As Políticas Públicas No Brasil: Heranças, Tendências E Desafios
Pesquisas Acadêmicas: As Políticas Públicas No Brasil: Heranças, Tendências E Desafios. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 9/4/2014 • 3.654 Palavras (15 Páginas) • 931 Visualizações
As Políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios
Tânia Bacelar*
Para abordar o tema das políticas públicas no Brasil, vamos tratá-lo em três grandes blocos. O primeiro discutirá a herança das políticas públicas no Brasil. O segundo, as novas tendências da economia mundial e suas repercussões nas políticas públicas nacionais. E o terceiro, as ameaças e oportunidades para o movimento popular brasileiro.
1. Herança das Políticas Públicas no Brasil
Chamamos de herança recente o período que vai dos anos 30 até hoje, quando o Brasil passa por uma transformação muito grande. Nos anos 20, era um país rural e agrícola. O censo de 1920 revelava que 30% da população brasileira vivia nas cidades e 70%, no campo. Cinqüenta anos depois, ocorria o inverso – 70% nas cidades e 30% no campo. Até 1930, a economia do Brasil era uma economia agrícola. Em 1980, o Brasil era o oitavo PIB industrial do mundo. Depois dos sete grandes, o oitavo era o Brasil. Isto nos dá uma idéia da mudança de perfil na sociedade e na economia em meio século. O que alguns países levaram séculos para fazer, o Brasil fez em cinqüenta, sessenta anos. Transformou-se numa potência industrial média, com a maior parcela da sua gente morando nas cidades. Este é o perfil atual do Brasil. Para entender os dias de hoje, é necessário saber que Estado tínhamos anteriormente e que heranças e traços foram se fixando nesse percurso.
Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse período (1920-1980) era seu caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário. Não era um Estado de Bem-Estar Social. O Estado era o promotor do desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade. Um Estado conservador que logrou promover transformações fantásticas sem alterar a estrutura de propriedade, por exemplo. Nessa fase, o grande objetivo do Estado brasileiro era consolidar o processo de industrialização. Desde o começo do século, optou-se pela industrialização. A grande tarefa era consolidar esse processo e fazer do Brasil uma grande potência. Assim, o grande objetivo era de ordem econômica: construir uma potência intermediária no cenário mundial. O Estado desempenhava a função de promover a acumulação privada na esfera produtiva. O essencial das políticas públicas estava voltado para promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era pretendido pelo Estado brasileiro, sem a transformação das relações de propriedade na sociedade brasileira.
Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse período (1920-1980) era seu caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário.
O Estado brasileiro é, tradicionalmente, centralizador. A pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de regulador. Nós não temos tradição de Estado regulador, mas de Estado fazedor, protetor; não temos tradição de Estado que regule, que negocie com a sociedade os espaços políticos, o que só hoje estamos aprendendo a fazer. O Estado regulador requer o diálogo entre governo e sociedade civil, e nós não temos tradição de fazer isso. O Estado centralizador, em muitos momentos da nossa vida recente, junta-se ao autoritário: tivemos uma longa ditadura no período Vargas e, depois, uma longa ditadura nos governos militares pós-64. Então, o viés autoritário é muito forte nas políticas públicas do país.
Dado o seu caráter autoritário, o Estado não precisava se legitimar perante a grande parcela da sociedade, ficando refém dos lobbies dos poderosos nos gabinetes, principalmente de Brasília, já que se concentra na União. E as grandes lideranças nos períodos das ditaduras nem pressão podiam fazer. Algumas estavam exiladas, outras foram mortas. Assim, a tradição, o ranço da vertente autoritária, tornou-se um traço muito forte nas políticas públicas do país, e as políticas públicas eram muito mais políticas econômicas. Se olharmos a história recente, as políticas sociais e as políticas regionais são meros apêndices, não são o centro das preocupações das políticas públicas. Nelas, o corte era predominantemente compensatório, porque o central era a política econômica, já que a política industrial era hegemônica, porque o projeto central era a industrialização.
Esse perfil autoritário e conservador também se traduz na maneira como tradicionalmente são pensadas as políticas sociais. Quem está lá em Brasília tende a pensar que o Brasil é uma média. E a média não diz quase nada do Brasil, que é um país muito heterogêneo. A conseqüência dessa leitura é a dificuldade em considerar a heterogeneidade real do Brasil. Cada lugar requer uma solução que venha da realidade. Quando se tem uma política centralizada, o tratamento é homogeneizado. A centralização faz com que as propostas venham de cima para baixo, e essa é uma tradição das políticas sociais no país. Junta-se a isso a conseqüente dificuldade de promover a participação da sociedade.
