A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A NÃO RECEPÇÃO DO CODIGO DE PROCESSO PENAL
Por: JULIANA MARGATO • 14/12/2018 • Artigo • 1.549 Palavras (7 Páginas) • 191 Visualizações
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A NÃO RECEPÇÃO DO CODIGO DE PROCESSO PENAL
Nos primórdios da existência humana, a Justiça se fazia pelas próprias mãos, conforme diz o ditado “olho por olho, dente por dente”, desta forma, a punição de um individuo por algo praticado que era considerado ilícito era a mesma ação por ele praticada, ou seja, aquele que matava alguém injustamente teria a pena de morte.
Com o passar do tempo, com a evolução política e social dos povos e com o surgimento do Estado, iniciaram-se a criações de leis e a limitação do poder de decisão do cidadão por conta própria. A segurança social e a ordem passaram a ser um monopólio do Estado, que determinada, muitas vezes de forma autoritária, o que e quem deveria ser punido e a forma dessa punição.
Assim, surge a pena pública, e, consequentemente o Processo Penal, de uma forma mais ampla, como instituição estatal e única estrutura, meio, modo e instrumento legitimo para a solução de um conflito envolvendo um ou mais ilícitos criminais e a eventual aplicação da pena.
A história do direito processual penal, no Brasil, retrata uma historia de relação entre o direito de e de punição, passando por diversas óticas, sendo as questões penais relacionando o homem como sujeito. A história do poder punitivo é rude, pois é capaz de suprimir a liberdade e, em alguns casos até mesmo a própria vida.
O direito processual, diferentemente do direito penal que se preocupa em definir os crimes e atribuir-lhe pena, é aquele que regulamenta o modo de como é demonstrada a verdade sobre o fato típico e, ainda, da responsabilidade criminal, sendo o que determina o quanto e como a pessoa será punida pelos seus atos.
O Brasil se tornou independente em 1822. Apesar desta conquista política, ainda herdamos de Portugal as normas processuais contidas nas Ordenações Filipinas (1603), Manuelinas (1521) e Afonsinas (1456), além de continuar vigorando as leis portuguesas até o surgimento das próprias leis brasileiras.
Com a Constituição Imperial de 1824, determinou-se a elaboração de um código criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade, sendo em 29 de novembro de 1832 aprovado o Código de Processo Criminal, dando autonomia judiciária aos municípios, cujo poder era concentrado nas mãos dos juízes de paz, eleitos pela população local.
Após muitas reformas e constituições promulgadas, em 03 de outubro de 1941 fora criado o Código de Processo Penal que vigora até os dias atuais. Foi criado durante o período da ditadura de Getúlio Vargas, sob a égide e os valores do Estado Novo.
As principais Leis Federais que tutelam basilarmente a persecução penal, continuam sendo as da década de 40, condizentes com a época que entraram em vigor: o Estado Novo’ regime autoritário que perdurou de 1937 a 1945, cuja base jurídica foi a Carta ditatorial de 1937, os quais buscaram inspiração, inclusive, no chamado Codice Rocco italiano, concebido durante o regime fascista enfrentado pela Itália no decorrer de 1930 (QUEIROZ, 2017, p. 23).
A grande influencia para este Código Processual foi a Constituição de 1937, conhecida como Polaca, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, onde se caracterizava a concentração dos poderes nas mãos do chefe do Executivo, com um conteúdo fortemente centralizador, acabando com o liberalismo e admitindo a pena de morte.
Assim, o nosso sistema Processual Penal possui um forte caráter inquisitivo, onde o juiz, ex ofício (sem a provocação das partes), pode determinar a condenação de alguém, independente se existem provas ou não, violando, de forma explicita, os direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Porem, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve significativas alterações do código de Processo Penal, com o intuito de harmoniza-lo a nova ordem constitucional, retirando, assim, suas características inquisitivas, predominando apenas o modelo acusatório.
“Neste contexto, espelhando a Lex Fundamentalis o modelo acusatório e inserindo a legislação infraconstitucional normas que sugerem o modelo inquisitivo, duas soluções se apresentam: ou se considera inconstitucional, por violação do sistema acusatório, todo e qualquer dispositivo infraconstitucional que consagre procedimento incompatível com as regras desse modelo; ou, então, busca-se conferir a tais previsões legislativas interpretações conforme a Constituição Federal. Cogitar de uma terceira possibilidade, qual seja, a coexistência do sistema inquisitivo previsto em dispositivos de legislação infraconstitucional juntamente com o sistema acusatório assegurado em normas constitucionais, a nosso ver, implica negar vigência à Constituição Federal enquanto Lei Maior.” (Avena, 2010, p.16).
Toda a norma aplicada, com base no Direito Processual Penal, deve passar pelo crivo da Constituição Federal de 1988, para se verificar se aquela foi recepcionada por esta, e se está em consonância com os direitos e garantias fundamentais previstos, já que ambas lidam com liberdades publicas e direitos indisponíveis, como o direito de ir e vir, por exemplo.
De acordo com Grinover, citada por Fernandes (2002, p. 16-17):
“o importante é ler as normas processuais a luz dos princípios e das regras constitucionais. É verificar a adequação das leis à letra e ao espirito da Constituição. É verificar os textos legais à luz da ordem constitucional. É, como já se escreveu, proceder à interpretação da norma em conformidade com a Constituição. E não só em conformidade com sua letra, mas também com seu espírito.”
Na nossa atual Constituição Federal, existem fundamentos principiológicos que devem ser observados para a elaboração, interpretação e aplicação das normas jurídicas existentes em nosso país.
Assim, entende-se que a Constituição é uma norma hipotética fundamental que constitui como fundamento de validade ultima de todo o ordenamento jurídico, sendo a lei suprema do Estado.
Com isso, deveria ter acontecido uma reescritura das normas infraconstitucionais com objetivo de alinhar e harmonizar todo o ordenamento jurídico, rompendo com toda a base ditatorial e eliminando qualquer resquício inquisitorial.
Houve uma recepção formal da Constituição com o ordenamento jurídico penal vigente, contudo não ocorreu uma recepção constitucional material, pois tais Códigos estão quase totalmente influenciados por ideologias, sistema de estado, sistema de governo, sistema processual distintos
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