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A Responsabilidade Civil por Erro Médico

Por:   •  2/5/2019  •  Monografia  •  6.406 Palavras (26 Páginas)  •  312 Visualizações

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO - ERRO DE DIAGNÓSTICO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) - INCIDÊNCIA - CLÍNICA DE ULTRASSONOFRAFIA - MÉDICO CONTRATATO PARA REALIZAÇÃO DO EXAME - MÁ-FORMAÇÃO DO FETO - AUSÊNCIA DE UM VENTRÍCULO - DEVER DE INFORMAÇÃO - DESCUMPRIMENTO - POSSIBILIDADE DE SOBREVIDA, COM CUIDADOS MÉDICOS - TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE - APLICAÇÃO - DANO MORAL - CONFIGURADO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CLÍNICA E DO MÉDICO - CARACTERIZADA. Comprovado erro de diagnóstico por médico que realizou a ultrassonografia fetal, configurado está o dano moral sofrido pelos pais. A margem de erro de 15% no exame não pode servir para justificar a não identificação da má-formação no feto. Caso não possa verificar-se por meio de exame de ultrassonografia a má-formação fetal, o médico deve solicitar exame mais sofisticado. A falta de informação no laudo de ultrassom quanto à possibilidade de falha no patamar de 15% no exame resulta no descumprimento do dever de informação. A falha no diagnóstico enseja a perda da oportunidade de cura ou mesmo de alongamento da vida. "A teor do art. 14, caput, do CDC, tem-se que o hospital responde objetivamente pelos danos causados ao paciente-consumidor em casos de defeito na prestação do serviço." (STJ, AgRg no AREsp 768239 / MT, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA, data do julgamento: 16/02/2016, Data da Publicação/Fonte: DJe 24/02/2016).  (TJMG -  Apelação Cível  1.0324.14.011546-4/001, Relator(a): Des.(a) José Augusto Lourenço dos Santos , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/08/2017, publicação da súmula em 23/08/2017)

V O T O

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença de fls. 361/370, proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Itajubá, que, na ação de reparação de danos morais, formulada por PAULO RENATO GERMINIANI RIBEIRO e MARIANA RANGEL GONZAGA contra EDMAR MESSA e CENTRO MÉDIDO DO VALE DO SAPUCAÍ, julgou improcedente o pedido formulado pelos autores, por ausência de nexo de causalidade entre a conduta do requerido Edmar Messa na realização do exame de ultrassom e o falecimento do filho dos autores. Com relação ao segundo requerido, julgou improcedente o pedido dos autores, por ter acolhido a preliminar de ilegitimidade passiva. Quanto à sucumbência, condenou os autores ao pagamento de 50% das custas e dos honorários advocatícios em favor dos réus, no valor fixado em R$ 500,00, isentando-os do pagamento, porque deferida a gratuidade de justiça. 

O primeiro réu chamou à lide: (i) o hospital onde ocorreu o parto; (ii) o médico obstetra que acompanhou a gestação da genitora; e (iii) a médica que, juntamente com o obstetra realizou o parto. O Juiz de 1º grau, na sentença, os excluiu do polo passivo da demanda, quando acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva.

Inconformados com a sentença, os autores apresentaram recurso de apelação às fls. 375/381 em face dos primeiros requeridos. Nas suas razões de recurso, alegaram, em síntese, que: (i) o pedido inicial não versa exclusivamente sobre reparação de danos morais pela perda do bebê, mas na reparação por todas as condições em que se deu a perda; (ii) houve grave erro médico, quando o réu visualizou quatro cavidades cardíacas e depois se constatou que eram três; (iii) ainda que se entenda que a criança morreria em razão do problema cardíaco, o que é difícil afirmar, teria ela uma chance de tratamento. Ao final, pugnam pela reforma da sentença para que seja reconhecido o erro médico do primeiro requerido, bem como a responsabilidade do segundo requerido, condenando-os a reparar os danos morais a que deram causa. 

Em contrarrazões, o apelado Edmar Messa pugnou pela manutenção da sentença (fls. 388/393). A segunda requerida não apresentou contrarrazões. 

Preparo à fl. 382.

É, no essencial, o relatório.

Fundamento. Decido.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Não foram arguidas preliminares. Igualmente, não vislumbro qualquer nulidade a ser declarada de ofício, razão pela qual passo ao exame do mérito.

O cerne da controvérsia reside em aferir se houve erro no diagnóstico do recém-nascido e se, devido a esse erro, restou consubstanciado nexo de causalidade de modo a se condenar os requeridos ao pagamento de indenização por dano moral. 

