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Habeas Corpus e a prova

Por:   •  2/12/2015  •  Projeto de pesquisa  •  3.393 Palavras (14 Páginas)  •  215 Visualizações

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5. O Habeas Corpus e a prova

É assertiva comum e corrente que no habeas corpus não se discute prova.[23] No habeas corpus, ou melhor, em seu procedimento, em regra, não há fase instrutória. Isto não significa, contudo, que não haja produção de prova.[24]

Nos casos que envolvam uma controvérsia fática, a limitação probatória que existe no habeas corpus, decorre de sua natureza de processo documental, que exige prova pré-constituída dos fatos invocados como seu fundamento. Isso não impede, porém, sua utilização. O que não é cabível no habeas corpus é a controvérsia sobre questão de fato, cuja resolução demande atividade instrutória complexa, especialmente mediante a produção de prova oral.[25]

O pedido de habeas corpus deverá ser instruído com documentos[26] comprobatórios dos fatos narrados na petição inicial.[27] Também as informações da autoridade coatora costumam vir acompanhadas de documentos, normalmente, cópias de peças do processo em que foi proferida a decisão atacada. É possível, ainda, a expedição de ofícios e conversão do julgamento em diligência, principalmente no caso de habeas corpus preventivo.[28] Aliás, Pontes de Miranda já ressaltava que “quaisquer meios de prova podem ser empregados, ou requerida a sua produção, inclusive o depoimento do ameaçador”.[29] Em suma, não há fase instrutória oral, mas há instrução. Conseqüentemente, para o julgamento do pedido de habeas corpus, sempre que houver controvérsia fática, deverão ser analisadas as provas produzidas no próprio habeas corpus[30] que, normalmente, terá natureza meramente documental.

6. O Habeas Corpus e o ônus da prova

Quando o habeas corpus envolve controvérsia fática, sendo necessária atividade probatória e, conseqüente, valoração de tal prova pelo tribunal, naturalmente poderá surgir o problema do ônus da prova enquanto regra de julgamento.[31]

Comprovada a ilegalidade ou o constrangimento ilegal, inegavelmente a ordem deverá ser concedida. Por outro lado, demonstrada a legalidade da prisão ou a ausência de constrangimento ilegal, denega-se o habeas corpus. Porém, e este é o objeto específico do presente trabalho, o que fazer quando há dúvida, diante dos documentos produzidos, se a prisão ou ameaça de prisão é ilegal?

Relembra-se, que estão sendo analisadas apenas as situações em que o habeas corpus é utilizado como efetivo remédio judicial para tutela da liberdade de locomoção, ou seja, quando tem caráter liberatório, diante de uma privação já consumada à liberdade de ir e vir, ou diante de uma ameaça iminente a tal liberdade, em especial no caso de habeas corpus preventivo contra decisões judiciais que decretam prisões preventivas ou temporárias.

Predomina, amplamente, o entendimento de que, havendo controvérsia fática, se os fatos não estiverem suficientemente provados, a ordem deverá ser negada.[32] Em outras palavras, o ônus da prova no habeas corpus seria do impetrante, que deverá demonstrar os fatos per ele alegados.[33]

A questão, contudo, exige que se analise a prisão cautelar, desde o seu momento inicial.

Inegavelmente, no campo das medidas cautelares processuais penais restritivas da liberdade, vigora o princípio da legalidade. Conseqüentemente, não existe um “poder geral de cautela” do juiz penal que o autorize a decretar medidas cautelares não previstas em lei.[34] Ou seja, as prisões cautelares são apenas aquelas previstas em lei e nas hipóteses estritas que a lei autoriza, havendo um princípio de taxatividade das medidas cautelares pessoais.[35]

Obviamente, o juiz deverá verificar, do ponto de vista fático, a ocorrência da situação concreta prevista em lei a autorizar a decretação da prisão cautelar. Para tanto, serão os meios de prova que poderão convencê-lo ou não da ocorrência da situação autorizadora da prisão. E, por óbvio, somente no caso em que tenha ocorrido, “além de qualquer dúvida razoável”, a situação que autoriza a medida cautelar, poderá o juiz decretar uma prisão preventiva. Em outras palavras, na dúvida sobre a presença dos requisitos legais da prisão preventiva, não se prende.[36] Para a decretação da prisão cautelar vale, pois, a regra in dubio pro libertate.

 Todavia, imagine-se que o juiz já tenha decretado a prisão. A Constituição e a CADH asseguram mecanismos judiciais de verificação da legalidade de tal medida, o que se dá, principalmente, por meio do habeas corpus. Impetrado o habeas corpus para verificação da legalidade da decisão que decretou a prisão, caberá ao tribunal analisar se a prisão foi ou não regularmente decretada, o que significa definir se foi em um caso que a lei, abstratamente, autoriza a prisão e, concretamente, se há provas daquela situação que, em tese, legitima a prisão. O juiz já analisou anteriormente, e o tribunal deverá analisar novamente as provas, proferindo uma decisão fundamentada, em que explicite as razões de convencimento de que a hipótese legal autorizadora da prisão deve incidir diante da situação concreta demonstrada e comprovada. Ou seja, o juiz decreta a prisão e o tribunal revê se a prisão foi legalmente decretada.

Diante disso, concluir que no habeas corpus cabe ao impetrante o ônus da prova da lesão ou ameaça ao direito de liberdade, significaria afastar a necessidade de uma demonstração cabal da hipótese autorizadora da prisão. Ora, de nada adiantaria afirmar que a prisão somente pode ser decretada pelo juiz diante da certeza da ocorrência da hipótese legal que a autoriza, se se concluísse, na seqüência, que mesmo que tenha sido decretada a prisão ilegal – cuja ilegalidade poderia ser justamente por não estar demonstrada a situação autorizadora da prisão – no habeas corpus caberia ao impetrante o ônus da prova da ilegalidade e que, na dúvida, a ordem deveria ser denegada.[37]

Ao se admitir tal situação, acabaria havendo uma “inversão do ônus da prova”. Isso porque, se em caso de dúvida fosse decretada a prisão e, uma vez interposto o habeas corpus, tivesse o impetrante que demonstrar, acima de qualquer dúvida, que a prisão era ilegal, o in dubio pro libertate teria se transformado em in dubio contra libertate.

A regra é a liberdade e a exceção a prisão, que somente pode ocorrer nos casos expressamente previstos em lei. A garantia da liberdade, porém, como lembra Ferrajoli, não está apenas na legalidade ou taxatividade das hipóteses legais de prisão, mas também, na verificabilidade concreta da fattispecie legal, condicionada à verdade processual, como requisito de legitimidade dos atos jurisdicionais.[38]

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