O Parecer Jurídico
Por: Piera Tupinambá • 19/3/2017 • Trabalho acadêmico • 1.833 Palavras (8 Páginas) • 305 Visualizações
FATOS
O presente caso se trata de um contrato realizado entre a Cervejaria Gelada e o Iron Bank of Bravos, no qual a Cervejaria, com o objetivo de construir duas novas fábricas, tomou um empréstimo do banco no valor de 70 (setenta) milhões de dólares. Ocorre que o contrato foi assinado nos Estados Unidos no dia 15 de março de 2014 e foi pactuado entre as partes que todas as obrigações assumidas, especialmente o pagamento da dívida e a liberação do dinheiro seriam executadas nos Estados Unidos.
O contrato previa também que a lei aplicável a ele seria a do Estado de Massachusetts. No entanto, após receber e investir o dinheiro na construção das duas empresas, a Gelada em julho de 2016, impossibilitou-se de pagar, no dia do vencimento, a integralidade da dívida, em decorrência de um abalo no mercado financeiro brasileiro que acarretou na desvalorização do real em relação ao dólar.
Após muito esforço, a Gelada quitou a dívida. Contudo, não conseguiu pagar a multa de 10% sobre o valor da dívida, em decorrência do atraso no pagamento. Desta forma, o Banco ajuizou ação no Brasil com a finalidade de cumprir o previsto no contrato.
Todavia, a empresa tentou se esquivar do pagamento alegando que a multa de 10% (dez por cento) não poderia ser cobrada, devendo ser aplicado o limite de 2% (dois por cento) devido à incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre o Banco e os seus clientes. Entretanto, trata-se de um entendimento que não merece prosperar, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
Fundamentação
Prima facie, como veremos no decorrer da fundamentação, o caso em análise possui elementos de conexão, devendo ser aplicado o Direito Internacional Privado. No Brasil, as regras básicas de Direito Internacional Privado estão disciplinadas na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, a qual, em seu artigo 9º, estabelece que a lei que deve ser aplicada no caso concreto será a do local que foi constituída a obrigação, senão vejamos:
Art. 9º: Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
Portanto, resta claro que o legislador elegeu a “lei do país em que se constituírem” como o elemento de conexão e as “obrigações” como o objeto de conexão. Ou seja, tal medida trouxe a territorialidade como o ponto de referência para verificar qual é a lei aplicável ao caso quando se quer qualificar e reger as obrigações. Importante salientar que o território é o principal elemento de conexão das normas indicativas ou indiretas de Direito Internacional Privado, não podendo ser afastado.
As decisões dos Tribunais no Brasil já estão pacificadas nesse sentido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL INTERNACIONAL TERRITÓRIO BRASILEIRO COMO LOCAL DE PRESTAÇÃO DA OBRIGAÇÃO CONTRATUAL E CONTRATANTES COM SEDE NO CHILE E NO BRASIL, RESPECTIVAMENTE. COMPETÊNCIA JUDICIAL ELEIÇÃO DE FORO POSSIBILIDADE ELEITO O FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA CLÁUSULA DEZENOVE DO CONTRATO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 88 , INCISO II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL , C/C ARTIGO 39 DA LEI DE REPRESENTANTES COMERCIAIS, LEI Nº 4886 /95. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE BRASILEIRA - OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 9º , CAPUT DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO CONTRATO FIRMADO ENTRE PRESENTES LEX LECI CELEBRATIONIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA PARA APRECIAR E JULGAR O FEITO. 1. Em contrato de representação comercial para intermediação de negócios em prestação de serviços à industria e ao comércio, reconhece-se a competência da autoridade judiciária brasileira, na forma do inciso II do artigo 88 do Código de Processo Civil, observando-se o Foro de eleição previsto expressamente no contrato, "in casu", o Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DÍVIDA DE JOGO. Agravo retido. Realização de perícia. Desnecessidade. Nota promissória. Jogos de Azar praticados em país estrangeiro. Atividade lícita no local. Obrigação hígida. Aplicação do artigo 9º da Lei de Introdução do Código Civil. Doença mental ou incapacidade. Ausência de comprovação. AGRAVO RETIDO E APELO DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70049340292, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 09/10/2013).
Desta forma, pela determinação expressa em lei e com base no elemento de conexão “território”, deve-se utilizar a legislação do local em que foi celebrado o contrato (Boston), não podendo impor a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Logo, o limite de 2% (dois por cento) às multas moratórias não é cabível.
Ademais, há outro elemento de conexão que deve ser utilizado, qual seja, o da vontade das partes, o qual expõe que as próprias partes podem escolher o direito aplicável. Conforme os ensinamentos de Rechsteiner, “O elemento de conexão aqui é a própria vontade manifestada pelas partes, vinculada a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional. ”
A referida conexão decorre do princípio da autonomia da vontade, o qual possibilita que as partes definam qual Direito será aplicado na negociação jurídica. Para Mazzuoli (2016):
Seu fundamento encontra guarida na liberdade que os indivíduos têm de agir como lhes aprouver em questões ligadas à sua pessoa ou ao comércio, não se desconhecendo, porém, haver autores que, indo mais longe, fundamentam a autonomia da vontade também nos direitos humanos. (MAZZUOLI, 2016, online)
Ainda nesse contexto, importante destacar que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, que consagra a vontade das partes, determinando que o direito escolhido entre estas será o que regerá o contrato, senão vejamos seu art. 7º:
O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a uma parte do mesmo.
A eleição de determinado foro pelas partes não implica necessariamente a escolha do direito aplicável.
E não há de se dizer que a autonomia das vontades não é permitida no Brasil, visto que este em nenhuma disposição legislativa impõe sua proibição, além de que é signatário da Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais que expressamente admite a vontade das partes.
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