Inicialmente, deve ser evidenciado que a relação existente entre as partes é de consumo, por se enquadrar no conceito disciplinado no art. 3º, § 2º do CPC, que deve ser aplicado ao feito.

No caso em apreciação, os autores formularam pedido de indenização por danos morais contra os requeridos, sob o argumento de que houve erro de diagnóstico quanto a seu filho, na época com 20 semanas de gestação, conforme se lê da leitura do laudo: 

Tórax: Coração comportando quatro cavidades simétricas, com volume normal, cruzamento dos vasos na base evidenciados e normais, ecogenicidade pulmonar normal.

Ocorre que, passados alguns dias após o nascimento a criança foi levada às pressas ao hospital, onde a médica cardiopediatra realizou exame de "ecodopplercardiograma pedriática com mapeamento de fluxo de cores", no qual restou detectado:

Ventrículo único esquerdo com desempenho sistólico diminuído. Aumento moderado de átrios. Câmara rudimentar hipoplásica e anterior. Disfunção moderada do ventrículo único. 

Esse o objeto da lide.

Passo à análise do conjunto probatório.

As partes pleitearam a produção de prova testemunhal, sendo ouvidos: o autor, os médicos que realizaram o parto e a médica que realizou o laudo de fl. 25.

Transcrevo parte dos depoimentos que entendo relevantes para o julgamento da causa:

Depoimento do réu Edmar Messa, constante de fl. 332:

[...] Que quando a autora estava com uma gestação em torno de 20 semanas o depoente foi o médico que nela praticou o exame de ultrassonografia; que no exame que procedeu, precisamente "obstétrico morfológico", nada detectou de anormal; que neste exame é visto também a parte interna do coração do feto, sendo dois ventrículos (esquerdo e direito) e duas cavidades superiores; que estes exames garantem 85% de precisão, podendo em alguns casos ocorrer falhas em razão de apresentação do feto, que poderia sugerir até divisões internas no coração por sombra; que realmente concluiu seu laudo pela normalidade; que após o óbito é que tomou conhecimento de que a criança só possuía um único ventrículo; que apenas o exame de "ecocardiografia fetal" realizado entre 27 e 30 semanas de gestação é que poderia dar precisão na anomalia em questão; que no entanto este último exame não faz parte da rotina da clínica obstetra em questão, só sendo recomendável em caso de algum suspeita por auscultação cardiológica fetal ou se o primeiro exame de ultrassom realizado entre 13 e 14 semanas, detectar alguma anomalia e que foi feito pelo depoente;[...] que não pediu outro exame complementar uma vez que não visualizou qualquer anormalidade no primeiro exame que realizou;.



Depoimento do médico Roger Willian Moraes Mendes à fl. 335:

[...] que desde as 27 semanas de gestação tornou-se o médico ginecologista que acompanhava o pré-natal da autora; que chegou a auscultar os batimentos cardíacos do feto e estes eram normais; que no final além do exame feito pelo requerido Dr. Edmar, outro exame de ultrassonografia foi feito; que este segundo exame é menos abrangente que o primeiro; que o primeiro exame realizado pelo Dr. Edmar dá para ver as cavidades internas do coração do feto; que provavelmente existindo um único ventrículo no feto tal poderia ser constatado naquele exame; que existe no entanto uma margem de erro em torno de 15%, que faz parte da literatura médica. [...] que apenas existindo alguma sugestão de anomalia do primeiro exame que foi realizado pelo Dr. Edmar é que ensejaria ao ora depoente pedir a realização de um "ecodopller fetal" ou se a paciente for de risco, o que não era o caso; [...] que é difícil no percentual de 15% de erro no exame de ultrassonografia morfológico, ensejar a falta de um ventrículo; que o médico não vendo um dos ventrículos por obvio lança tal em seu laudo e sugere um "eco"; que é difícil existirem dois ventrículos e durante o amadurecimento da gestação tornar-se um, desconhecendo qualquer caso neste sentido; que é difícil existir diferença entre o primeiro exame de ultrassonografia e o eco, no tocante ao número de câmaras do coração. (Destaque nosso)



Depoimento da médica Tania Massini Evangelista, à fl. 331:

