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O Acesso à Justiça Frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente

Por:   •  9/9/2019  •  Trabalho acadêmico  •  4.432 Palavras (18 Páginas)  •  162 Visualizações

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O ACESSO À JUSTIÇA FRENTE AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo debater a questão do acesso à justiça como direito fundamental, seus avanços e nuances trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente na materialização dessa garantia.

A Constituição Federal de 1988 representa o marco jurídico do processo de redemocratização do Brasil, uma vez que, promulgada após 21 anos de ditadura militar, seu texto alçou o ser humano e a preservação de sua dignidade a posições centrais da nova organização política do Estado brasileiro.

Esse processo de valorização dos direitos humanos também contou com o reconhecimento expresso de novos sujeitos de direito, pois, pela primeira vez homens e mulheres foram considerados iguais perante a lei, os indígenas ganharam capítulo próprio no texto constitucional e as crianças e os adolescentes passaram a integrar a categoria jurídica de sujeitos.

Inobstante a existência prévia da Declaração dos Direitos das Crianças (1959), é importante ressaltar que o novo olhar lançado pela Constituição de 1988 sobre as crianças e adolescentes, somado aos tratados internacionais sobre direitos das crianças e adolescentes que passavam a ser adotados à época – tais como as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing, 2008), a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança nos anos 90 (1990), entre outras –, formaram cenário propício para a formulação de uma nova legislação referente aos direitos das crianças e adolescentes.

Assim, em 1990 é publicada a Lei n. 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, aliada aos tratados internacionais sobre direitos das crianças e adolescentes (em especial a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que seria ratificada pelo Brasil em 1990), inaugurando a doutrina da proteção integral e rompendo com a doutrina da “situação irregular”, adotada pelo Código de Menores de 1979, que dispunha “sobre a assistência, proteção e vigilância” a menores “de até 18 anos de idade, que se encontrem em situação irregular”.

Tal situação irregular foi definida pelo art. 2º do antigo Código de Menores, como a privação de condições essências à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória; submissão a maus-tratos ou castigos imoderados; exposição a “perigo moral”; privação de representação ou assistência legal; e ainda incluindo desvio de conduta “em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária” e a prática de infração penal.

A constituição de 1967 também não previa quaisquer direitos, restringindo-se a determinar a instituição por lei de “assistência à maternidade, à infância e à adolescência”, ou seja, adotando fundamento assistencialista, e não de jurisdição de direitos fundamentais.

Significa dizer que a legislação referente a crianças e adolescentes que vigorara até então não continha qualquer previsão para regulamentar direitos que possibilitassem seu desenvolvimento digno e saudável.

A doutrina da situação irregular concebia crianças e adolescentes não como sujeitos de direito, mas sim como objetos de tutela e intervenção dos adultos. A nova concepção constitucional da criança e do adolescente representa a ruptura jurídica com essa ideia, substituída pela proposta da proteção integral à criança e ao adolescente, baseada nos direitos humanos.

O reconhecimento efetivo dos direitos das crianças exige um grande movimento social e cultural, não bastando um "marco legislativo adequado". Neste, diversos agentes tem um papel fundamental: a sociedade civil, quanto à educação e promoção dos direitos da criança em todos os níveis; as organizações não governamentais, na denúncia, defesa e exigibilidade dos direitos; os Estados em assegurar o cumprimento das medidas de proteção à luz do interesse superior da criança e que para tanto deve-se aplicar as garantias do devido processo e a proteção judicial efetiva que se fizer necessário quando da ameaça e/ou violação dos direitos definidos em lei, o que necessariamente afeta a discricionariedade do Estado ao decidir sobre assuntos em que se discute os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

2. A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Expressamente adotada no artigo 1º da Lei n. 8.069/90, a doutrina da proteção integral parte da premissa que considera crianças e adolescentes como pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, a quem se atribui a qualidade de sujeitos de direitos. Esta qualidade os torna titulares de direitos tais como a vida, a liberdade, a segurança, a saúde, a educação, etc., como todas as demais pessoas, devendo-se observar suas especificidades decorrentes do processo de desenvolvimento.

A observância desse conjunto de direitos acarreta, em contrapartida, a atribuição de deveres para que possam ser exercidos.

A doutrina da proteção integral distribui solidariamente a responsabilidade por tais deveres entre a família, a sociedade e o Estado, ou seja, tanto nas relações privadas quanto na vida social e na interação com as instituições públicas, cabe a todos observarem os deveres a serem cumpridos para que as crianças e adolescentes exerçam plenamente seus direitos.

Imperioso se faz destacar que a doutrina da proteção integral confere juridicidade aos direitos das crianças, de modo que os deveres contrapostos a tais direitos não são de natureza simplesmente moral, mas sim exigíveis dos poderes públicos, instituições e indivíduos mediante direito de ação no Poder Judiciário, como, por exemplo, a impetração de mandado de segurança para garantir a determinada criança o direito a vaga em escola pública.

Além disso, para implementar as diretrizes propostas pela doutrina da proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente reformula todo o sistema de políticas públicas e rede de atendimento referentes à criança e ao adolescente, passando a prevê-los de forma municipalmente organizada, contemplando diversas possibilidades de participação da sociedade civil.

A concepção das crianças e adolescentes como sujeitos de direito independentemente de exposição a situação de risco ou de eventual conflito com a lei é perceptível na forma como os dispositivos do ECA são organizados: o Estatuto se divide em uma Parte Geral, na qual são previstos direitos fundamentais, e uma Parte

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