Defesa Previa
Trabalho Escolar: Defesa Previa. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 17/4/2014 • 2.088 Palavras (9 Páginas) • 593 Visualizações
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ___________ESTADO DE_______
Processo n. ________
“Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção”.
Min. Eros Grau, no HC 97.346 – SP.
Fulano de tal devidamente qualificado nos autos em epígrafe, por meio do seu Advogado Procurador, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, nos termos do art. 55 da Lei 11343/06, apresentar DEFESA PRÉVIA, conforme fatos e fundamentos jurídicos a seguir dispostos:
I.DOS FATOS
O requerente foi preso na data de __,_____ por volta das horas______, portando consigo, 10(dez) invólucros de droga Cannabis Sativa L, conhecida popularmente como “maconha”, cigarrinho do diabo etc... Na Delegacia confessou que a Droga era paraconsumo próprio, eis que havia acabado de comprá-las, com parte do dinheiro que recebeu de pagamento como motorista particular (cópia da carteira de trabalho em anexo). O requerente ressaltou que tem profissão e não precisa vender drogas para sobreviver.
Em razão dos fatos acima referidos, fora preso em flagrante e autuado pela prática do artigo 33 da lei 11343/06.
II.DO DIREITO
De fato, alternativa não resta senão desconsiderar a acusação da prática do crime de tráfico de maconha. Pois, a prova resumiu-se ao depoimento dos mesmos agentes que efetuaram a prisão do acusado, os quais relataram não terem visto o mesmo vendendo maconha e que nunca ouviram falar a respeito.
O acusado, por sua vez, assumiu ser usuário e que teria comprado a maconha para seu uso próprio, bem como informou que é motorista particular, e não necessita do tráfico para sua sobrevivência.
O que se discute, portanto, afastado o crime de tráfico, é se o acusado, de fato, ao portar maconha para seu próprio consumo, cometeu algum crime passível de punição, ou seja, comprar e portar maconha para consumo próprio é crime? Pergunta-se!
Pois bem, ainda na vigência da Lei n° 6368/76, a então Juíza de Direito Maria Lúcia Karam, em sentença histórica, absolveu acusada da prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da “falta de tipicidade penal”.
Na sentença, observou a ilustre juíza:
“É comum ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais, notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante.
Também não há dados concretos que demonstrem que a punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor leva à identificação do fornecedor.
Se o consumidor pode vir a ser um traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios, devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou gratuito, em grande ou pequena quantidade.” [1]
Nesta mesma linha, agora na vigência da Lei n° 11.343/06, em 31.03.2008, a 6ª Câmara Criminal do TJSP, avançou e aprofundou o debate para declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida lei.
“O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil” (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008)
Seguindo em frente, em 31 de janeiro de 2012, o Juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, também absolveu sumariamente o acusado da prática do crime previsto no artigo 28 da lei n° 11.343/06, respaldando-se no disposto no artigo 397, III, do Código de Processo Penal Brasileiro, ou seja, “o fato narrado não constitui crime”.
Lê-se na sentença do ilustre Juiz:
“Por força do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em exame, a conduta de P. não colocou em risco real e concreto o bem jurídico – saúde pública – que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos individuais.” [2]
Por fim, como consequência deste debate, a arguição da inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de “Repercussão Geral”. Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei n° 11.343/06 afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso. [3]
No despacho que reconheceu a Repercussão Geral, no Recurso Extraordinário 63659-SP, observou o ilustre Ministro Gilmar Mendes:
“No caso, a controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal.
Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria.
Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria Constitucional.” [4]
Enquanto o STF não se manifesta, resta-nos, aos que defendem a inconstitucionalidade, enfrentar o debate o oferecer, mesmo em sentenças, elementos para a compreensão da magnitude do problema e busca de soluções.
Assim, não se quer defender ou fazer apologia ao uso de drogas ilícitas ou, muito menos, desconhecer os danos que a dependência química tem causado aos jovens das camadas mais pobres desse país. De outro lado, em vista da realidade que nos salta aos olhos no dia a dia forense, bem como no contato com entidades, oficiais e civis, que atuam com jovens dependentes, a exemplo do Creas, CRAS e associações de moradores, não há mais como defender a punição como solução para o problema da dependência química de jovens pobres e excluídos.
Não são esses jovens, chega-se à conclusão, “clientes” do sistema punitivo ou penitenciário, mas “clientes” em potencial, mesmo que retardatários, de políticas públicas para, primeiro, evitar que se tornem dependentes químicos e, depois, cuidar deles para que resgatem sua autoestima e lhe sejam oferecidas as oportunidades sociais que lhe foram negadas desde a mais tenra infância.