[...] que foi médica pediatra atuante no parto da autora; [...] que na ultrassonografia morfológica do feito não constava qualquer anormalidade; [...] que quando a criança voltou ao Hospital depois de alguns dias a depoente encontrou-se com os pais na emergência e no início participou daquele atendimento; que outro pediatra plantonista assumiu o procedimento, a criança foi para a UTI, mas entrou em óbito; que foi feito um eco na UTI, quando então constatou-se que a criança só teria um ventrículo; [...] que o resultado do eco em apontar um único ventrículo não enseja margem de erros; que possuindo o feto três cavidades e não quatro como dito normal, tal já era para ser constatado no ultrassom morfológico. [...] que reafirma a possibilidade de erro de 15% na ultrassonografia morfológica, mas não se ver quatro câmaras e depois se constatar apenas três; [...] que não é normal repetir o exame de ultrassonografia morfológico; que no caso em questão se constatada tal anomalia neste último exame o eco seria o subsequente ou em caso de não se enxergar o coração como no caso a recomendação seria a transferência para um hospital que faça cirurgia cardiológica neo natal; [...] que é normal o bebe possuir um canal, que complemente momentaneamente a falta de um ventrículo, porém com o passar do tempo tal canal se obstrui normalmente gerando o colapso cardíaco; que este canal não se confunde com um ventrículo. (Destaque nosso).



Depoimento da médica cardiopediatra Flávia Pasquinelli de Sales Cabral, à fl. 334 e vº:

[...] que foi a médica com especialidade em cardiopediatria que atendeu a criança em questão na UTI do Hospital Escola de Itajubá; que com um aparelho que possui realizou um ecocardiograma a beira do leito e dele pode constatar uma deformidade no coração daquela criança que possui apenas três cavidades faltando um ventrículo; [..] que médico na ultrassonografia morfológica para constatar tal anomalia de plano depende de seus conhecimentos, da qualidade de seu aparelho, da posição fetal e do biótipo da mãe; [...] que no entanto não existe a possibilidade do médico na ultrassonografia visualizar quatro cavidades e depois se constatar que na realidade eram três como no caso; que no caso em questão mesmo se constatada a anomalia durante a gestação, não caberia intervenção intrauterina, mas uma programação de parto em local, qual seja, que possuísse cirurgia cardíaca para recém nascido a exemplo do Incor; que no caso em questão ainda que tal ocorresse dificilmente a criança chegaria na fase adulta diante da soma das anomalias. [...] que em condições normais, de uma mãe com biótipo favorável, o feto em posição favorável também, com aparelho adequado, talvez os detalhes mais complexos das anomalias que constatou não fossem ali detectados, com aquela precisão do diagnóstico da declarante, porém alguma suspeita de alteração poderia ser constatada, como a principal, qual seja, a falta de um ventrículo; [...] que existe a possibilidade de sobrevida, até a fase adulta inclusive, sendo apenas um ventrículo, porém, com cuidados médicos; [...] (Destaque nosso).

Importante, para o julgamento, saber que o juízo monocrático indeferiu a produção da prova pericial, porque, ao ser ouvido, o médico réu (autor do primeiro laudo), afirmou que dificilmente o ecocardiograma poderia apresentar um resultado equivocado do diagnóstico das três cavidades encontradas, uma vez que realizado diretamente e sem barreiras.



Da responsabilidade do médico



Do laudo de ultrassonografia, realizado por imagem, com o objetivo de estudo morfológico do feto, houve afirmação peremptória de que o feto tinha as quatro cavidades do coração.

Tal fato é incontroverso. Foi atestado no laudo:

Tórax: Coração comportando quatro cavidades simétricas, com volume normal, cruzamento dos vasos da base evidenciados e normais, ecogenicidade pulmonar normal. 



Esse erro de avaliação não pode ser qualificado como escusável. De fato, a afirmação de que o coração do feto tinha as quatro cavidades normais, e, após o nascimento, se verificar que o músculo cardíaco do recém-nascido tinha apenas 03 (três) cavidades, aponta o completo desrespeito ao dever do médico de agir com diligência, porquanto dele se espera uma avaliação confiável do exame. 

Tratando-se de diagnóstico por imagem, a doutrina e parcela da jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a obrigação destes profissionais é de resultado, isso porque o médico utiliza-se de sua técnica com uma finalidade certa: diagnosticar e emitir um parecer sobre determinado órgão ou circunstância do paciente. 

Nessa trilha, o que se espera do médico especialista em radiologia para a realização de diagnóstico por imagem, é que apresente um parecer preciso sobre a imagem estudada, quando da realização do exame, ou seja, espera-se uma obrigação de resultado.

Se as imagens obtidas na ultrassonografia são inconclusiva, deveria o médico/réu solicitar exames mais complexos - o que não fez - de forma a evidenciar que teve certeza da conclusão por ele obtida quando emitiu o laudo. 

Sobre o tema, a jurisprudência do c. STJ, já se definiu pela presença de obrigação de resultado na atuação de médico responsável pela ultrassonografia. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ERRO DE DIAGNÓSTICO. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.

