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RELAÇÕES DE CONSUMO, CONTRATOS DE ADESÃO E ARBITRAGEM

Por:   •  12/11/2017  •  Resenha  •  9.534 Palavras (39 Páginas)  •  293 Visualizações

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RELAÇÕES DE CONSUMO, CONTRATOS DE ADESÃO E ARBITRAGEM

RICARDO LORETTI HENRICI

LUCAS MAYALL M. DE ARAUJO

Sumário: 1. Introdução – 2. O Código de Defesa do Consumidor – 3. A Lei de Arbitragem e os contratos de adesão – 4. O aparente conflito normativo entre o art. 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor e o art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – 5. A proposta de alteração da Lei de Arbitragem, o veto presidencial e suas possíveis consequências – 6. Considerações finais.

1.INTRODUÇÃO

A utilização da arbitragem como forma de resolução de disputas de natureza consumerista é um tema que despertou grande controvérsia no Brasil. Recentemente, o assunto ganhou destaque no cenário jurídico nacional com a apresentação de uma proposta no anteprojeto de reforma da Lei de Arbitragem1 de inclusão de novos parágrafos no art. 4º do diploma2 e o seu posterior veto presidencial, confirmado recentemente pelo Congresso Nacional.

Não é difícil apontar as razões que levam à existência de debate em torno de submissão de litígios consumeristas à resolução por arbitragem. Por um lado, os consumidores são pessoas capazes e o objeto da disputa costuma ser plenamente disponível — prova disso é o alto índice de transações celebradas em audiências nos juizados especiais de todo o país. Ademais, o próprio Código de Defesa do Consumidor3 incluiu entre seus princípios a adoção de “mecanismos alternativos de resolução de disputa” (art. 4º, V). Por outro lado, a relação de consumo se dá sempre sob a premissa da vulnerabilidade da parte consumidora (Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, I) e, normalmente, por meio de contratos de adesão, cujos termos costumam ser ignorados pelos seus aderentes. Certamente, a previsão, num contrato de adesão, de uma cláusula compromissória vinculando o consumidor a uma arbitragem custosa e com sede em local diverso do seu domicílio poderia inviabilizar o exercício dos direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

O Superior Tribunal de Justiça parecia ter alcançado uma solução ponderada para a questão, observando que o Código de Defesa do Consumidor “se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral”.4

A proposta com o objetivo de incluir os novos §§ 2º e 3º no art. 4º da Lei de Arbitragem proporcionaria maior previsibilidade à matéria, positivando o que já era considerada a exegese do nosso ordenamento jurídico, de acordo com o entendimento da mais alta corte responsável pela interpretação de leis infraconstitucionais no país. Ao conferir maior segurança jurídica ao tema, seria possível estimular o crescimento dessa forma de resolução de conflitos, respeitando-se, evidentemente, os direitos do consumidor, que, pela redação proposta, teria a oportunidade de manifestar livremente sua vontade de se submeter à arbitragem no momento em que instaurado o litígio – ainda que houvesse firmado contrato contendo uma convenção de arbitragem.

Ambos os parágrafos, no entanto, foram objeto de veto presidencial. Na Mensagem de Veto 162, de 26.05.2015, a Presidência da República afirmou que o trecho da proposta acima transcrita estaria em suposta “contrariedade ao interesse público” e acolheu a manifestação do Ministério da Justiça pela rejeição das propostas de inclusão dos novos §§ 2º e 3º ao art. 4º da Lei de Arbitragem.

O veto presidencial ao projeto de alteração da Lei de Arbitragem pode criar incertezas e trazer novas discussões quanto à utilização da arbitragem no direito do consumidor em nosso país. Este artigo analisa as possíveis consequências do veto recém-apresentado pela Presidência da República, realizando um breve retrospecto da discussão quanto à possibilidade de submissão de demandas consumeristas à arbitragem na legislação brasileira.

2.O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor é uma das leis mais importantes de nosso ordenamento jurídico. Seu conteúdo foi disseminado por toda a sociedade e, hoje, é conhecido por grandes empresas, pequenos empreendedores e pelos consumidores. O apelo popular do Código de Defesa do Consumidor é natural na nossa sociedade cada vez mais caracterizada pelo consumo em massa. Neste contexto, não causa qualquer surpresa que uma parte substancial das demandas encaminhadas aos nossos tribunais decorra de relações de natureza consumerista e que esta parcela tenha crescido vertiginosamente desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor.5

A Lei 8.078/1990 é de grande importância, também, por ter sido uma das primeiras e mais inovadoras legislações promulgadas na vigência da Constituição Federal de 1988.6 O Código de Defesa do Consumidor criou um diploma legislativo específico para as relações de consumo, além de antecipar muitas das mudanças a que seria submetido o direito brasileiro, inserindo no direito positivo, pela primeira vez, o princípio da boa-fé objetiva (arts. 4º, III, e 51, III), cada vez mais aplicado às relações jurídicas, além de outros importantes institutos jurídicos, como a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da relação de consumo (art. 28) e os contratos de adesão (art. 54).

Em seus arts. 2º e 3º, o Código de Defesa do Consumidor traz, respectivamente, as definições de consumidor e fornecedor, entre os quais se estabelecem as relações de consumo reguladas pela aludida lei. O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor7 deixa claro que qualquer prestador de serviço ou comerciante pode ser parte de uma relação de consumo e que eventuais ressalvas serão expressamente previstas na legislação.

Um dos principais debates envolvendo o Código de Defesa do Consumidor se deu logo no início de sua vigência em torno da abrangência do conceito de consumidor, o que definiria também o próprio escopo de aplicação da norma. Inicialmente, a orientação do Superior Tribunal de Justiça tendia pela adoção da teoria maximalista,8 pela qual qualquer consumidor seria alcançado pela norma, independente de eventual uso profissional dos bens ou serviços.9

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