Normas principio e normas regra
Por: nunofrancisco • 26/5/2017 • Monografia • 1.258 Palavras (6 Páginas) • 332 Visualizações
Normas-princípio e normas-regra
(extractos retirados de Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, Coimbra, 2012, págs. 87 e segs)
Enquanto que na Parte da Constituição referente à organização do poder político a generalidade das normas tem a natureza de regra, já na Parte referente aos direitos fundamentais a generalidade tem a natureza de princípio, embora surjam excepcionalmente normas com natureza de regra. O texto a seguir transcrito aborda o tema das normas constitucionais sobre direitos fundamentais.
"…Quando o legislador constituinte consagra um direito fundamental com um elevado grau de indeterminação e generalidade —"todos têm direito …" (à liberdade de religião, de expressão, à segurança social, à saúde, ao trabalho)— não pode, em seguida, prever, enumerar e regular exaustivamente todas as incontáveis e hipotéticas situações da vida real em que o bem protegido pelo direito fundamental pode vir a ser desvantajosamente afectado por razões determinadas pela necessidade de proteger outros bens ou interesses igualmente dignos de protecção ou por simples impossibilidades fácticas. Antes reconhece, implicitamente, porque a própria natureza das coisas não lhe deixa sequer outra possibilidade, que, apesar da não previsão expressa, o direito fundamental em causa, considerado como um todo, é limitável; a fórmula geral e lapidar adoptada na consagração constitucional do direito confirma semanticamente esse reconhecimento.
Há, todavia, situações em que a própria Constituição garante (pretende garantir) uma faculdade, uma garantia, uma pretensão ou uma faceta particular do direito, mas já a título definitivo, absoluto, ou seja, o legislador constituinte fez logo ali, ele mesmo, todas as ponderações que havia a fazer e, independentemente do que venha a ocorrer nas circunstâncias particulares da vida, decidiu-se intencionalmente pela garantia, a título definitivo, do interesse jusfundamental em questão.
Por exemplo, quando o legislador constituinte consagra o direito à vida numa formulação genérica e relativamente indeterminada ("todos têm direito à vida" ou "a vida humana é inviolável"), fá-lo na sua dimensão de direito como um todo (Alexy). Neste sentido, apesar da sua importância capital, até mesmo o direito fundamental à vida pode ter de ceder, em casos concretos, e independentemente das diferenças de opinião que a propósito se suscitam; o legislador constituinte não fixou antecipadamente na Constituição a resolução da complexidade de casos e situações em que o direito à vida pode vir a ser afectado.
Para tal concluir, e já para não falar das questões conhecidas e muito controversas do aborto ou da eutanásia, vejam-se, nesse sentido, outras situações pacificamente admitidas como envolvendo a possibilidade de cedência do direito à vida perante outros interesses que aí apresentem um peso superior.
Esses outros interesses que virão, eventualmente, a prevalecer sobre o direito à vida podem ser, por exemplo, o caso do direito à vida de outro ou outros indivíduos, interesses compulsivos de segurança do Estado e da comunidade no seu conjunto (por exemplo, o caso do Governo que recusa ceder à chantagem de um grupo terrorista, mesmo sabendo que essa recusa envolve a probabilidade séria de sacrifício da vida de alguém tomado como refém por esse grupo); a própria dignidade da pessoa humana (por exemplo, para quem considera que dela decorre o direito, em certas circunstâncias, a pôr termo à própria vida); o interesse na prevenção e punição dos crimes (obviamente, também neste caso, só para quem considere que a admissibilidade excepcional da pena de morte não viola o princípio do Estado de Direito); a hipótese de confronto com outros direitos fundamentais do mesmo titular, como seja o direito à liberdade religiosa (veja-se o caso referido da testemunha de Jeová que recusa a transfusão de sangue imprescindível para a manter viva).
Já quando o legislador constituinte decide tratar especificamente de faculdades parcelares, garantias, pretensões ou direitos autonomizáveis (embora integrantes do direito à vida como um todo) e diz, na Constituição, "em caso algum haverá pena de morte" ou, no âmbito de protecção de outros direitos, como o direito à liberdade pessoal, diz que é proibida a prisão perpétua ou que a prisão preventiva não pode durar mais do que um certo prazo pré-estabelecido, ou que são nulas as provas obtidas mediante tortura, aqui, em quaisquer destas situações, legislador ordinário, tribunais e Administração não têm mais que ponderar ou que considerar a hipótese de limitações a um direito assim tão clara e definitivamente regulado no plano constitucional. Independentemente da opinião que tenham sobre a matéria, parece inequívoco que o legislador constituinte quis tomar uma decisão definitiva, absoluta, sem excepções possíveis.
De facto, perante formulações constitucionais deste outro tipo, qualquer interpretação jurídica da referida norma conclui pacificamente que, uma vez que o legislador constituinte já realizou todas as ponderações de interesses, bens, valores ou princípios invocáveis e fixou normativamente o respectivo resultado, o direito em causa resultou jurídico-constitucionalmente garantido em termos definitivos, absolutos, sem possibilidade de cedência posterior quaisquer que sejam as circunstâncias do caso concreto. Os operadores jurídicos só têm que aplicar a norma constitucional nos precisos e estritos termos fixados no seu enunciado.
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