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Ação Direita de Inconstitucionalidade contra a Lei Ordinária de n° 12.990

Por:   •  18/9/2017  •  Resenha  •  4.765 Palavras (20 Páginas)  •  358 Visualizações

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ADI 02/2014

Ação Direita de Inconstitucionalidade contra a Lei Ordinária de n° 12.990

VOTO

A SENHORA MINISTRA XXX – A Constituição Federal de 1988 foi promulgada em um contexto pós-regime militar, ratificando daí seu cariz garantista, que se configura na necessidade de se proteger maximamente o indivíduo e seus direitos que, outrora, foram abusivamente infringidos e cerceados.  Ademais, cumpre salientar que a República Velha, período que sucedeu a abolição da escravatura, foi marcada por um governo oligárquico, carente de políticas públicas e medidas que visassem à inserção da “nova camada social” – negros libertos através da Lei Áurea – no bojo da sociedade. Assim, impende dizer que a Carta Magna de 1988 preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos individuais e fundamentais do povo contra as arbitrariedades dos seus governantes, como também trouxe, intrínseco ao seu texto, o objetivo elementar de promoção do bem comum e da paz social. Faz-se, portanto, necessário interpretar o ordenamento jurídico de forma histórico-sistemática em detrimento do entendimento meramente positivista, pois este, desvinculado da finalidade social do sistema jurídico, peca pela inadequação para com o objetivo mor do próprio ordenamento jurídico brasileiro.

Por mais de 300 anos, o negro foi arrancado de sua terra natal; trazido para um país completamente estranho; separado dos seus familiares e da sua língua materna; submetido a condições degradantes e desumanas; intensamente explorado; reprimido e duramente punido através de castigos físicos e humilhações que, não raramente, culminavam em sua morte; desprovido de quaisquer direitos; equiparado a um objeto inanimado qualquer; completamente sujeitado à tirania do seu “senhor”, que tinha controle absoluto sobre a vida do seu escravo; em outras palavras, condenado a uma vida miserável em prol de um sistema escravocrata que, mesmo extinto há três séculos, reflete-se substancialmente na atual estrutura da sociedade brasileira.

Quando, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel decretou, por meio da Lei Áurea, a abolição da escravatura, as ruas foram tomadas por negros alforriados que, embora formalmente livres, não sabiam ler, escrever e encontravam-se inaptos para o exercício de qualquer arte ou ofício que não o trabalho braçal a que foram submetidos ao longo de sua trajetória. O resultado foi uma discrepância catastrófica entre duas camadas sociais: de um lado, os detentores de terra – produtores de derivados da cana de açúcar e cultivadores do café –; do outro, uma massa faminta de “ex-escravos”, sem terras, sem dignidade, sem moradia, sem cidadania, carentes de direitos, marginalizados e discriminados pelo restante da população. A única “política pública” planeada, implementada pouco mais de um ano após a Lei Áurea, foi um novo código criminal, que previa a punição dos “mendigos e ébrios” e “vadios e capoeiras”, explicitando, dessa forma, o descaso governamental em relação à população negra vitimada pela escravidão e pelo racismo -sustentado pelos ditos “brancos” sobre os povos negros.

Nos anos posteriores à escravidão negra brasileira, o País vivenciou variados regimes governamentais. Presenciou a política oligárquica do café com leite; testemunhou a ditadura e o governo populista de Getúlio Vargas; foi oprimido pela ditadura estabelecida pelos militares; e por fim atingiu seus moldes republicanos. Acumulou, nesse processo, um total de sete Constituições, vigorando, atualmente, a Carta Maior de 1988. Conforme já dito, uma das grandes novidades do texto constitucional vigente é o forte acento garantista implícito em suas normas, a enaltecer os direitos fundamentais e as liberdades dos indivíduos. Além disso, a Constituição Cidadã trouxe, em seu cerne, o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento estatal, servindo de critério e parâmetro de valoração para compreensão e interpretação do sistema jurídico brasileiro. Mas como garantir que essa vasta gama de direitos seja respeitada e materializada? Surgem, nesse sentido, previsões constitucionais que remetem à adoção de políticas públicas no intento de efetivar as garantias preconizadas no texto constitucional.

É nesse contexto que nasce a Lei Ordinária 12.990. Criada em nove de junho de 2014, por iniciativa do Congresso Nacional, prevê a reserva de vagas em concurso público de âmbito federal para candidatos que se declarem negros e/ou pardos. Estipula-se, em face da sua natureza de ação afirmativa, sua vigência pelo período temporário de 10 anos, com o fito de assegurar a garantia constitucional da igualdade material entre negros e brancos, resgatar a dívida histórica que o Brasil possui com a população negra e tornar possível a aproximação da composição dos servidores da administração pública federal dos percentuais observados no conjunto da população brasileira. Discutir-se-á nas linhas seguintes a constitucionalidade da lei ordinária supra.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifo nosso).

O texto constitucional, já em seu preâmbulo, assume o compromisso de assegurar ao povo brasileiro a “igualdade e a justiça como valores supremos”. Em seu art. 3º, incisos I e III, a Constituição Cidadã elenca, mais uma vez, dentre os objetivos fundamentais da república federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades regionais e sociais; O art. 5º, por sua vez, traz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos elencados. Diante dos artigos supracitados, nota-se a preocupação constitucional para a construção de uma sociedade justa e igualitária, e, por conseguinte, seu interesse na redução da desigualdade. Cabe, diante o exposto, uma simples reflexão: será que podem ser consideradas inconstitucionais medidas que visem amenizar os danos catastróficos que, mesmo na atualidade, refletem direta ou indiretamente na vida de metade da população brasileira? Torna-se necessário propor uma discussão sobre o conceito jurídico de “igualdade” e, posto isto, sobre a apreciação do termo “justiça”.

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