DANO MORAL. VALOR RAZOÁVEL. AGRAVO DESPROVIDO.

1. "Este Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que configura obrigação de resultado, a implicar responsabilidade objetiva, o diagnóstico fornecido por exame médico" (AgRg nos EDcl no REsp 1.442.794/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe de 19/12/2014). Precedentes.

[...] (AgRg no AREsp 779.117/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 16/12/2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. DIAGNÓSTICO DE GESTAÇÃO GEMELAR. EXISTÊNCIA DE UM ÚNICO NASCITURO. DANO MORAL CONFIGURADO. EXAME. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 

I - O exame ultrassonográfico para controle de gravidez implica em obrigação de resultado, caracterizada pela responsabilidade objetiva.

II - O erro no diagnóstico de gestação gemelar, quando existente um único nascituro, resulta em danos morais passíveis de indenização. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 744.181/RN, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 26/11/2008)



RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXAME MÉDICO. BIÓPSIA. FALSO DIAGNÓSTICO NEGATIVO DE CÂNCER. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL E DANO ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 387/STJ. DECISÃO AGRAVADA, QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. Na espécie, narram as decisões recorridas que a emissão de resultado negativo de câncer, quando, na verdade, o diagnóstico era positivo, retardou de tal forma o tratamento que culminou, quando finalmente descoberto, em intervenção cirúrgica drástica provocando defeito na face, com queda dos dentes e distúrbios na fala; contudo, não a tempo suficiente a fim de evitar o sofrimento e o óbito do paciente.

2. Este Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que configura obrigação de resultado, a implicar responsabilidade objetiva, o diagnóstico fornecido por exame médico. Precedentes. [...] 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1117146/CE, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 22/10/2013)

Anote-se que todos os médicos, embora tenham afirmado a possibilidade de erro no exame de ultrassonografia em torno de 15%, reconheceram não ser possível, ao médico que emitiu o laudo, deixar de verificar que o feto não tinha os quatro ventrículos. Veja:

Depoimento do médico Roger Willian Moraes Mendes à fl. 335:

[...] que o primeiro exame realizado pelo Dr. Edmar dá para ver as cavidades internas do coração do feto; que provavelmente existindo um único ventrículo no feto tal poderia ser constatado naquele exame; que existe, no entanto uma margem de erro em torno de 15%, que faz parte da literatura médica. [...] que apenas existindo alguma sugestão de anomalia do primeiro exame que foi realizado pelo Dr. Edmar é que ensejaria ao ora depoente pedir a realização de um "ecodopller fetal" ou se a paciente for de risco, o que não era o caso; [...] que é difícil no percentual de 15% de erro no exame de ultrassonografia morfológico, ensejar a falta de um ventrículo; que o médico não vendo um dos ventrículos por obvio lança tal em seu laudo e sugere um "eco"; que é difícil existirem dois ventrículos e durante o amadurecimento da gestação tornar-se um; [...] (destaque nosso)

Depoimento da médica Tania Massini Evangelista, à fl. 331:

[...] que o resultado do eco em apontar um único ventrículo não enseja margem de erros; que possuindo o feto três cavidades e não quatro como dito normal, tal já era para ser constatado no ultrassom morfológico. [...] que reafirma a possibilidade de erro de 15% na ultrassonografia morfológica, mas não se ver quatro câmaras e depois se constatar apenas três; [...] que não é normal repetir o exame de ultrassonografia morfológico; que no caso em questão se constatada tal anomalia neste último exame o eco seria o subsequente ou em caso de não se enxergar o coração como no caso a recomendação seria a transferência para um hospital que faça cirurgia cardiológica neo natal; [...] que é normal o bebe possuir um canal, que complemente momentaneamente a falta de um ventrículo, porém com o passar do tempo tal canal se obstrui normalmente gerando o colapso cardíaco; que este canal não se confunde com um ventrículo. (Destaque nosso).



Depoimento da médica cardiopediatra Flávia Pasquinelli de Sales Cabral, à fl. 334 e vº:

[...] que, no entanto, não existe a possibilidade do médico na ultrassonografia visualizar quatro cavidades e depois se constatar que na realidade eram três como no caso; que em condições normais, de uma mãe com biótipo favorável, o feto em posição favorável também, com aparelho adequado, talvez os detalhes mais complexos das anomalias que constatou não fossem ali detectados, com aquela precisão do diagnóstico da declarante, porém alguma suspeita de alteração poderia ser constatada, como a principal, qual seja, a falta de um ventrículo; [...] (Destaque nosso).



