A eficácia horizontal dos direitos básicos
Tese: A eficácia horizontal dos direitos básicos. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: RenatinhaDayer • 25/9/2014 • Tese • 4.422 Palavras (18 Páginas) • 231 Visualizações
Eficácia horizontal dos diretos fundamentais
Durante um longo período, o pensamento dominante a vigorar na doutrina constitucional referente à eficácia dos direitos fundamentais os via como limites à atuação dos governantes em favor dos governados. Constituíam-se como uma proteção às liberdades individuais e um mecanismo de defesa à ingerência estatal na vida privada, eram os direitos fundamentais de primeira geração. Imperava, portanto, a teoria da eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Por meio dessa teoria, os direitos fundamentais são vistos como liberdades e garantias do indivíduo, configurando-se como direitos de defesa perante o Estado. Deste modo, não se discute, por exemplo, a aplicação do princípio da isonomia em um concurso público. Em outro exemplo, figura o habeas corpus como instrumento garantidor da liberdade de locomoção, assegurando o direito fundamental de liberdade e limitando o poder de interferência do Estado nesse aspecto nevrálgico da dignidade humana.
Entretanto, a complexidade das relações sociais atrelada a situações de crescente desigualdade humana fez surgir a percepção de que a opressão das liberdades não advinha somente do Estado, mas também dos homens entre si. Assim, surgiu a necessidade de se estender a eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas, a fim de que se protegesse o homem de sua própria prepotência [17].
Nesta toada, surgiram duas teorias referentes à aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações particulares: a teoria da eficácia indireta e mediata e a teoria da eficácia direta e imediata.
A primeira, desenvolvida pelo alemão Günter Dürig, prega a atuação dos direitos fundamentais nas relações privadas, todavia condicionada à ação do legislador infraconstitucional, ao qual incumbe a tarefa de adequar as leis infraconstitucionais reguladoras da vida privada aos ditames constitucionais definidores de direitos.[18]
Para a teoria da eficácia indireta e mediata, os direitos fundamentais não podem ser invocados diretamente da Lex Fundamentalis, sob pena de se ver aniquilada a autonomia privada e desfigurado o direito privado. Logo, caberia ao legislador, por meio de uma regulamentação compatível com os valores constitucionais, mediar a aplicação desses direitos nas relações particulares. Assim sendo, “os direitos fundamentais irradiam seus efeitos por meio de mediação legislativa”. [19]
Já a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, defendida originalmente por Nipperdey e Leisner, apregoa a aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais sobre as relações privadas, independentemente de prévia atividade legislativa. Sendo assim, não só o Estado como também os atores privados estão vinculados à Constituição.[20] Efeito concreto do acolhimento desta teoria naquele país, a Consituição portuguesa (CRP, art.18°/1) dispõe: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.
No que diz respeito à realidade brasileira, Luís Roberto Barroso preconiza: “O ponto de vista da aplicabilidade direta e imediata afigura-se mais adequado para a realidade brasileira e tem prevalecido na doutrina. Na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em geral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto.” [21]
Portanto, já é possível afirmar que há, no Brasil, uma tendência tanto na doutrina como na jurisprudência em se adotar a eficácia direta ou imediata nas relações privadas.
3. Constitucionalização das relações privadas: convivência entre Direitos Fundamentais e Autonomia Privada.
A constitucionalização do Direito Civil, processo de singular pertinência jurídica, fundamenta-se na irradiação de valores eminentemente constitucionais para o âmbito das relações privadas, tal como a previsão da função social, não somente no que atine à propriedade, mas também ao contrato e à família.
Retrato desse processo de constitucionalização, a incidência do princípio da igualdade na esfera particular mostrou-se proeminente ao ser considerado o consumidor como parte hipossuficiente na relação de consumo, ou seja, reconhecendo-o como, de fato, a parte mais fraca da situação, estabelecendo, v.g., o Código de Defesa do Consumidor, de acordo com seu art. 6°, VIII, a inversão do ônus probatório [22].
Para Luís Roberto Barroso, a constitucionalização do direito consiste no “efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa por todo o sistema jurídico”[23]. O autor em comento ainda preceitua que “os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional” [24].
Destarte, o ponto crucial desse processo de verdadeira influência constitucional nas relações particulares consiste na convivência, naturalmente conflitante, entre o pleno exercício da autonomia privada e os direitos fundamentais consolidados em nossa Lei Maior e projetados nessas relações. Neste trilhar, instante consagrado doutrinariamente como o marco inicial do reconhecimento da constitucionalização do direito, a interpretação do caso Lüth, na Alemanha, firmou-se como um momento de importância histórica para o tema ora abordado.
Em breve relato fático, o caso consistiu em uma grande campanha de boicote, por parte de um jornalista, a um filme produzido por um cineasta, acusado pelo primeiro de nazista. Em face do insucesso da produção cinematográfica, o cineasta mobilizou a máquina jurisdicional do Estado, a fim de ver reparados os danos sofridos.
Entretanto, o Tribunal Constitucional Alemão indeferiu o pleito indenizatório por entender que as normas do ordenamento jurídico deveriam ser interpretadas à luz dos valores constitucionais propostos pelos direitos fundamentais.
Desta feita, o dispositivo infraconstitucional a determinar a indenização deveria ser interpretado de acordo com o direito fundamental de liberdade de expressão. Na tradução de Virgílio Afonso da Silva, o pretório germânico pronunciou-se nos seguintes termos: “A Constituição, que não pretende ser uma ordenação axiologicamente neutra, funda, no título dos direitos fundamentais, uma ordem objetiva de valores, por meio da qual se expressa um (...) fortalecimento da validade (...) dos direitos fundamentais. Esse sistema de valores,
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