A CRIAÇÃO DE UMA LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO NO BRASIL COMO FERRAMENTA PARA A EFETIVA
Por: Mariana Oliveira de Sá • 4/8/2017 • Artigo • 5.664 Palavras (23 Páginas) • 327 Visualizações
A CRIAÇÃO DE UMA LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO NO BRASIL COMO FERRAMENTA PARA A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DAS PESSOAS LGBT
THE NECESSITY OF DEVELOPMENT OF A LAW OF GENDER IDENTITY IN BRAZIL: BY THE EFFECTIVE OF FUNDAMENTAL RIGHTS
Fernanda Carolina Lopes Cardoso[1]
Mariana Oliveira de Sá[2]
Resumo: A autodeterminação do sujeito é a pedra angular sob a qual se assenta a dignidade humana, e a identidade de gênero é pressuposto necessário para garantir o mínimo ético existencial ao indivíduo. Nesse contexto, torna-se imprescindível a elaboração de uma Lei de Identidade de Gênero no Brasil, de forma a garantir uma real visibilidade para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais, possibilitando aos mesmos a alteração do prenome e do designativo sexual de forma a adequar a identidade psicossocial dos sujeitos com a documentação que portam. Desse modo, o presente trabalho realiza uma análise do Projeto de Lei nº 5002/2013, para demonstrar a necessidade da elaboração/aprovação de uma Lei de Identidade de Gênero no Brasil, que surge como uma ferramenta para a efetividade de direitos fundamentais, visto que, garante o reconhecimento da identidade de gênero, compreendida como a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.
Palavras-chave: Identidade de Gênero; Lei João Nery; Alteração do Prenome; Alteração do Designativo Sexual; Direito Fundamental.
Abstract: The self-determination of the subject is the cornerstone on which is based the human dignity, and the gender identity is essential to ensure the minimum existential ethical with the individual. In this context, it becomes essential to to draw up a Gender Identity Law in Brazil, so as to guarantee a real visibility for lesbian, gay, bisexual, transsexual, transgender and intersexual, enabling the same the alteration the first name and sexual designation in order to adjust the psychosocial identity of the subjects with the documents you carry. In this way, this paper carries out an analysis of the Draft Law No. 5002/2013, for demonstrating the need for elaboration / approval of a Gender Identity Law in Brazil, which appears as a tool for the effectiveness of fundamental rights, as guarantees the recognition of gender identity, understood as the inner experience and individual gender as each person feels, which may or may not correspond with the sex assigned after birth, including the personal experience of the body.
Keywords: Gender identity; Law João Nery; Alteration of Forename; Changing the Sexual Designator; Fundamental rights.
1 INTRODUÇÃO
No mundo ocidental, comumente a identidade de gênero é trabalhada como sinônimo de opção sexual, mas o tema é muito mais complexo e necessita de uma análise mais aprofundada.
Os estudos sobre identidade de gênero ganharam força com as lutas libertárias da década de 1960, principalmente as revoltas estudantis de Paris em maio de 1968, o movimento hippie, a primavera de Praga na Tchecoslováquia, as lutas contra a guerra do Vietnã nos EUA, a luta contra a ditadura militar no Brasil. Estes movimentos tinham o objetivo de alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, e por isso ficaram conhecidos como “movimentos libertários”. É com eles que surge a discussão sobre o gênero, principalmente com a ampla participação das mulheres nos mesmos.
Pode-se afirmar que os principais movimentos que lutaram pela identidade de gênero foram o movimento feminista e o movimento gay, que questionam as relações afetivo-sexuais no âmbito das relações privadas.
No Brasil, de forma mais específica, os estudos sobre identidade de gênero surgiram principalmente nos anos 1970 e 1980, com os movimentos feministas. Um dos principais deles foi desenvolvido por Heleieth Saffioti denominado “A mulher na sociedade de classes”, cujo objetivo foi analisar a opressão da mulher na sociedade patriarcal.
Através de pesquisadores norte-americanos os estudos sobre gênero chegaram ao Brasil, tratando, sobretudo, das origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. Desse modo, o conceito de gênero é muitas vezes relacionado com o conceito de sexualidade, mas de forma equivocada.
Desse modo, é necessário traçar um conceito de gênero. Para SCOTT, o gênero está ligado a diferença de sexos:
Por “gênero”, eu me refiro ao discurso sobre a diferença dos sexos. Ele não remete apenas a ideias, mas também a instituições, a estruturas, a práticas cotidianas e a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constitui as relações sociais. O discurso é um instrumento de organização do mundo, mesmo se ele não é anterior à organização social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade biológica primária, mas ele constrói o sentido desta realidade. A diferença sexual não é a causa originária a partir da qual a organização social poderia ter derivado; ela é mais uma estrutura social movediça que deve ser ela mesma analisada em seus diferentes contextos históricos (SCOTT, 1998, p. 15 – tradução nossa).
Este mesmo autor reformulou seu conceito e designa o gênero como sendo a categoria que não só constrói a diferença de sexos, mas que dá sentido a essa diferença. Assim, podemos concluir que gênero se refere às relações sociais que envolvem discursos sobre a diferença sexual.
A identidade de gênero, para STOLLER (1978) está relacionada ao conjunto de convicções pelas quais se considera socialmente o que é masculino e o que é feminino, e ele se constrói no processo de socialização do indivíduo, não sendo somente relacionado a critérios biológicos.
Não se pode tratar o gênero como uma questão puramente genética ou genital, mas sim como um conjunto de atos performativos, mosaico de identidades construído socialmente, norma que se materializa discursivamente (BUTLER, 2003).
Para SCOTT, gênero pode ser entendido como as relações estabelecidas a partir da percepção social das diferenças biológicas entre os sexos (SCOTT, 1995), sendo que essa percepção é fundada em esquemas classificatórios que opõem masculino/feminino, que pode relacionar a outras oposições como forte/fraco, grande/pequeno, dominante/dominado (BOURDIEU, 1999). Trata-se de oposições hierarquizadas construídas historicamente, e que são marcadas pela arbitrariedade e a primazia e superioridade do polo masculino.
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