A Expressão direito alternativo surge
Por: Denis Souza • 28/10/2017 • Ensaio • 1.498 Palavras (6 Páginas) • 303 Visualizações
Direito Alternativo A expressão direito alternativo surge, nesse cenário, como conse- qüência da crise do Estado e, ao mesmo tempo, passa a ser causa potenciali- zadora dessa crise de paradigma. A expressão comporta vários significados, conforme pode se notar372. No tocante ao uso do direito alternativo diz respeito a um grupo de juízes do Rio Grande do Sul que, a partir da década de 80, preocupados com as insuficiências do direito positivo em engendrar justiças sociais, passaram a interpretar a lei no sentido de beneficiar as camadas mais carentes da popula- ção. A solução para os conflitos não precisa, necessariamente, ser encontrada no direito. Ainda que essa interpretação fosse contra a lei, acreditam os defen- sores desse movimento, não seria uma interpretaçãocontra o direito. Em 25.10.1990 o Jornal da Tarde, em São Paulo, publica artigo, de autoria do jornalista Luiz Maklouf, intitulado Juízes gaúchos colocam di-
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Anderson Rosa Vaz 260 reito acima da lei. A intenção, segundo Lédio Rosa de Andrade, era ridicula- rizar os juízes gaúchos que faziam ouso do direito alternativo373. Intencio- nal ou não, o artigo serviu para divulgar a existência desse grupo de juízes no Rio Grande do Sul. Ainda em referência à expressãouso do direito alternativo, há que se destacar dois autores: Amílton Bueno de Carvalho e Edmundo Lima de Arruda Júnior. Magistrado gaúcho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desde maio de 1998, Amilton Bueno de Carvalho é apresen- tado como o líder das discussões que, ainda na década de 80, reuniam juízes para discutir sobre novas possibilidades de aplicação do direito. Para esse autor, não se tratava de abandonar o direito positivado pelo Estado. Contudo, entre a aplicação fria da lei e a Justiça, o aplicador deveria ficar sempre com esta. Crítico do positivismo e da escola da exegese, entende que o jurista deve sempre estar comprometido com a transformação da sociedade, bus- cando o direito em espaços informais, no ambiente da vida. Lédio Rosa de Andrade, comentado o pensamento desse autor, escreve que “ para ele, o Direito, visto como lei, nada mais é do que o triunfo da ideologia da classe dominante. Energicamente, busca desmistificar a neutralidade jurídica, principalmente da no
rma posta pelo Estado”374. O segundo autor a se destacar é Edmundo Lima de Arruda Júnior. Professor na Universidade Federal de Santa Catarina, era o responsável pelos encontros internacionais de direito alternativo. No plano externo, apresenta como fator relevante para o surgimento do direito alternativo a crise da socie- dade capitalista e das estruturas do Estado burguês. No plano interno, vincula o direito à luta de classes, não se contentando com um uso alternativo do direito, defende a utilização, no plano prático, de direitos alternativos com vistas ao estabelecimento definitivo da democracia social. Outros autores merecem referência. No direito público, no plano da crítica intradogmática, José Ribas Vieira, Eros Roberto Grau, Fábio Konder Comparato, Clémerson Merlin Clève, Willis Santiago Guerra Fiho, Eduardo Carrion, Luís Roberto Barroso, José Eduardo Faria, José Geraldo de Souza Júnior, João Baptista Herkenhoff, Cândido Rangel Dinamarco. No direito privado Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Paulo Luiz Neto Lôbo. A lista, óbvio, é meramente exemplificativa. A verdade é que, mes- 373 Sobre a história do direito alternativo no Brasil, ver ANDRADE, Lédio Rosa. Introdu- ção ao direito alternativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 374 ANDRADE, Lédio Rosa. Op. cit., p. 114.
mo no plano do direito instituído, a perspectiva do estudo do direito tende a ser crítica e participativa, em detrimento de uma formação contemplativa e alienada375. Todo esse esforço jurisprudencial e acadêmico consolidara quatro técnicas hermenêuticas utilizadas quando do uso do direito alternativo: a) interpretação meramente dedutiva quando a lei for justa; b) interpretação ampliativa da lei considerada justa; c) interpretação alternativa do direito, privilegiando a justiça social e a dignidade da pessoa humana, quando não for possível aplicar a lógica dedutiva nem a interpretação ampliativa; d) sempre que a lei conflitar com a justiça, a decisão deve ser contra a lei376. A título ilustrativo, veja-se a seguinte jurisprudência para que se possa observar na prática do direito o efeito dessa teoria. A 2ª Câmara Cri- minal do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul ampliou, mesmo que contra a letra fria da lei, o conceito de furto famélico, aceitando-o não apenas para a subtração de alimentos mas também para o réu faminto que furta instrumentos de trabalho para a atividade laboral e sustento da vida: Não é possível condenar o agricultor faminto que subtrai do comerciante o arado para lavrar a terra, o pescador que surrupia o anzol para sacar das águas a subsistência. Da mesma forma o lenhador que furta máquina indispensável ao seu penoso ofício. Disse o digno Procurador de Justiça parecerista que o bem é relativamente valioso. Valioso ao extremo para o apelante, pois se confunde com a própria fonte de vida, de sustento, de sobrevivência. Furtasse uma galinha ou uma ovelha para devorar, cer- tamente seria absolvido por famélico comportamento, assim como já fora aquele ilhéu miserável da capital que engolia uma salsicha no balcão fri- gorífico de majestoso hipermercado de Porto Alegre, solenemente apre- sentado preso à 10ª Vara Criminal. Por que razão, assim, deixar de ab- solver aquele que subtrai o instrumento de trabalho próprio de seu ofí- cio? Furtou para poder trabalhar e sobreviver e não para obter ganho fácil com a venda vil377. Outro sentido do direito alternativo é reservado para a expressão uso alternativo do direito – não confundir com o primeiro sentido uso do direito alternativo. Esse movimento tem origem na Itália por volta de 1970. Trata-se de uma atuação dentro do próprio direito positivo, ainda que os magistrados estivessem inconformados com a estrutura e a forma de julgar tradicional. 375 Para uma perspectiva da doutrina crítica brasileira, ver WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 2. ed. São Paulo: Acadêmica, 1995. 376 ANDRADE, Lédio Rosa. Op. cit., p. 189. 377 In: ANDRADE, Lédio Rosa. Op. cit., p. 204.
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