Em busca em "sítios" especializados de rede mundial de computadores, colhe-se de artigo publicado pela Unidade de Cardiologia Fetal do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/ Fundação universitária de Cardiologia = Porto Alegre (http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X 1997 00090 00 14). Confira-se:

A síndrome da hipoplasia do coração esquerdo é uma das cardiopatias fetais de mais fácil diagnóstico, já que a grosseira diminuição da cavidade ventricular esquerda é evidente ao corte de 4-câmaras, mesmo para o observador menos experiente. Durante o rastreamento ultra-sonográfico obstétrico, a desproporção de tamanho dos ventrículos é geralmente detectada, com consequente encaminhamento da gestante para ecocardiografia fetal. 

O diagnóstico da maioria das malformações cardíacas fetais é possível de ser realizado ao ECO fetal, sem maiores dificuldades. Entretanto, como já foi enfatizado, é fundamental que o conhecimento básico do coração normal e patológico seja estendido aos ultra-sonografistas obstétricos. Durante a ecografia rotineira, a observação de um achado potencialmente anormal deve levar o examinador a encaminhar a gestante para centro especializado, onde o ECO fetal com mapeamento a cores confirmará ou afastará a suspeita de cardiopatia. Se o diagnóstico de uma malformação cardíaca for estabelecido, a conduta terapêutica dependerá do local de atendimento, do comprometimento funcional atual, potencial ou previsível e da maturidade fetal. A par do tratamento clínico medicamentoso, o transporte intra-uterino do feto, o planejamento do atendimento perinatal ou a intervenção intra-uterina poderão ser equacionados. (Destaque nosso).

Na sentença ora em apreciação, o juízo monocrático firmou seu convencimento no fato de que a doença da qual a criança falecida padecia era de extrema gravidade e sem a mínima chance de vida.

No meu modo de ver, com todo respeito ao entendimento do Magistrado a quo, da prova colhida, não se pode chegar a essa conclusão.

De fato, quando ouvidos em audiência, os médicos deixaram evidenciado que haveria a possibilidade (se não da cura), pelo menos de uma chance de vida. Vejamos:

[...] que no caso em questão se constatada tal anomalia neste último exame o eco seria o subsequente ou em caso de não se enxergar o coração como no caso a recomendação seria a transferência para um hospital que faça cirurgia cardiológica neo natal [...] (Depoimento da médica Tania Massini Evangelista, à fl. 331) (Destaque nosso).



[...] que no caso em questão mesmo se constatada a anomalia durante a gestação, não caberia intervenção intrauterina, mas uma programação de parto em local, qual seja, que possuísse cirurgia cardíaca para recém nascido a exemplo do Incor; que no caso em questão ainda que tal ocorresse dificilmente a criança chegaria na fase adulta diante da soma das anomalias. (Depoimento da médica cardiopediatra Flávia Pasquinelli de Sales Cabral, à fl. 334 e vº)



Contudo, no mesmo depoimento, afirmou categoricamente:

[...] que em condições normais, de uma mãe com biótipo favorável, o feto em posição favorável também, com aparelho adequado, talvez os detalhes mais complexos das anomalias que constatou não fossem ali detectados, com aquela precisão do diagnóstico da declarante, porém alguma suspeita de alteração poderia ser constatada, como a principal, qual seja, a falta de um ventrículo; [...] que existe a possibilidade de sobrevida, até a fase adulta inclusive, sendo apenas um ventrículo, porém, com cuidados médicos; [...] (destaque nosso)



Bem de se ver que, embora as médicas divirjam sobre as alternativas de tratamento: (i) via intrauterina e/ou (ii) cirurgia cardíaca para recém-nascido junto ao Incor, o que se constatou foi a possibilidade de sobrevida até se alcançar a fase adulta, mesmo com apenas um ventrículo, porém com cuidados médicos.

Nesse diapasão, incorreto afirmar, diante da prova colhida, que a criança não sobreviveria. Na verdade, tal desiderato seria possível caso houvesse tratamento adequado, e desde que se soubesse de antemão a presença apenas de três ventrículos. Importa no caso, reconhecer que haveria chance de sobrevida. Quanto ao futuro, não cabe aqui afirmar se a criança sobreviveria por um mês, um ano ou mais anos. 

Aliado a isso, não cabe ao Estado-Juiz avaliar questões de alta indagação científica, nem aferir o tempo de sobrevida da criança. Só está adstrito ao juízo verificar, de acordo com o caderno probante, se houve falha humana, e consequentemente, erro inescusável pelo profissional da medicina.