Esse perfil autoritário e conservador também se traduz na maneira como tradicionalmente são pensadas as políticas sociais. Quem está lá em Brasília tende a pensar que o Brasil é uma média. E a média não diz quase nada do Brasil, que é um país muito heterogêneo.
Mas, vejamos ainda: que tipo de ação praticou o Estado? O Estado brasileiro fez tudo para promover o projeto industrial: financiou, protegeu, criou alíquotas, produziu insumos básicos. As estatais, que estão sendo privatizadas agora, produziam insumos básicos. Nas atividades mais pesadas, de investimento mais pesado, com taxa de retorno mais lento, houve participação do setor estatal produtivo. A produção de aço, a mineração, a produção de petróleo e de energia, têm a mesma natureza: são insumo básico. O Estado investiu em projetos grandes, onerosos, com taxas de retorno mais lentas, para possibilitar que o setor produtivo privado ficasse com o mais leve e rapidamente rentável. O que se fez de rodovias, de portos, de instalações de telecomunicações nesse país, nos últimos anos, é inimaginável. E quem foi responsável por todas essas realizações? o Estado brasileiro. Agora, parte dessa estrutura está sendo desmontada, com as privatizações.
Em muito menor grau, o Estado brasileiro também facultou serviços sociais, de segurança e justiça. O Estado regulador, embora com uma face muito menor do que o Estado realizador, também se fazia presente, quando era imprescindível a seu projeto. Por exemplo, na era Vargas, o Estado interveio para regular a relação trabalho-capital. Quer dizer, no momento em que a opção é a industrialização, em que o operariado vai surgindo e em que é necessário definir as regras do jogo entre o trabalho e o capital, o Estado brasileiro aparece com força. São da era Vargas o salário mínimo e o essencial da legislação trabalhista que ainda se mantém. Na Justiça do Trabalho, ou seja, nos mecanismos de regulação da relação entre trabalhador urbano e capital, o Estado esteve muito presente.
E o que herdamos dessa história brasileira, com o apoio do Estado brasileiro? Na minha visão, herdamos um país que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem, ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os países de perfil semelhante. Não há outro país com o mesmo perfil do Brasil. Conseguiu percorrer essa trajetória econômica, que é exitosa do ponto de vista de seus objetivos, mas é único quanto à distribuição de renda: 20% dos mais pobres detêm, apenas, 2% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos detêm quase 50% dessa renda. Só a Guatemala, um pequeno país, sem a importância econômica do Brasil, é que apresenta um perfil semelhante. Na verdade, herdamos um país com uma grande vitalidade econômica – que talvez se torne um exemplo de êxito econômico na história do século XX – e, ao mesmo tempo, profundamente fraturado, com 2/3 da sua população fora do mercado. É com esse Brasil fraturado que enfrentaremos uma nova era.
E o que herdamos dessa história brasileira com o apoio do Estado brasileiro? Na minha visão, herdamos um país que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem, ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os países de perfil semelhante.
Os anos 90 serão de mudanças na economia mundial. Vivemos uma fase de crise. Crise não só do mundo socialista, mas também do mundo capitalista. Os economistas usam dois indicadores básicos para mostrá-la: o modesto crescimento da produção – taxa mundial média de 2,5% a 3%, com exceção da China, que tem crescido 10% ao ano, nos últimos cinco anos. Mas, na média, mesmo os grandes países apresentam taxa de crescimento muito pequena. Outro indicador é a taxa de investimento, igualmente modesta nos últimos anos. A economia capitalista entrou numa crise nos anos 90, e o que se vivencia é uma fase de preparação e de mudanças, talvez para um outro ciclo expansivo, que no entanto ainda não se firmou. Nesse novo ambiente mundial, destaco três grandes movimentos: o movimento de globalização; o movimento de reestruturação produtiva e o movimento de financeirização da riqueza.
