antinomias (contradições entre duas leis ou dois princípios) da arte de viver mencionadas por Edgar Morin? Faça uma síntese das respostas da plenária e a recolha no seu caderno de atividades.
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