Por outro lado, faltou o réu com o dever de informação, porquanto, fosse o caso de falha no ultrassom ou mesmo a possibilidade de margem de erro, deveria ter feito constar no seu laudo tal fato, de forma a prevenir aos pais, de forma que pudessem realizar novo exame ou exame mais específico.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor dá especial relevância à informação devida pelo fornecedor de produtos e serviços ao consumidor, pelo que se infere, dentre outros, dos art. 4º, IV, 6º, II, 31, 46, 52 e 54.

Com efeito, da oitiva de vários médicos, todos envolvidos no tema relacionado ao laudo emitido pelo primeiro réu, conclui-se que o exame realizado na paciente tem, pela literatura médica, 15% de possibilidade de dar resultado inconclusivo. 

Contudo, dos depoimentos tomados, extrai-se a certeza de que não se aferia possível, mesmo com a probabilidade de erro de 15%, deixar de se verificar a existência de apenas três cavidades no coração do feto.

Nesse sentido, colhe-se dos ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho:

[...] É nesse cenário que aparece a relevância do dever de informar. [...] Na verdade, o direito à informação está no elenco dos direito básicos do consumidor: 'informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem como os riscos que apresentam' (art. 6º, inc. III do CDC). (CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de responsabilidade Civil, 12ª edição, São Paulo, ed. Atlas, 2015, p. 472/473 e 480/481.)



Depreende-se dos autos que a parte autora passou por toda a gestação acreditando gerar um feto saudável, quando foi surpreendida, após o parto, com o nascimento de um bebê com anomalias cardíacas, que resultaram em seu falecimento.

Nessa senda, conclui-se que houve falha no serviço prestado pelo médico, quando da elaboração do laudo de ultrassonografia.



Da responsabilidade da clínica médica



Passo, nessa fase a apreciar eventual responsabilidade da clínica médica.

A segunda ré, não apresentou contrarrazões.

Da leitura atenta de sua contestação de fls. 126/135, contata-se ter afirmado que:

[...] não tem Serviço de Ultrassonografia, como alegado na inicial, mas sim, para a realização de exames de ultrassonografia, contrata empresas para a realização desses exames. No presente litígio o Requerido contratou a empresa do outro requerido para realizações de exames, em suas instalações físicas, a CEDUIT Centro de Diagnóstico em Ultrassonografia de Itajubá Ltda., responsável pela execução dos exames. 

O outro requerido, através de sua empresa acima mencionada, há muitos anos presta serviços, para o requerido, ora contestante, sem neste período terem sido constatadas ocorrências culposas e ou dolosas na emissão de diagnóstico pelo mesmo. 

[...]

Assim, flagrante a ilegitimidade passiva do Requerido, haja vista que este não realizou qualquer tipo de exame, mas sim o outro Requerido que utilizou as suas instalações físicas para a realização do exame de ultrassonografia morfológico, diga-se com correta conduta.

[...]

Em suma:

I - a única participação do Requerido nos fatos narrados na inicial foi a realização do exame de ultrassonografia morfológica em suas instalações físicas. (Destaque nosso).

No caso em apreciação, emerge que houve falha do médico que presta serviços para a 2ª apelada, inclusive com a utilização de suas instalações, aliás, fato confirmado pela própria ré. 

Ademais, constata-se do laudo juntado às fls. 17/19, a logomarca da empresa contratante dos serviços do médico, de forma que deve responder solidariamente pelos danos causados aos autores/apelantes.

Frise-se, por oportuno, que essa Câmara já firmou entendimento no sentido de que o hospital/clínica é objetivamente responsável pelos fatos decorrentes de sua prestação de serviços, mesmo realizados por médicos, independentemente de seu vínculo, desde que comprovada a responsabilidade do profissional liberal, o que ocorreu no caso apreciado. 

A propósito colhe-se de recente julgado desta eg. Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEIÇÃO - PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - OMISSÃO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - INSTITUIÇÃO HOSPITALAR - LEGITIMIDADE PASSIVA - RECONHECIMENTO - PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - DESCABIMENTO - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA - MÉRITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO NOSOCÔMIO - CONDUTA ANTIJURÍDICA DE MÉDICOS - CONSTATAÇÃO - DANO MORAL CARACTERIZADO - REPARAÇÃO DEVIDA - PRECEDENTES. 

- "Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta." 

- Exsurgindo inequívoco dos autos que a prestação dos serviços médicos que supostamente trouxeram prejuízos à demandante ocorrera nas instalações dos hospitais ora demandados, assevera-se aplicável à espécie a teoria da aparência, não importando para a consumidora lesada se há ou não vínculo empregatício do médico com o hospital. 

