O Direito e Inclusão
Por: Jéssica Góes • 31/5/2022 • Resenha • 2.050 Palavras (9 Páginas) • 73 Visualizações
MAPA DA VIOLÊNCIA 2021
Jéssica Góes Silva
Universidade Estadual de Santa Cruz
jgsilva.drt@uesc.br
CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência 2021. São Paulo: FBSP, 2021. 108 p.
A pesquisa e a estatística são mecanismos fundamentais de aproximação os órgãos de todas as esferas governamentais, bem como os diversos segmentos da sociedade civil e a quem mais interesse à realidade do país, além de consistirem verdadeiros suportes para o incremento de novas pesquisas científicas e ações públicas viáveis e condizentes com o contexto brasileiro.
Nesse sentido, surgiu, em 2016, o Atlas da Violência, uma fonte que reúne informações sobre a violência no país, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com a colaboração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os dados são atualizados anualmente e os temas podem variar de acordo com o que se mostra mais relevante, a fim subsidiar a pesquisa e políticas atinentes à redução da violência e todas as suas agravantes e condicionantes.
A edição de 2021 conta com duas novas seções: violência contra pessoas com deficiências e pessoas indígenas. No total, o atlas conta com dez temas. O panorama inicial aborda alguns fatores que reduziram a quantidade de homicídios ao longo da década: “mudança do regime demográfico rumo ao envelhecimento da população e à diminuição do número de jovens ; a implementação de ações e programas qualificados de segurança pública em alguns estados e municípios brasileiros; e o Estatuto do Desarmamento”. Porém, atenta para alguns contrapontos: “o aumento dos conflitos de campo em 2019, tendo como principais vítimas os indígenas, sem-terra, assentados e lideranças agrárias, pontuado fatores acentuadores, tais quais: mudanças regulatórias, a Medida Provisória (MP) Nº 886/2019 (que transfere a identificação e demarcação de TIs para a alçada do Ministério da Agricultura), junto ao Projeto de Lei (PL) Nº 191/2020 (que autoriza a exploração de mineração, turismo, pecuária, exploração de recursos hídricos e de hidrocarbonetos em TIs) e a MP Nº 910/2019 (sobre regularização fundiária)”. Soma-se ainda o “uso da violência por policiais, conjugada à ausência de mecanismos institucionais de controle quanto aos padrões institucionais do uso da força, o que propicia não apenas a vitimização de civis, mas também de policiais.” Outro foco de preocupação diz respeito à politização das organizações da segurança pública. Como exemplo, o Atlas trouxe um ocorrido em Recife em 2021: em que manifestantes pacíficos foram atacados pela polícia militar, com balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta, ou seja, ações descabidas e sem nenhum aparato das instituições democráticas de direito. É importante ressaltar, nesse ponto, que tais atitudes não constituem novidade. Em 2016, estudantes tiveram o mesmo tipo de recepção em Brasília, quando manifestaram-se contra a PEC do teto dos gastos públicos. E não menos importante, a indicação do crescimento do número de inquéritos policiais baseados na Lei de Segurança Nacional, bem como no próprio Código Penal, contra os “delitos de opinião”.
Outro ponto a se destacar é que apesar do número de homicídios ter diminuído em 22% entre 2018 e 2019 conforme o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), há uma crescente deterioração na qualidade dos registros oficiais, processo que se iniciou em 2018, e que foi apontado no Atlas da Violência de 2020. Além do mais, em 2019 houve um aumento de 69,9% de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), ou seja, mortes violentas em que o Estado foi incapaz de identificar a motivação que gerou o óbito do cidadão, tal aumento ocorreu justamente no período em que a taxa de homicídios no país diminuiu. O atlas ressalta que esse não é um problema generalizado em todo o país, mas afeta bastante alguns estados, a exemplo do Rio de Janeiro, em que a taxa de homicídios diminuiu 45,3% em 2019, ao passo que a taxa de MVCI aumentou 237% no mesmo ano. No Rio de Janeiro, em 2019, 34,2% do total de mortes violentas foram classificadas como MVCI.
De maneira geral, todas as unidades da federação apresentaram queda da taxa de homicídios, com exceção do Amazonas que, entre 2018 e 2019, apresentou aumento de 1,6%. O estudo insiste em ressaltar a fragilidade dos dados representativos, principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Ceará e na Bahia, diante da fragilidade piora na qualidade da informação sobre a taxa de MVCI, o que inviabilizou uma análise mais precisa da evolução dos homicídios nas Unidades Federativas. É tanto que a taxa de MVCI alcançou 9 mortes por 100 mil habitantes, índice superior à taxa de homicídios. Tal fato revela a piora na qualidade dos dados sobre mortes violentas no país, levando a ideia de análises distorcidas, na medida que pode indicar subnotificação de homicídios. O estudo produzido por Cerqueira (2013) estimou que, em média, 73,9% das mortes por causas indeterminadas registradas no Brasil entre 1996 e 2010 eram na verdade homicídios ocultos.” Ressalta-se que em relação aos homicídios das mulheres o impacto pode ser maior, pois, em 2019, para cada mulher vítima de homicídio, havia uma mulher vítima de MVCI. Sendo assim, a precarização dos dados reduz a precisão da magnitude dessa diminuição de homicídios no Brasil.
Na juventude, houve queda do número de homicídios. Em contrapartida, também houve crescimento do número de mortes violentas por causas indeterminadas, que entre os jovens passou de 2.535, em 2018, para 3.991, em 2019. Os dados ainda indicam que o risco de ser vítima de um homicídio não está igualmente distribuído entre todos os jovens do país.
Os dados referentes à violência contra a mulher são mais assustadores: em 2009, a taxa de mortalidade de mulheres negras era 48,5% superior à de mulheres não negras, e onze anos depois a taxa de mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras. Nesse sentido: “Entre 2009 e 2019, o total de mulheres negras vítimas de homicídios apresentou aumento de 2%, passando de 2.419 vítimas em 2009, para 2.468 em 2019. Enquanto isso, o número de mulheres não negras assassinadas caiu 26,9% no mesmo período, passando de 1.636 mulheres mortas em 2009 para 1.196 em 2019.”
Ainda, foi apontado o fato de que, em 2019, 33,3% do total de mortes violentas de mulheres registradas ocorreram dentro de casa, e que nos últimos onze anos os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6% entre 2009 e 2019, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.
A pesquisa preocupou-se em destacar as mudanças recentes na legislação de controle de armas, como os mais de 30 decretos e atos normativos presidenciais publicados desde janeiro de 2019 causam preocupação, pois pode agravar o cenário de violência doméstica posto que pode disponibilizar instrumentos ainda mais letais aos agressores. No mais, indicou o consenso na literatura especializada do campo da segurança pública de que quanto mais armas disponíveis e em circulação, maior a probabilidade de crimes.
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