A Evolução dos Direitos Fundamentais
Por: Ricardo Brito • 6/6/2016 • Trabalho acadêmico • 1.861 Palavras (8 Páginas) • 382 Visualizações
(Dirley da Cunha Jr.)
A consciência ética coletiva, como fundamento filosófico último dos direitos fundamentais, não é um fenômeno estático, paralisado no tempo. Ela amplia-se e aprofunda-se com o evolver da História. Se a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, a impor o aparecimento dos primeiros direitos humanos, relativamente às liberdades públicas, a exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as virtualidades do ser humano é, assim, intensificada no tempo e traduz-se, necessariamente, pela formulação de novos direitos fundamentais. É esse movimento histórico de expansão e afirmação progressiva dos direitos humanos fundamentais que justifica o estudo de sua evolução no tempo. Daí falar-se em "gerações" ou "dimensões" de direitos, ou seja, em direitos de primeira, de segunda e de terceira geração ou dimensão, que correspondem a uma sucessão temporal de afirmação e acumulação de novos direitos fundamentais. Isso leva, por conseguinte, a uma consequência fundamental: a irreversibilidade ou irrevogabilidade dos direitos reconhecidos, aliada ao fenômeno de sua complementaridade. Quer dizer, o progressivo reconhecimento de novos direitos fundamentais consiste num processo cumulativo, de complementaridade, onde não há alternância, substituição ou supressão temporal de direitos anteriormente reconhecidos.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, às liberdades públicas – consideradas por este autor o núcleo dos direitos fundamentais - se agregam os direitos econômicos e sociais e depois os direitos de solidariedade, mas estes últimos direitos não renegam aquelas liberdades, visam antes completá-Ias. É necessário, todavia, advertir que essa tradicional distinção entre os direitos da primeira e os da segunda geração é meramente gradual, nunca substancial, porquanto muitos dos direitos fundamentais clássicos foram reinterpretados como sociais, ganhando nova dimensão. Ademais, no Estado moderno, os direitos fundamentais clássicos - os da primeira geração - estão cada vez mais dependentes do poder público, deste reclamando prestações materiais sem as quais o indivíduo sofre sérias ameaças em sua liberdade. Assim, os direitos sociais, típicos direitos da segunda geração, devem ser considerados também como instrumento de viabilização das próprias liberdades públicas, cujo gozo pressupõe o direito de acesso aos meios de existência. As liberdades públicas tornar-se-iam pura utopia se o poder público não interviesse para criar as condições materiais necessárias que habilitassem o indivíduo a efetivamente exercê-las. Nesse sentido, as diversas gerações ou dimensões de direitos fundamentais não podem ser examinadas isoladamente, pois a certeza e eficácia de uma dependem da certeza e eficácia das demais.
Os direitos fundamentais, como vimos, buscam resguardar o homem em sua liberdade, igualdade e fraternidade. Isso já era noticiado no lema da revolução francesa, que "exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade". Os direitos fundamentais, destarte, passaram a se manifestar institucionalmente em três gerações ou dimensões sucessivas, dando ensanchas ao surgimento dos direitos da primeira, da segunda e da terceira geração ou dimensão, que correspondem, respectivamente, aos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade. Foi o jurista tcheco-francês Karel Vasak, em 1979, em uma conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo, e inspirado nos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), o primeiro a propor essa divisão dos direitos humanos em gerações.
Mas já se fala tranquilamente em direitos de quarta geração ou dimensão. E isso é natural, porque a essência do ser humano é evolutiva, uma vez que a personalidade de cada indivíduo é sempre, na duração de sua vida, algo incompleto e inacabado, uma realidade em contínua transformação. Toda pessoa é um ente em processo de vir-a-ser, que evolui não apenas no plano biológico, mas também no plano cultural. E é bem verdade que os da quinta e da sexta geração poderão surgir e ser reconhecidos no futuro próximo, porque nós estamos vivendo apenas uma fase da evolução dos direitos fundamentais, uma evolução que já iniciou desde o século XVIII, com as Declarações de Direitos, até a data presente, mas que continua a seguir. Até porque, como bem ressalta Bobbio, os direitos do Homem não nascem todos de uma vez.
"Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem - que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens - ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às primeiras, correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado:'"°
As gerações dos direitos revelam a ordem cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das condições sociais. A dizer, o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão causar substanciais alterações na organização da vida humana e das relações sociais a propiciar o surgimento de novas carências, suscitando novas reivindicações de liberdade e de poder.
Uma explicação prévia, contudo, se impõe. É que, para alguns autores, a expressão gerações de direitos é equívoca, circunstância que os anima a propor, com vantagem lógica e qualitativa, a sua substituição pela expressão dimensões de direitos, segundo o argumento de que o termo gerações "pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra", quando, na verdade, como este próprio trabalho já teve a oportunidade de acentuar linhas atrás, o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais é marcado pela nota característica da complementaridade ou cumulabilidade. Todavia, cremos que, só por esse fundamento, não se justificam as preocupações desses autores, haja vista que, como todos sustentam, inclusive eles próprios, a afirmação progressiva dos direitos fundamentais ocorre no âmbito de um processo cumulativo e complementar, de modo que os direitos das gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das novas gerações.
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