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Poul Anderson - TAU ZERO

Por:   •  22/2/2016  •  Monografia  •  63.171 Palavras (253 Páginas)  •  318 Visualizações

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TAU ZERO

Poul Anderson

Título original: Tau Zero

Tradução: Mário Molina

Impresso no Brasil

Francisco Alves Editora

Digitalizado por: SusanaCap

www.portaldetonando.com.br/forumnovo/ 

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Capítulo 1

Olhe... ali... subindo pela Mão de Deus. Não é?

— Sim, acho que sim. Nossa nave.

Foram os últimos a ir embora quando Millesgarden fechou. Perambularam a maior parte daquela tarde entre as esculturas, ele espantado e fascinado pela experiência do primeiro contato com elas, ela dando um adeus sem palavras ao que ocupara em sua vida uma parte maior do que até então imaginara. Tinham sorte com o tempo, o verão se aproximava do fim. Esse dia na Terra fora luminoso, brisas que faziam as sombras da folhagem dançarem nos muros da vila, um límpido som de fontes.

Mas quando o sol caiu, o jardim pareceu tornar-se abruptamente ainda mais vivo. Era como se os delfins estivessem dando cambalhotas por entre suas águas, Pégaso esbravejando para o céu, Folke Filbyter xeretando atrás do neto extraviado enquanto seu cavalo tropeçava no vau, Orfeu ouvindo, as jovens irmãs abraçando-se em sua ressurreição — tudo sem ruído, porque foi percebido num instante singular, embora o tempo em que aquelas formas realmente se moveram não tenha sido menos real que o tempo que transportava homens.

— Como se eles estivessem vivos, prontos a partir com destino às estrelas e nós devêssemos ficar e envelhecer — murmurou Ingrid Lindgren.

Charles Reymont não a ouviu. Achava-se no lajedo, sob uma bétula, cujas folhas farfalhavam e muito timidamente haviam começado a mudar de cor. Reymont olhava para a Leonora Christine. No alto de seu pilar, a Mão de Deus sustentava o Gênio do Homem, erguido em silhueta contra uma penumbra azul-esverdeada. Atrás, a minúscula e rápida estrela atravessou de um lado para outro e mergulhou outra vez.

— Tem certeza que não era um satélite comum? — Lindgren perguntou por entre o silêncio. — Nunca esperei que fôssemos ver...

Reymont ergueu-lhe uma sobrancelha.

— Você é a primeira oficial e não sabe onde está nem o que está fazendo sua própria nave?

O sueco Reymont tinha um sotaque picado, como a maioria das línguas faladas por ele. Isso acentuava o sarcasmo.

— Não sou o oficial de navegação — ela respondeu, defensiva. — Além disso, eu me esforço ao máximo para tirar tudo da cabeça. Você devia fazer o mesmo. Passaremos um bom número de anos nisso.

Ela se inclinou um pouco para Reymont. O tom de sua voz abrandou:

— Por favor. Não estrague esta noite. Reymont encolheu os ombros.

— Desculpe. Não fiz por querer.

Um funcionário se aproximou, parou e falou respeitosamente:

— Sinto muito, mas temos de fechar os portões agora.

— Oh! — Lindgren se sobressaltou, olhou o relógio, inspecionou os patamares. Absolutamente nada havia neles, exceto a vida que Carl Milles talhara em pedra e metal três séculos atrás. — Mas é claro, é claro, já passou bastante da hora de fechar. Eu não tinha percebido.

O funcionário curvou a cabeça.

— Como minha senhora e meu senhor obviamente queriam, deixei-os sozinhos depois que os outros visitantes saíram.

— Você nos conhece, então — disse Lindgren.

— Quem não os conhece?

O olhar do funcionário a admirou. Era alta e bem proporcionada, com feições harmoniosas, olhos azuis muito abertos, cabelos louros cortados logo abaixo das orelhas. Seus trajes civis pareciam mais elegantes do que era habitual numa mulher do espaço; as cores suaves e esplêndidas, os tecidos graciosos do neomedieval lhe caiam bem.

Reymont contrastava. Era um homem atarracado, carrancudo, de expressão dura, que nunca se preocupara em ver removida a cicatriz que lhe marcava a testa. Sua túnica e calças justas convencionais poderiam muito bem passar por um uniforme.

— Obrigado por não nos ter incomodado — disse ele, mais lacônico que cordial.

— Tive certeza que os senhores não queriam ser assediados por serem celebridades — o funcionário respondeu. — Sem dúvida, muitas outras pessoas também os reconheceram, mas sentiram o mesmo.

— Você descobrirá que nós, suecos, somos um povo amável — Lindgren sorriu para Reymont.

— Não questiono isso — disse seu companheiro. — Ninguém pode deixar de se tornar amável quando está por toda parte no Sistema Solar. — Ele hesitou. — E sem dúvida, quem quer que governe o mundo prefere ser polido. Os romanos eram em sua época. Pilatos, por exemplo.

O funcionário foi surpreendido pela afronta implícita. Lindgren falou um tanto asperamente.

— Eu disse älskvärdig, não artig ("amável", não "polido").

Ela ofereceu a mão.

— Obrigada, senhor.

— O prazer foi meu, Miss Primeira Oficial Lindgren — respondeu o funcionário. — Que sua viagem seja bem-sucedida e que a senhora volte em segurança para casa.

— Se a viagem for realmente bem-sucedida — lembrou — jamais voltaremos para casa. Se voltarmos... — ela se interrompeu. Ele já estaria na sepultura. — Mais uma vez obrigada — disse ao homenzinho de meia-idade. — Até logo — disse aos jardins.

Reymont também trocou um aperto de mão e murmurou alguma coisa. Lindgren e ele partiram.

Muros altos obscureciam a calçada quase deserta mais adiante. Os passos soavam abafados. Pouco depois, a mulher observou:

— Eu me pergunto se o que vimos era mesmo a nossa nave. Estamos numa alta latitude. E nem mesmo uma espaçonave Bussard é suficientemente grande e brilhante para reluzir por entre o clarão do pôr-do-sol.

— Ela o é quando as redes do campo côncavo estão estendidas — disse-lhe Reymont. — E ontem se movia numa órbita oblíqua, como parte dos testes finais. Eles a trarão de volta ao plano eclíptico antes de partirmos.

— Sim, é claro, vi o programa. Mas não teria por que me lembrar exatamente quem está fazendo o quê com ela num determinado momento. Especialmente porque ainda demoraremos mais dois meses para partir. Será que você já está acompanhando agora todo o curso da nave?

— Sim, porque eu sou pura e simplesmente o policial.

A boca de Reymont curvou-se num sorriso forçado.

— E digamos que estou treinando para me preocupar em excesso.

Ela o olhou de esguelha. O olhar tornou-se um exame minucioso. Haviam saído numa avenida a beira-mar. Pelo caminho as luzes de Estocolmo foram se acendendo uma a uma, enquanto a noite emergia por entre casas e árvores.

...

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