- Segundo o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, o hospital é objetivamente responsável pelos fatos decorrentes de sua prestação de serviços, inclusive o atendimento dos médicos que nele laboram, independente da natureza de seu vínculo, desde que comprovada a culpa do profissional liberal responsável. 

- Evidenciada a conduta antijurídica dos médicos que atenderam a requerente em um dos nosocômios demandados, caracterizada está a responsabilidade objetiva deste pelos danos morais causados a ela, asseverando-se imperativa a sua reparação. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.11.163310-3/001, Relatora Desª. Juliana Campos Horta, data de julgamento: 09/11/2016, data da publicação da súmula: 17/11/2016)



Não é outro o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA OFTALMOLÓGICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE PELO SERVIÇO PRESTADO. ART. 14 DO CDC. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta eg. Corte delimitou adequadamente a natureza da responsabilidade dos serviços de saúde prestados por sociedades empresárias e por pessoas físicas levando em consideração, notadamente, as peculiaridades de cada contrato. 2. "(...) aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)" (REsp 1.145.728/MG, Relator o Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 28.6.2011). 3. A teor do art. 14, caput, do CDC, tem-se que o hospital responde objetivamente pelos danos causados ao paciente-consumidor em casos de defeito na prestação do serviço. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 768239 MT 2015/0205492-5, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 16/02/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2016) (destaque nosso). 

No mesmo sentido:

CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PARTICULAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM . 1. Os hospitais não respondem objetivamente pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes. 2. Embora o art. 14, § 4º, do CDC afaste a responsabilidade objetiva dos médicos, não se exclui, uma vez comprovada a culpa desse profissional e configurada uma cadeia de fornecimento do serviço, a solidariedade do hospital imposta pelo caput do art. 14 do CDC. 3. A cadeia de fornecimento de serviços se caracteriza por reunir inúmeros contratos numa relação de interdependência, como na hipótese dos autos, em que concorreram, para a realização adequada do serviço, o hospital, fornecendo centro cirúrgico, equipe técnica, medicamentos, hotelaria; e o médico, realizando o procedimento técnico principal, ambos auferindo lucros com o procedimento. 4. Há o dever de o hospital responder qualitativamente pelos profissionais que escolhe para atuar nas instalações por ele oferecidas. 5. O reconhecimento da responsabilidade solidária do hospital não transforma a obrigação de meio do médico, em obrigação de resultado, pois a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo Código de Defesa do Consumidor. 6. Admite-se a denunciação da lide na hipótese de defeito na prestação de serviço. Precedentes. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1216424/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 19/08/2011) (destaque nosso)



Demais disso, ao introduzir a expressão genérica "prestador de serviços", no caput do art. 14, o Código consumerista aponta para a responsabilização de todos os partícipes da cadeia de fornecimento, o que calha em configurar a responsabilidade da segunda apelada. 

Com essas premissas, revela-se necessária a reformada da decisão monocrática, para se reconhecer a legitimidade passiva ad causam da segunda apelada e, por consequência, deve ser condenada a solidariamente responder pelo dano moral. 



Indenização por dano moral



Na inicial, os autores pleiteiam a condenação dos réus pelos transtornos sofridos com a perda da criança. Sustentam que devido ao erro no diagnóstico, devem ser indenizados pelos danos morais sofridos e pela perda de uma chance de buscar o tratamento para o prolongamento da vida do bebê, se não sua cura.

Sobre o tema, já decidiu o c. STJ:

DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.

2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.

3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.

4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional.

5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada.

(REsp 1254141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013) (destaque nosso).

Destaco trecho do voto da Ministra Relatora:

Importante ressaltar que esta discussão não pode ser obstada por uma suposta falta de legitimidade das partes para pleitear o direito em causa. É verdadeiro, por um lado, que a oportunidade de cura ou de gozar de uma sobrevida mais confortável é direito personalíssimo da paciente. Seu falecimento, portanto, não implica a transferência desse direito aos herdeiros. Contudo, a oportunidade de gozar a companhia de um ente querido, com ele convivendo livre de sua doença, ou mesmo de acompanhá-lo num processo melhor de convalescência, é direito autônomo de cada uma das pessoas que com o 'de cujus' mantinha uma relação de afeto. O dano, portanto, causado pela morte, afeta a todos em sua esfera individual, cada qual por um motivo específico, como sói ocorrer em todas as situações em que se pleiteia indenização por força do falecimento de um ente querido.

