Os Imperialismo e Colonialismos e colonialidade nas Relações Internacionais: o Comitê dos 24, a Descolonização e a reforma da ONU.
Por: Pâmela Morais • 8/11/2017 • Resenha • 2.733 Palavras (11 Páginas) • 288 Visualizações
Imperialismo e Colonialismos e colonialidade nas Relações Internacionais: o Comitê dos 24, a Descolonialzação e a reforma da ONU.
O campo de estudo das Relações Internacionais é conhecido por sua ampla abrangência, o que se deve ao objeto de análise da área: a Comunidade Internacional. Tal coletividade foi iniciada há muitos séculos, a partir das relações firmadas entre os Estados, mas teve como marco histórico fundamental o processo de globalização. Pode-se definir tal termo como a integração mundial nos âmbitos econômico, social e político, resultado do constante aumento de velocidade dos meios de transporte e comunicação e é possível rastrear o essa sucessão de acontecimentos até o século XV, quando o processo de expansão das nações europeias foi iniciado.
O colonialismo, como é conhecido, ocorreu com o “descobrimento” de outros continentes, ou seja, a partir da chegada dos europeus – principalmente portugueses e espanhóis – a esses territórios. Com tais navegadores também veio a ideia de que os povos africanos e americanos eram “atrasados” em comparação ao estado “civilizado” dos europeus. Esse choque cultural associado à mencionada interpretação dos recém-chegados inicia o “esforço civilizatório” dos brancos sobre os nativos das terras descobertas.
As fontes de estudo sobre colonialismo são inúmeras e entre elas se deve destacar a obra “A Rainha Ginga – E de como os africanos inventaram o mundo.”, de José Eduardo Agualusa. O livro, que mistura ficção e realidade, narra – de forma diferente dos muitos artigos acadêmicos sobre o tema – a luta contra os portugueses que aconteceu onde atualmente é Angola, especificamente referente ao reino de Dongo. Uma das muitas peculiaridades do relato, é esse ser feito em primeira pessoa, a partir do ponto de vista de um padre pernambucano – Francisco José da Santa Cruz –, que chega a Salvador do Congo em meados de 1620. Esse fato é essencial para uma melhor interpretação dos acontecimentos contados, já que o narrador não é livre dos preconceitos instituídos pela mentalidade católica e europeia que era (e ainda é) vigente no Brasil.
Ao longo da história, é possível identificar muitos pontos inerentes ao campo das Relações Internacionais. O próprio motivo da ida do padre à Angola é fundamentado na necessidade reconhecida de manter relações diplomáticas com outros povos, especialmente o inimigo. Francisco é, então, enviado ao Dongo para atuar como secretário àquele que era o rei no momento – Ngola Mbandi, irmão de Ginga. Ele fora escolhido por ter o português como sua língua nativa, além de ser letrado e católico, fatos que faziam Portugal acreditar que o padre seria um enviado confiável. Conforme os acontecimentos desenrolam-se, Francisco prova ser muito habilidoso ao aconselhar a rainha em momentos críticos, recomendando muitas vezes as palavras em vez das batalhas, conseguindo até que Ginga concordasse em ir à Luanda para negociar com os portugueses (ainda antes da mesma ter sido coroada).
A rainha, por si só, é uma personagem digna de ser estudada. Antes de tornar-se líder de seu povo, o próprio irmão – rei na época – escolhera-na para negociar com os portugueses, pois era demasiado astuta. A mulher, segundo o narrador, era muito mais estratégica que Ngola e mostrava-se aberta a um possível acordo com os portugueses, enquanto seu irmão era muito mais belicoso. Após a morte do rei – por causas questionáveis –, Ginga assumiu o trono, já que seu filho – que seria herdeiro legítimo – havia morrido e o descendente do rei, além de não ter sangue real, não tinha idade suficiente. Nesse ponto que a mulher, já forte, torna-se um símbolo inegável.
Ginga conseguiu manter seu reino independente de Portugal por muito mais tempo que qualquer outro da região, e isso se deu pela forma estratégica com que ela lidava com a ameaça lusa. Entretanto, além do modo que ela encarou os colonizadores, é imprescindível ressaltar como ela se impôs dentro de seu próprio reino. Ao que começaram a duvidar da sua legitimidade como rainha, devido à existência de um “melhor” herdeiro, o dito sobrinho morreu em um ataque também questionável. Com isso, as vozes que se opunham à liderança de Ginga, calaram-se. Essa é praticamente a única menção que o narrador faz à uma resistência ao reinado da mulher, mas é possível que tivessem existido muito mais empecilhos ao seu domínio, pois – como o próprio padre menciona – “os ambundos não depositam confiança nas mulheres, no que revelam grande sabedoria”, ou seja, mesmo dentro da cultura daquele povo, sempre seria preferível ter um homem no comando.
É provável, entretanto, que a postura adotada por Ginga tenha ajudado a amenizar a desconfiança para com fato de a governante ser mulher. Ao “masculinizar-se” – como ao exigir ser chamada de rei, constituir uma espécie de harém de homens (os quais vestiam-se como mulheres e eram chamados de esposas) e ao agir fria e altivamente em diversos momentos, com ao exigir que uma criada lhe servisse de assento – Ginga conseguiu impor maior respeito. Outro ponto que pode ser identificado referente à questão de gênero, é o fato de as melhores características da rainha serem atribuídas ao sexo masculino. São muitas as menções a isso, como no trecho “tão viril quanto o homem mais macho [...], uma mulher que conhecia as artes da guerra, suas armadilhas e danações, e que ao debater com os seus macotas pensava melhor do que o melhor estrategista, pois sabendo cogitar como um homem, possuía a seu favor a sutil astúcia de Eva”.
É fácil identificar a ideologia católica, fonte de legitimação da estrutura patriarcal, heterossexual, branca e cristã (ou seja, muito europeia) tanto no trecho transcrito, quanto em muitos outros momentos da história. Uma analogia que representa a relação entre o catolicismo não apenas com os africanos, mas também com os povos nativos das demais regiões invadidas, é a seguinte:
“Andava um macaco passeando pela floresta. Movia-se aos saltos pelas árvores, quando topou com uma lagoa como esta e olhando-a, entre o encanto e o susto, porque todos os macacos receiam a água, viu um peixe movendo-se em meio ao lodo espesso, junto à margem. ‘Que horror!’, pensou o macaco, ‘aquele pequeno animal sem braços nem pernas caiu à água e está a afogar-se.’ O macaco, que era um bom macaco, ficou numa grande angústia. Queria saltar e salvar o animalzinho, mas o terror o impedia. Por fim, encheu-se de coragem, mergulhou, agarrou o peixe e atirou-o para a margem. Conseguiu içar-se para a terra firme e ficou ali, alegre, vendo o peixe aos saltos. ‘Fiz uma boa ação’, pensou o macaco, ‘vejam como está feliz!’”. (AGUALUSA, 2015. p. 210)
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