O Departamento de Ciências Jurídicas Seminário de Direito Processual Penal
Por: Lucas Felizardo • 20/7/2023 • Ensaio • 3.168 Palavras (13 Páginas) • 74 Visualizações
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Departamento de Ciências Jurídicas Seminário de Direito Processual Penal (IH622)
GABRIEL COSTA DA GLORIA, GIULIANA MEI YUSA NOVELLINO, ISABELLA CRISTINA SOARES DOS SANTOS, MARIANA DA SILVA PINTO MAIA GOMES E VINÍCIUS MATHEUS LIMA DE ASSIS
JUIZ DAS GARANTIAS
1. INTRODUÇÃO E HISTÓRICO
A função de assegurar as garantias do sujeito acusado no processo penal, exercida pelo juiz das garantias, é inerente à sistemática penal de um Estado Democrático de Direito. Assim sendo, o instituto do il giudice per le indagini preliminari não foi inaugurado pela Lei 13.964/19, haja vista que o juiz responsável pela tutela dos direitos e garantias fundamentais, até o momento, é o mesmo responsável pela instrução e julgamento, na fase posterior à investigatória.
Importante destacar que, por força da concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADI's n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 pelo Ministro Luiz Fux, está suspensa a eficácia dos artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F, disposições correspondentes à figura do juiz das garantias.
Assim sendo, enquanto instituto, a Lei Anticrime trouxe inovação importante que já existe há décadas em outros ordenamentos jurídicos. O juiz das garantias, diferente do “juiz instrutor”, não tem postura inquisitória, não investiga e não produz prova de ofício (ne procedat iudex ex officio), sendo estabelecido através da necessidade de dois juízes distintos atuantes no mesmo feito, configurando um modelo denominado de duplo juiz: um na fase pré-processual até o recebimento da denúncia, que transfere os autos para o segundo juiz, ao qual deverá instruir e julgar, estando livre de pré-julgamentos e presente da máxima originalidade cognitiva.
2. IMPORTÂNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS NO BRASIL E O FUNDAMENTO DO SISTEMA DUPLO JUIZ
O juiz das garantias assegura maior imparcialidade no julgamento do acusado, uma vez que ele participa da fase do inquérito policial, não deixando que o juiz que participará do julgamento se contamine na fase pré-processual. O juiz das garantias é o controlador da legalidade da investigação realizada pela polícia e pelo Ministério Público, sendo, portanto, guardião da eficácia das garantias constitucionais dessa fase.
O instituto do juiz das garantias, portanto, traduz-se no exercício da tutela das liberdades públicas, ou seja, das inviolabilidades pessoais/liberdades individuais frente à opressão estatal, na fase pré-processual. Para tanto, faz-se necessário traçar considerações sobre as razões do sistema duplo juiz.
A natureza do sistema inquisitório está na acumulação de funções ao mesmo juiz, bem como de poderes instrutórios ao julgador, não existindo imparcialidade processual, pois acumula-se na mesma figura atribuição da busca da prova (iniciativa e gestão) e, posteriormente, a decisão a partir da prova que o mesmo juiz produziu. Assim, resta incompatível a concentração de toda a sistemática na figura de um único juiz (poderes instrutórios e julgamento) com a própria matriz acusatória constitucional inaugurada pela CRFB/88.
A segunda razão pode ser retirada do entendimento firmado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que percebeu o juiz investigatório como incompatível ao julgador, uma vez que há violação ao art. 6.1 do Convênio para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950, por falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva, e ao próprio princípio do juiz imparcial por contaminação dos pré-juízos.
Ademais, importante destacar que a imparcialidade se distingue entre objetiva (caso penal) e subjetiva (no tocante aos sujeitos envolvidos). Assim, o conhecimento precoce enseja uma convicção pessoal do juiz sobre o caso concreto, resultando em “pré-juízos”. Ainda neste fundamento, é mister a atenção à estética da imparcialidade: as partes devem ter a percepção de que o juiz é imparcial. Deste modo, o afastamento do juiz da fase pré-processual garante a estética de julgador e evitar a sua “contaminação”.
Outro ponto que merece destaque no rol de fundamentos para a necessidade do sistema do duplo juiz diz respeito à “originalidade cognitiva”, que engloba todo o pressuposto acima, devendo o juiz conhecer o caso penal originário no contraditório judicial, sem pré-julgamentos sobre o objeto em tela. Isso não se observa no atual modelo brasileiro, onde o juízo é contatado diretamente em fase pré-processual, sem chance de total imparcialidade em razão da falta de qualidade cognitiva com a versão antagônica (da defesa, por elementar).
A sistemática penal brasileira deve evitar uma instrução confirmatória e simbólica de decisão tomada previamente. Portanto, não pode haver um juiz que já formou sua imagem mental sobre o caso, pois as hipóteses da acusação serão tomadas como verdadeiras por ele. Assim, faz-se necessário outro juiz para a garantia do devido processo.
Também se apresenta como razão do sistema do duplo juiz a teoria da dissonância cognitiva: o juiz constrói uma imagem mental dos fatos no momento em que começa a decidir sobre medidas incidentais da investigação (quebra de sigilo, por ex.). Ele pré-julga, decide sobre hipóteses e, portanto, já tem convicções. Nesta lógica, por óbvio, vai proceder em receber a denúncia. No processo, somente serão confirmadas as hipóteses acusatórias já tomadas como verdadeiras. Assim, no modelo atual, basicamente há: a) a autoconfirmação de hipóteses, pois as informações são tidas como corretas; b) busca seletiva de informações, de modo a confirmar a hipótese acolhida cognitivamente em fase anterior à processual.
Corrobora com todas as razões ante expostas a pesquisa de Schümemann, em que foi verificado que quanto maior for o nível de conhecimento/envolvimento do juiz com a investigação preliminar, menor é o interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha, por consequência, há maior tendência à condenação. O que se configura é a própria autoconfirmação das hipóteses.
3. ATUAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS: ANÁLISE DOS ARTIGOS 3º-B E SEGUINTES
O juiz de garantias, figura presente internacionalmente em diversos Códigos Penais Processuais, foi designado para atuação na fase pré-processual, todavia, no sistema brasileiro de justiça, é legítimo e tolerado que o mesmo atua até o momento procedimental, como consagrado no artigo 399. Sendo assim, seu papel vai além de receber ou rejeitar uma denúncia ou queixa. Em caso de recebimento, é feita a citação do réu para apresentação de resposta preliminar. Além disso, é decidido se é feita a absolvição ou não, dando seguimento a audiência de instrução e julgamento. Tal sistema assegura a originalidade cognitiva e imparcialidade do juízo, porém, existe uma corrente crítica, tendo em vista a extensão da atuação do juiz de garantias.
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