ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL RELACIONADA AO TRABALHO NO SUS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Por: Mariana Soares • 22/9/2020 • Resenha • 2.917 Palavras (12 Páginas) • 200 Visualizações
Universidade Federal de Ouro Preto[pic 1]
Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas
ENP019 - Psicologia do Trabalho
Amanda Braga De Almeida; Laura Gomes Fernandes; Mariana Mara Catizani Alves; Mariana Teixeira Soares; Yasmim Celiana Santos
RESENHA: A atenção à saúde mental relacionada ao trabalho no SUS: desafios e possibilidades
Contextualizando a estruturação das áreas de saúde mental e saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS), o artigo em questão tem como objetivo o intuito de discutir as possibilidades de atuação intrassetorial com relação à saúde mental relacionada ao trabalho.
Entendemos que os maiores desafios a serem superados no contexto atual sejam a integração entre as áreas programáticas de Saúde Mental e de Saúde do Trabalhador e a superação de uma cultura ainda presente na sociedade, segundo a qual o trabalho, quase sempre, tem uma conotação positiva e o sofrimento/adoecimento psíquico é visto como um sinal de fraqueza pessoal.
É possível fazer uma integração entre a Saúde mental e a saúde do trabalhador?
Esses dois campos têm em comum a concepção de saúde como fenômeno social e de interesse público. Pode-se também dizer que ambos ganharam espaço relevante enquanto áreas programáticas do SUS devido à mobilização de movimentos populares e de profissionais de saúde. No entanto, mesmo que os Movimentos de Saúde Mental e de Saúde do Trabalhador tenham tido parte de suas origens relacionadas ao Movimento Sanitário e que as ações propostas desde então estejam fundamentadas nos princípios básicos que regem o SUS, não se pode dizer que o olhar para as questões envolvidas nessas áreas tenha sido incorporado de forma plena em todos os níveis de atenção desse sistema.
No Brasil, a aplicação prática desse modelo se dava por meio de convênios do poder público com manicômios, nos quais o “tratamento” consistia, basicamente, na aplicação massiva de medicamentos e utilização de outros métodos para trazer o paciente à “normalidade”, como o eletrochoque. Problemas de saúde mental que não se configurassem como uma forma desviante dos padrões sociais tinham pouca ou nenhuma possibilidade de serem objeto de atenção no âmbito da saúde pública.
Até a década de 1980, a atenção à saúde mental no âmbito da saúde pública no Brasil acompanhava o modelo que consistia, quase que exclusivamente, na segregação de todos aqueles que apresentavam “diferenças, desvios e divergências sociais e culturais” incluindo os chamados “loucos”, que eram internados nos manicômios. No Brasil, a aplicação prática desse modelo se dava por meio de convênios do poder público com manicômios, nos quais o “tratamento” consistia, basicamente, na aplicação massiva de medicamentos e utilização de outros métodos para trazer o paciente à “normalidade”, como o eletrochoque. A maior parte dos manicômios se configurava como verdadeiros depósitos, nos quais os pacientes não tinham condições mínimas de dignidade humana.
Considerando esse contexto, as preocupações do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) foram além daquelas manifestadas pelo Movimento Sanitário. Não se tratava apenas da reformulação dos sistemas de saúde como parte integrante do processo de redemocratização do país, com ações de atenção, assistência, prevenção, proteção e promoção de saúde. Na Saúde Mental, o foco também estava no papel normalizador das instituições e na desinstitucionalização. Importante ressaltar que, juntamente com a substituição dos manicômios, também era essencial substituir a cultura manicomial predominante na sociedade
As primeiras vitórias efetivas desse movimento no âmbito nacional se deram no início dos anos 1990, quando, após a implantação de serviços de cunho antimanicomial em alguns municípios, como Santos e São Paulo, o Ministério da Saúde publicou as portarias que possibilitaram o financiamento de outros serviços de saúde mental que não apenas o leito psiquiátrico. Mas foi sobretudo com a publicação, em 2001, da Lei Federal nº 10.216 que passou a haver um investimento público massivo para a implantação e implementação de dispositivos assistenciais específicos – principalmente Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – visando à extinção progressiva dos manicômios em todo o território nacional e privilegiando a autonomia e a reinserção social daqueles que vivem com sofrimento mental.
No entanto, se tais medidas possibilitaram a criação de uma rede de saúde mental substitutiva aos manicômios, houve relativamente pouco investimento em estratégias para incluir, nessa rede, outros serviços do SUS não específicos dessa área. Assim, observa-se que, de um modo geral, os CAPS ainda centralizam a atenção a uma ampla gama de casos de sofrimento psíquico e de transtorno mental que poderiam ser atendidos nos diferentes níveis de atenção e de cuidado, inclusive com investimento em soluções regionais mediante compromissos e pactuações.
Mais recentemente, foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), que são estruturas compostas por equipes multiprofissionais, que devem atuar como referência para um número determinado de equipes de saúde da família no sentido de realizar discussão de casos, atendimento compartilhado e, eventualmente, intervenções específicas com usuários e famílias encaminhados. No entanto, a falta de preparo básico em discussões relacionadas à subjetividade e uma grande sensação de desamparo frente às demandas extremamente complexas no cotidiano do serviço.
Deve ser ressaltado que, desde a década de 1930 até a estruturação do SUS, a assistência à saúde da população trabalhadora não dizia respeito à saúde pública e era atribuição das empresas e da Previdência Social (LACAZ, 1996). É somente a partir da aliança dos sindicatos com profissionais de saúde alinhados às propostas do movimento sanitário que a Saúde do Trabalhador passa a ser objeto de atenção.
Os dispositivos constitucionais definem a Saúde do Trabalhador como um conjunto de ações de atenção, promoção, prevenção e proteção à saúde que visa à recuperação e à reabilitação da saúde dos trabalhadores.
A partir de 2002 o Ministério da Saúde efetivou a institucionalização de uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador mediante portarias que criam a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) com o objetivo de “integrar a rede de serviços do SUS, voltados à assistência e à vigilância, para o desenvolvimento das ações de saúde do trabalhador”.
O “eixo integrador” da Renast foi o estabelecimento de uma “rede regionalizada de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – Cerest”, os quais teriam “a atribuição de dar suporte técnico e científico às intervenções do SUS no campo da Saúde do Trabalhador”. Para criar essa rede, a principal estratégia adotada foi muito parecida com aquela utilizada na política de Saúde Mental: o incentivo financeiro para os municípios e estados criarem ou aprimorarem unidades especializadas. Entretanto, é necessário ressaltar que, assim como ocorreu na Saúde Mental, essas medidas também não garantiram a inclusão de ações de Saúde do Trabalhador na atenção básica e na vigilância.
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