2. Novas Tendências na Economia Mundial e suas Repercussões nas Políticas Públicas Brasileiras
O movimento de globalização não é novo, nem próprio da crise. É um processo em curso, já faz algum tempo, de internacionalização do capital. Há um movimento antigo nessa direção, mas é apenas nesse final de século que ele se firma e se consolida cada vez mais. Marca, na verdade, uma mudança no mundo: a existência, hoje, de alguns atores econômicos que têm condição de operar em escala global. Um grande conglomerado multinacional, atualmente, pode ter centenas de fábricas espalhadas em dezenas de países, pode controlar tudo em tempo real, porque a revolução das telecomunicações assim o permite. Na verdade, os conglomerados multinacionais planejam olhando para o globo e operam no âmbito do globo. E esse é um dado novo, agora existem atores com essa capacidade. E sua existência incomoda todo mundo, porque cresce a inter-relação entre os espaços econômicos. Esses agentes econômicos impõem certas homogeneizações. As regras do jogo, o padrão de competitividade e o tipo de organização econômica são, na verdade, impostos por eles, o que termina afetando o conjunto do espaço econômico mundial, principalmente em países médios como o Brasil, que interessam a esses agentes. E este processo é seletivo, não é homogêneo.
O movimento de reestruturação produtiva é, na verdade, o modo como o capitalismo rearruma-se para tentar sair da crise. Mudanças importantes estão acontecendo, além da globalização. Com a crise, elas estão se processando para buscar um outro padrão produtivo para o futuro. Há novos setores dinâmicos no cenário mundial, como, por exemplo, o complexo eletro-eletrônico, que é muito mais dinâmico do que o complexo metal-mecânico. E este foi um dos carros-chefes da economia do século XX. Assim, enquanto uns perdem, outros ganham dinamismo. Quando nos detemos no perfil produtivo, observamos a emergência de algumas atividades e o arrefecimento de outras. Há tipos novos de processo produtivo em consolidação. A chamada revolução científico-tecnológica está mudando, uma vez mais, o modo de produzir. Aquela cadeia produtiva rígida, típica do século XX, está sendo remontada. As novas técnicas produtivas introduzem a possibilidade da produção flexível e rearrumam profundamente o processo de produção, ocasionando mudanças muito severas. Não é à toa que a discussão em torno de educação é tão presente. Na verdade, o novo modelo produtivo requer produção de conhecimento, requer inovação contínua no processo produtivo. Os padrões gerenciais, que tendemos a desprezar, requerem transformações, como, por exemplo, o relacionamento da empresa com os seus fornecedores e com os seus clientes; a organização da empresa na sua intimidade. Esses padrões estão mudando de modo profundo, inclusive ideologicamente. Investimentos maciços estão sendo feitos, hoje, nas áreas do conhecimento e da educação.
É muito importante que o Brasil entenda o movimento de reestruturação produtiva, normalmente negligenciado. Discutimos muito a globalização e pouco a reestruturação. Muito menos discutido, ainda, é o movimento de financeirização. Há no mundo, atualmente, uma enorme possibilidade de geração de riqueza na esfera financeira, o que aliás sempre existiu no capitalismo, mas jamais com tamanha magnitude.
Paralelamente a essas tendências, e associado a elas, algo muito forte ocorre hoje no mundo, que não é da ordem do mundo real, mas é de natureza político-ideológica. É a hegemonia da visão neoliberal. Quando observamos o mundo atual, vemos que essas tendências favoreceram a consolidação de uma visão que é ideológica e política: a visão de “quanto menos Estado e quanto mais mercado, melhor; quanto mais individualidade e quanto menos coletividade, melhor”. Essa é a perspectiva dos dirigentes mundiais. E é ela que impregna todas as sociedades neste final de século. Trata-se de uma abordagem que favorece as mudanças que estão acontecendo no mundo real, para que o capital globalizado circule no mundo inteiro. Quanto menos Estado nacional houver, melhor será para a realização dessa tendência.
Nesse processo, redefine-se o papel dos Estados nacionais. Criam-se instâncias supranacionais, como o Parlamento Europeu. Há menos Estado na produção, menos Estado na regulação e, portanto, mais mercado, o que é ótimo para viabilizar o projeto neoliberal. Por conseguinte, há menos políticas públicas e mais mercadorias e serviços. A educação, por exemplo, é agora tratada como uma mercadoria; só é acessível a quem pode pagá-la. Então, contrapomos a essa visão nosso ponto de vista de que educação é um bem público e, portanto, é dever do Estado.
No governo Fernando Henrique Cardoso, pode-se dizer que no Brasil havia duas tendências importantes. A primeira traduzia-se na opção central por uma inserção no mundo, que se poderia chamar de inserção submissa, mas que os economistas do governo chamavam de “integração competitiva”. Era a opção de integrar, competitivamente, o Brasil neste ambiente mundial. Como, na verdade, tratava-se de uma integração comandada pelo mercado, podemos denominá-la submissa. E o Estado brasileiro, que tinha uma política industrial explícita, deixou de fazê-lo. O mercado deve decidir o que fica e o que não fica.
