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JUSTIÇA RESTAURATIVA E A SUPERAÇÃO DA LÓGICA DA RACIONALIDADE PENAL MODERNA

Por:   •  24/11/2019  •  Artigo  •  5.520 Palavras (23 Páginas)  •  213 Visualizações

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JUSTIÇA RESTAURATIVA E A SUPERAÇÃO DA LÓGICA DA RACIONALIDADE PENAL MODERNA: uma análise sob a luz da revolução paradigmática de Boaventura de Sousa Santos.

RESTORATIVE JUSTICE AND THE OVERCOMING OF THE LOGIC OF MODERN CRIMINAL RATIONALITY: an analysis under the light of the paradigmatic revolution of Boaventura de Sousa Santos.

Niully Nayara Santana Campos[1]

Resumo

O artigo analisa, sob o enfoque da revolução paradigmática de Boaventura de Sousa Santos, em que medida a Justiça Restaurativa representa um caminho eficaz para a superação da racionalidade penal moderna. O problema de pesquisa surge a partir da constatação de que a naturalização da estrutura normativa eleita pelo sistema penal dificulta a construção de formas alternativas de solução de conflitos. Toma-se como hipótese que a racionalidade penal moderna coloniza a maneira com que se enxerga o conflito.  Para fins de atingimento dos objetivos propostos, elegeu-se a pesquisa bibliográfica sobre JR, racionalidade penal moderna e revolução paradigmática, numa interface capaz de evidenciar a tensão entre a resposta estatal aos conflitos e a crise do paradigma dominante. O artigo investiga as novas possibilidades que a dialogicidade da Justiça Restaurativa engendra para a construção de uma sociedade pós-moderna, com potencial de superação das mazelas produzidas pelo paradigma da racionalidade penal moderna.

Palavras-chave: Racionalidade Penal Moderna. Crise do Paradigma Dominante. Justiça Restaurativa. Revolução paradigmática.

Abstract: The article analyzes, under the paradigmatic paradigm of Boaventura de Sousa Santos, the extent to which Restorative Justice represents an effective way to overcome modern penal rationality. The research problem arises from the fact that the naturalization of the normative structure chosen by the penal system hinders the construction of alternative forms of conflict resolution. It is hypothesized that modern penal rationality colonizes the way conflict is viewed. In order to achieve the proposed objectives, a bibliographical research on JR, modern penal rationality and paradigmatic revolution was chosen, in an interface capable of highlighting the tension between the state response to conflicts and the crisis of the dominant paradigm. The article investigates the new possibilities that the dialogue of Restorative Justice engenders for the construction of a postmodern society, with the potential to overcome the problems produced by the paradigm of modern penal rationality.

Key words: Modern Criminal Rationality. Crisis of the Dominant Paradigm. Restorative Justice. Paradigmatic revolution.

  1. INTRODUÇÃO

Observar empiricamente as mazelas do sistema penal, seja a partir do ambiente carcerário, seja a partir da sensação de avanço da criminalidade leva-nos à reflexão constante sobre a aceitação tácita da justiça penal como única forma de solução de conflitos, como único caminho legítimo de enfrentamento à criminalidade. O imaginário popular acredita na pena aflitiva como instrumento de vingança e recuperação do apenado. A crença coletiva fundada sob o paradigma da chamada racionalidade penal moderna embaraça a visão, impedida de alcançar a construção de novos modelos, porque limitada ao discurso da violência e da retribuição.

A partir da lógica repressiva de controle estatal, alijam-se as partes do conflito. O Estado exerce o poder sobre o infrator, de forma seletiva e desigual. O colapso desse paradigma se insere no contexto da crise do paradigma dominante apontada por Santos. Diante da tensão por que tem passado referido paradigma, surge a necessidade de se ampliar o olhar para novas possibilidades de gestão de conflitos, para um novo modelo de justiça que leve em consideração os interesses dos atores atingidos na resolução do litígio.

Frente ao problema da superação da lógica retributiva da racionalidade penal moderna, o presente trabalho tem por escopo investigar, ainda que de forma embrionária, a capacidade da JR para fazer emergir um novo paradigma na sociedade pós-moderna. Para tanto, buscar-se-á apreciar como a ideia universalizante de castigo e punição tem sido legitimada ao longo dos anos, numa interface com a crise do paradigma dominante.  

A adoção de práticas restaurativas aparece como importante ferramenta auxiliar na introdução de novas formas de solução de conflitos. Ainda que não se proponha, a partir dessa breve análise, o abandono do processo penal tradicional, porque não há uma resposta pronta e acabada capaz de substituí-lo; o estudo da Justiça Restaurativa como estratégia parte da revolução paradigmática mostra-se uma opção desafiadora, cuja dialogicidade tem potência para oxigenar as respostas tradicionalmente oferecidas, rumo a uma necessária transformação do sistema penal tradicional e reprodutor de violências.

A metodologia de pesquisa contará com a coleta de dados/informações, notadamente obras e artigos científicos disponíveis, tomando as ideais de Boaventura de Sousa Santos como referencial teórico, numa interlocução com os autores que apresentam as bases do modelo restaurativo ainda em construção.

Espera-se contribuir ao debate fecundo e necessário em torno da relegitimação e ineficácia do Direito Penal para o enfrentamento da violência, do impacto da lógica retributiva no sistema de Justiça criminal, e da busca de novos paradigmas para a solução desses conflitos, que superem a ideia simplista de crime/castigo.

  1. RACIONALIDADE PENAL MODERNA E CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE: interface e desafios

O sistema penal de pensamento chamado racionalidade penal moderna (RPM) tem seu início na segunda metade do século XVIII e diz respeito às teorias modernas da pena. As amplamente conhecidas teorias de dissuasão, da retribuição, da denunciação e da reabilitação.  As teorias da pena apontam uma ideia do século XI sobre a pena, a de que para um mal (crime) cometido, o Estado deve responder com um mal (pena) proporcional. Portanto, era preciso haver o mínimo de sofrimento ao acusado para a lógica dos sistemas fundamentados na racionalidade penal moderna.

Contudo tal sistema não existe desde sempre. Ao contrário, foi moldado. Antes, a justiça pré-moderna, por vezes retratada de maneira simplificada como bárbara (ao contrário da moderna mais “humana”), era a justiça comunitária. E segundo Zher (2008, p.102), funcionava muito bem entre iguais:

A justiça comunitária tinha defeitos graves. Os métodos para determinar a culpa eram arbitrários e imprecisos, e faltavam as devidas salvaguardas...Contudo, os acordos compensatórios negociados que orientaram a justiça comunitária representam um visão alternativa de crime e justiça bastante importante. Os conceitos tradicionais de justiça reconheciam que uma pessoa tinha sofrido um mal, que as pessoas envolvidas constituíam o foco da resolução do conflito, e que a reparação do dano era fundamental. A justiça comunitária valorizava muito a manutenção dos relacionamentos e a reconciliação. Portanto, o paradigma da justiça comunitária talvez refletisse a realidade do crime melhor do que o nosso paradigma atual mais “racional”.

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