Por Um pensamento latino-americano autêntico e engajado: afinidades entre Mariátegui, Rodó, Leopoldo Zéa e Guerreiro Ramos
Por: Anaís Carvalho • 8/5/2018 • Artigo • 1.898 Palavras (8 Páginas) • 261 Visualizações
Por um pensamento latino-americano autêntico e engajado: afinidades entre Mariátegui, Rodó, Leopoldo Zéa e Guerreiro Ramos
Resumo
O objetivo deste artigo é a analisar o pensamento de quatro autores, sendo eles: José Carlos Mariátegui, Leopoldo Zéa Aguilar, José Enrique Rodó e Alberto Guerreiro Ramos . Tal análise tem como objetivo apontar as continuidades entre esses diferentes trabalhos no que diz respeito a desconstrução de uma mentalidade colonizada e da construção de um pensamento latino-americano autêntico e engajado.
As colônias de exploração que foram estabelecidas em toda a América Latina por países europeus tiveram o comércio mundial como seu único objetivo, no entanto, as consequências desse tipo de colonização foram múltiplas. Como Caio Prado Júnior esclarece em seu ensaio O sentido da colonização:
“No seu conjunto, e vista do plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos” (PRADO JÚNIOR, CAIO, 1942,P.31).
A história da américa latina que conhecemos hoje começou a ser escrita como um capítulo da história do comércio mundial, aonde o caráter unicamente exploratório era tamanho que o povoamento surgiu como consequência da necessidade dos fins mercantis e não da ambição de construir uma nova nação. Essa característica ditou-nos o destino. Diferentemente da colônia de povoamento estabelecida no que é hoje os Estados Unidos, a colonização foi uma amarra que nos subjugou econômica, política e socialmente à países europeus e se internalizou na mente e na estrutura da sociedade latino-americana de tal maneira que hoje, décadas após a independência, a colonização ainda se estabelece através de um viés ideológico.
A colônia de povoamento estabelecida no que, futuramente, seria os estados unidos, pela Inglaterra contou com um viés completamente oposto. Colonizações opostas ditaram destinos opostos. Por não estar voltado ao comércio exterior e por ter considerações que não fossem somente do interesse do mesmo, a estrutura, a organização e a atividade da colônia de povoamento puderam se desenvolver em nações independentes a ponto de hoje possuírem influência política, econômica, militar e cultural sobre o mundo (fenômeno conhecido como imperialismo) e principalmente sobre as antigas colônias de exploração localizadas na América Latina.
Em Ariel, Rodó identifica essa influência e a chama de conquista moral, alegando que nossos dirigentes e nossas multidões se sentem fascinadas com a impressão de vitória. E por admirá-la passa a imitá-la, e imita-a por acredita-la superior. E é contra essa américa deslatinizada que escreve Rodó. Não prega a negação absoluta da influência norte-americana, uma vez que reconhece a importância de se olhar para o exterior e de lá recolher a imagem do útil e do benéfico. Mas alerta contra a desnaturalização do caráter dos povos, do seu gênio pessoal, para lhes impor a identificação com um modelo estranho a que sacrifiquem a insubstituível originalidade de seu espírito. Alegando que a independência não se limitar ao âmbito político, mas deve atingir o interior, o da personalidade e do discernimento. Em suma, é importante diferenciar a cultura fecunda, que nos faz progredir, daquela que nos impede ser quem somos. Como disse Eduardo Galeano, até o anti-imperialismo tem suas doenças infantis.
Rodó traz um preceito moral de Cícero, aonde este alega fazer parte dos deveres humanos que cada um de nós cuide e conserve zelosamente a originalidade de seu caráter pessoal, e propõe que este seja aplicado coletivamente ao caráter das sociedades humanas, aonde, nós, latino-americanos, mesmo que possivelmente sem o contorno nítido da nossa “personalidade” nos agarremos a herança de raça, a tradição étnica para que possamos manter um vínculo sagrado com o passado.
É desse sentimento de fidelidade ao passado pré-capitalista que surge a visão de mundo romântico-revolucionária de Mariátegui. É principalmente devido suas análises e preposições sobre o Peru que o autor foi tratado, por seus críticos ideológicos, como um pensador “romântico”. Isso porque ele, ao contrário dos ideólogos da Internacional Comunista, não acreditava numa “etapa democrático-nacional e antifeudal” da revolução na América Latina: para ele, a revolução socialista era a única alternativa a dominação do imperialismo e do latifúndio, e esta, teria como ponto de partida as tradições comunitárias do campesinato indígena
Contra o tradicionalismo conservador da oligarquia, o romantismo retrógrado das elites e a nostalgia do período colonial, Mariátegui apela à tradição mais antiga da américa latina: a das civilizações indígenas pré-colombianas. Chamou esta tradição de “comunismo inca” aonde sustenta que a conquista colonial destruiu e desorganizou a economia agrária Inca, sem substituí-la por uma forma superior. Com isso, o autor não pretende a reconstrução ou ressurreição do socialismo inca, mas sim os hábitos de cooperação e socialismo dos camponeses indígenas. O socialismo moderno, em particular nos países de estrutura agrária, deve se enraizar nas tradições próprias do país em questão, na memória coletiva camponesa e popular, nas sobrevivências sociais e culturais da vida comunitária pré-capitalista, nas práticas de ajuda mútua, solidariedade e propriedade coletiva.
Mariategui acredita que o passado pré-capitalista da américa latina é eficaz contra a mentalidade capitalista que a rege e subjuga, porque acredita que na especificidade do seu socialismo, enraizado em seu próprio passado comunista, alegando que este está na tradição americana, uma vez que a mais avançada organização comunista primitiva que a história registra é a inca. Em suma, o que o autor propõe e deseja é um socialismo resultante da criação heroica, nascido da própria realidade e linguagem da américa latina.
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