A outra tendência importante que estava por trás das políticas públicas era a financeirização das riquezas. Se não a considerarmos, não conseguiremos entender, por exemplo, a privatização no Brasil. Porque o governo dizia: privatizaremos para conseguir receita patrimonial e reduzir nossa dívida. Mas as contas do governo informavam seu endividamento. O que ele fez, de fato, foi exatamente o contrário. Vendeu as estatais e de tudo o que já vendeu obteve apenas algo em torno de 9 bilhões de dólares. Só conseguiu, de receita patrimonial, vinte por cento. Oitenta por cento foram moeda podre. E aí pergunta-se: a dívida do governo diminuiu? Não! A dívida cresceu. A trajetória da dívida mobiliária é de 55 bilhões de dólares com Sarney, 12 bilhões com o calote de Zélia, 36 bilhões com Marcílio. Quando Fernando Henrique assume o Ministério da Fazenda, a dívida é de 40 bilhões de dólares, alcançando, já em setembro, 98 bilhões. Somente FHC, como ministro, aumentou em 150% o valor da dívida mobiliária do governo. Ou seja, estamos mais endividados e sem o patrimônio que foi privatizado. Patrimônio privatizado com moeda podre. Em vez de diminuir a dívida, o governo aumentou as taxas de juros para atrair reservas (dólares) e emitiu muitos títulos da dívida pública. Cresceu o endividamento e cresceu o déficit público. Logo, o governo não resolveu seu desequilíbrio financeiro, mas se exauriu nestas duas contas: o serviço da dívida externa e o serviço da dívida interna. Essa é uma das discussões mais atuais. Por que carecemos de políticas públicas e por que o governo, de fato, não teve meios para patrociná-las.
3. Ameaças e Oportunidades Para o Movimento Popular
Mas o Brasil não é o seu governo. Há um outro Brasil, que somos nós. Quando observamos esse outro Brasil, vislumbramos outra trajetória, muito diferente da traçada pelos poderosos. Existe uma proposta de reforma do Estado na sociedade brasileira! E não é a proposta neoliberal. É outra. Existe uma proposta de descentralização! Na prática, a sociedade brasileira está realizando a descentralização. Sempre que se diz concentrar, centralizar de novo, dizemos não! Há uma decisão, no seio da sociedade brasileira, que rejeita a centralização. Sabemos que centralizar não dá certo no Brasil. Estamos operando a descentralização. Estamos ocupando os espaços da descentralização. Existe um espaço a favor da democratização do Estado brasileiro! Estamos, de muitas formas, dizendo não àquele Estado fechado, submetido somente aos lobbies. Há que existir um amplo espaço para disputarmos as decisões e a implementação das políticas públicas necessárias. Sente-se uma força na sociedade brasileira tentando instaurar o espaço da descentralização. Existe uma decisão a favor das políticas sociais! Reformar aquele Estado desenvolvimentista, que só patrocinava o crescimento da economia, e abrir espaço para um Estado que patrocine saúde, patrocine educação, patrocine segurança. Um Estado com políticas sociais. Existe uma proposta a favor do Estado transformador!
Existe uma experiência acumulada, ao longo desses anos, sobretudo nos espaços governamentais locais, muito mais no âmbito dos municípios e de alguns estados do que no âmbito federal. Existe muita experiência acumulada, também, nos espaços não-governamentais. O Brasil não está morto! Está cheio de experiências locais mostrando como se organiza, como se planta, como se comercializa, como se governa.
O Brasil não está morto! Está cheio de experiências locais mostrando como se organiza, como se planta, como se comercializa, como se governa.
Os desafios e oportunidades para o Brasil implicam considerar a heterogeneidade do país, e nesse aspecto é equivocada a trajetória das políticas públicas, por conta da visão centralizadora. De baixo para cima, consegue-se trabalhar a heterogeneidade. Mas como as políticas generalizadoras vêm de cima para baixo, a tendência é operar como se o Brasil fosse um país uniformemente semelhante, o que não é. Mas sabemos que, mesmo na heterogeneidade, é possível encontrar pontos de semelhança; generalizar o que é comum e operar sobre o que é diferente. Trata-se de um desafio porque não temos essa tradição nas políticas públicas governamentais. Outro desafio é romper com a idéia de que público é sinônimo de governamental, apesar da tradição brasileira.