Em consequência dessa política desastrosa e equivocada no tratamento ao tráfico, a chamada “guerra às drogas”, o Brasil tinha em dezembro de 2011, segundo dados do Ministério da Justiça,[5] 514.582 presos e 125.744 por motivo do crime de tráfico de entorpecentes, ou seja, 24,43% da população carcerária. Significa dizer, portanto, que um quarto dos presos do sistema penitenciário não cometeu crimes com violência à pessoa ou ao patrimônio. Ainda segundo os dados do Ministério da Justiça, o sistema possui 306.497 vagas, mas o contingente preso é de 514.582. Em consequência de tudo isso – pobreza, exclusão, falta de oportunidades, prisões desnecessárias, excesso de presos e precariedade do sistema – o índice de reincidência é de mais de 70%, ou seja, de cada dez presos submetidos às mais precárias condições de cumprimento da pena em regime fechado, sete deles voltam a delinquir.
Assim, a solução punitiva e a política de “guerra às drogas” não tem se mostrado eficientes para reduzir o tráfico ou o número de dependentes, visto que tomando-se por parâmetro as apreensões, a produção e o consumo crescem em níveis galopantes. Da mesma forma, o sistema não tem se mostrado eficiente na recuperação de quem prende. Muito ao contrário, egressos do sistema são estereotipados e, se não eram incluídos antes no mercado de trabalho, pior agora na condição de ex-presidiário.
Em que pese tudo isso, a vontade e supremacia da Constituição devem permanecer como o norte e o esteio do ordenamento jurídico. Neste dilema – combate ao tráfico e respeito à Constituição – é papel de todos que lidam com o Direito buscarem soluções diferentes da simples condenação e encarceramento de milhares de jovens que muitas vezes vendem pequenas quantidades para manter a própria dependência ou que se tornam traficantes de verdade por falta de alternativas e oportunidades sociais.
Por fim, nesses caminhos até então trilhados, a efetividade do projeto constitucional de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalização e desigualdade, fundada na cidadania e dignidade da pessoa humana, parece não ter mais sentido e não ser mais a vontade da própria Constituição. Os que lidam com o Direito e que lhe veem sentido, no entanto, não podem aceitar pacificamente este fato. É preciso efetivar e fazer acontecer a vontade da Constituição. Não temos alternativa e nada justifica o esquecimento do projeto constitucional brasileiro, resultado de um processo histórico concretizado na Constituinte de 1987/88.
Pois bem, além desses aspectos reais, políticos e sociais, para os quais o juiz não pode fechar os olhos, em termos técnicos jurídicos, são fortemente consistentes os argumentos expendidos nos julgados da 6ª Câmara Criminal de São Paulo e do Juiz Rubens Casara, ou seja, a violação dos preceitos constitucionais da inviolabilidade da vida privada das pessoas e ausência de tipicidade da conduta.
De outro lado, o argumento de que o usuário fortalece o tráfico e que, por isso mesmo, deve ser punido, é frágil e inconsistente, seja em face de argumentos jurídicos ou lógicos. Ora, em primeiro, ninguém poderá ser punido por crime que não cometeu, ou seja, só quem comete o crime de tráfico pode ser punido pela própria conduta; em segundo, a condição de usuário é subjetiva e diz respeito apenas a quem usa, encerrando-se as consequências do ato no próprio usuário.
Por fim, no caso em apreço, trata-se de um usuário de maconha, e com uma única ocorrência registrada no sistema policial: preso por porte de maconha. Ora, o acusado confessou ser usuário, mas é uma pessoa trabalhadora, tem endereço fixo e jamais cometeu crime com violência contra a pessoa ou contra o patrimônio de quem quer que seja.
Sendo assim, qual o bem jurídico que ofende ao comprar quantidade de maconha para seu uso próprio? Qual o prejuízo que causa à saúde pública ao fumar seu cigarro de maconha em sua própria residência? Finalmente, qual o crime que cometeu para ser punido?
Isto posto, requer-se em face da atipicidade da conduta e inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 11.343/06, seja exercido o controle difuso da constitucionalidade, negando aplicação a Lei Contestada, e com fundamento no artigo 397, III, do Código de Processo Penal, por estas razões, e outras do convencimento de Vossa Excelência o acusado, deverá serABSOLVIDO.
Nestes Termos,
Pede e espera
Deferimento.
A
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