Da doutrina de José Geraldo de Freitas Drumond, colaciono:

[...] quem procura médico não o faz para receber o melhor deste profissional, mas sim, para receber o melhor da Medicina. Quando o médico deixa de aplicar ao paciente o melhor da Ciência médica (por desídia profissional ou por omissão no acompanhamento da evolução da Ciência), estará prestando serviços de qualidade inferior, deixando de dar ao doente o melhor. Com isso poderá retardar a cura (o que significa sofrimento desnecessário) ou perder a oportunidade de cura, quando, por exemplo, não diagnostica corretamente a doença em tempo oportuno, decorrendo, por isso, o agravamento ou consolidação de situação crônica. 

O conceito de perda de uma chance de cura envolve erro no atuar do médico, por ação ou omissão, fazendo com que o paciente perca, efetivamente, a chance do não agravamento da doença ou perca a chance de eliminação do sofrimento desnecessário. Ou, ainda, perca o paciente a chance de retardar a morte, com preservação de razoável (possível) qualidade de vida. (in Temas do Direito Médico, coordenadores Roberto Lauro Lana e Antônio Macena de Figueiredo, Rio de Janeiro, Editora Espaço Jurídico, 2004, p. 30/31).



Vem corroborar esse entendimento, doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:

[...] No caso do médico, por exemplo, que deixa de atender o cliente ou se equivoca quanto ao diagnóstico ou tratamento, e o paciente vem a falecer, o dano é causado diretamente pela doença e não pela omissão do médico ou pela falha do tratamento. Mas não se pode deixar de reconhecer, em certas situações concretas, que a omissão médica ou a falha de tratamento pode ter privado o paciente de uma chance de cura ou de sobrevida. 

[...] 

A falta reside em não se dar ao paciente todas as chances de cura (obrigação de meio). A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. 

[...]

Em última instância, o problema gira em torno do nexo causal entre a atividade médica (ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença posse vir a ser curada. Se o paciente, por exemplo tivesse sido internado a tempo ou operado imediatamente talvez não tivesse falecido. A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade. (CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de responsabilidade Civil, 12ª edição, São Paulo, ed. Atlas, 2015, p. 483/484).

Presente, portanto, o dever de indenizar.

Avançando, acerca do tema da quantificação da compensação por dano moral, é sabido que existem doutrinariamente dois sistemas básicos. O primeiro é o sistema livre ou aberto, defendido por autores como Carlos Alberto Bittar, Ronaldo Andrade e amplamente consagrado em nossa jurisprudência. Por esse prisma, entende-se que caberá ao juiz, na sentença, por arbitramento, fixar o valor indenizatório devido. 

O segundo sistema é o do tarifamento legal, o qual pretende o tabelamento da indenização devida por dano moral na própria lei. O STF, no entanto, já teve oportunidade de reconhecer a inconstitucionalidade do tarifamento legal existente na vetusta Lei de Imprensa (Súmula nº 281/STJ).

Atualmente, a doutrina brasileira, além da natureza compensatória à vítima, tem reconhecido a função pedagógica ou de desestímulo ao réu. Essa segunda função punitiva, com reflexos em alguns julgados da jurisprudência do STJ (REsp 860.705/DF; REsp 910.764/RJ), teoricamente é traduzida no que se convencionou chamar de teoria do desestímulo, oriunda do instituto do "Punitive Damages Doctrine" do direito norte-americano.

No caso dos autos, entendo que o valor de R$ 15.000,00 a título de indenização, para cada um dos autores, se revela adequado, uma vez que, embora não possibilite trazer a criança de volta aos braços paternos, certamente servirá para atenuar os efeitos da dor sofrida por estes, além de servir para punir o réu, evitando que atos dessa natureza se repitam no futuro. 

Nos termos da Súmula 54/STJ, nas condenações em danos morais, o termo inicial da incidência de juros de mora será o evento danoso, devendo a correção monetária incidir desde a data do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ, utilizando-se a tabela de correção divulgada pela CGJMG.



CONCLUSÃO: 

Por todo o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para reformar a sentença monocrática e, assim, condenar os apelados ao pagamento, de forma solidária, de indenização por dano moral, no valor que fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos autores, acrescidos de juros de mora a partir da citação, e correção monetária desde a data do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ, utilizando-se a tabela de correção divulgada pela CGJMG.

Custas de primeira instância e recursais pelos 1º e 2º apelados.

Reformulo os ônus da sucumbência, para condenar os apelados ao pagamento dos honorários de sucumbência ao advogado dos autores, no valor que arbitro em 12% da condenação, considerando o trabalho adicional em 2º grau, na forma do disposto no art. 85, § 11, do CPC. 

É como voto.

DESA. JULIANA CAMPOS HORTA - De acordo com o Relator.

DES. SALDANHA DA FONSECA - De acordo com o Relator.



SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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