O correto para o Brasil parece ser o modelo descentralizado coordenado. A questão é quem fará essa coordenação. Como é que vamos organizar esses focos de coordenação nas políticas públicas governamentais? Qual é o papel das ONGs nesse ambiente descentralizado? Se nem tudo que é público é governamental e se há descentralização, resta um espaço enorme para as ONGs. E como é que as ONGs podem evitar a fragmentação? Qual é o papel das associações de ONGs, no Brasil de hoje, em relação às políticas públicas? Para examinarmos essas indagações, devemos discutir o modelo descentralizado coordenado, que é o que parece servir ao Brasil. O papel regulador do Estado pode e deve ser ampliado. Com um Estado regulador pode-se discutir.
Outra questão é o avanço obtido em termos da democratização. Em muitos casos, tivemos de construir espaços. Em outros, o governo é que abriu espaço. Hoje existem os Conselhos institucionais, importantes espaços de participação, mas cuja composição é que define a relação de poder. Outro aspecto importante é a atribuição dos Conselhos. Uns são consultivos, outros são deliberativos. Conseguimos influir mais quando eles são deliberativos, ou seja, quando sua atribuição é deliberar, é influir nas decisões e, portanto, é exercer uma parcela do poder.
A experiência de descentralização diante da crise financeira é mais uma questão a ser discutida. Participamos dos Conselhos Municipais de saúde, por um lado, e a saúde está sendo privatizada, por outro. Então administramos o pedaço podre que resta do sistema público de saúde. Será que vale a pena ter Sistema Único de Saúde, com Conselho democratizado e tudo o mais, se nos sentamos ali e não tomamos nenhuma decisão, porque não há o que decidir? Aí achamos que o que está errado são os Conselhos. É este o erro, ou o erro é a falta de investimento do governo na saúde? Afinal, onde está o erro? O erro está na política econômica, é lá que temos de intervir, e não na nossa experiência de gestão descentralizada e democrática.
Para terminar, sublinhamos algumas idéias-chave em torno da discussão das políticas públicas e do papel dos Conselhos:
1. A economia é resultado das decisões políticas e não de decisões técnicas como o discurso tecnocrático quer fazer crer.
2. A crise do Estado é a crise de um modelo específico de Estado que vigorou no Brasil durante a maior parte do século XX, um Estado desenvolvimentista e conservador;
3. O modelo de Estado desenvolvimentista foi promotor de desenvolvimento, por um lado, mas também das enormes desigualdades que temos no Brasil de hoje, por outro;
4. Principalmente a partir do regime militar, esse modelo de desenvolvimento foi sustentado pela internacionalização da economia e pelas crescentes dívidas internas e externas que geram a insustentabilidade do modelo e sua crise profunda;
5. As desigualdades sociais geradas por esse modelo são um enorme obstáculo para a superação dessa crise;
6. As opções políticas no governo Fernando Henrique Cardoso privilegiaram o pagamento da dívida, atendendo ao interesse dos credores, em detrimento da promoção de políticas sociais;
7. Os Conselhos Municipais podem ser um importante instrumento no enfrentamento dessas desigualdades;
8. O município sozinho não tem condições de responder às imensas demandas sociais herdadas. Daí a necessidade de pensar políticas públicas de forma integrada, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Os Conselhos podem constituir importantes instrumentos dessa articulação. Os Conselhos podem criar uma articulação poderosa, tanto horizontalmente (entre os diferentes Conselhos), quanto verticalmente (entre os diferentes segmentos de uma mesma política);
10. As conferências nas diversas escalas (federal, estadual e municipal) são importantes porque promovem uma visão de Estado ou de país, em torno de determinada política.
11. Os atores sociais e os Conselhos setoriais devem articular-se e integrar-se com a política econômica geral. É nosso direito debater e conhecer a política econômica geral.
Para refletir:
1. Discuta as principais características da herança histórica das políticas públicas brasileiras.
2. Discuta as novas tendências da economia mundial e seus possíveis impactos sobre as políticas públicas brasileiras.
3. Dê exemplos de experiências locais de políticas públicas que você considere democráticas e inovadoras. E discuta os limites da ação local num país como o Brasil e sugira iniciativas capazes de enfrentar tais limites.
Para ler mais:
ARAÚJO, Tânia Bacelar. Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2000.
FURTADO, Celso. Em Busca do Novo Modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FIORI, José Luís. Brasil no Espaço. Petróp
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