Psicologia na Polícia Civil
Por: Patrícia Pratts • 8/4/2016 • Trabalho acadêmico • 3.293 Palavras (14 Páginas) • 269 Visualizações
AS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA
O presente documento tem como objetivo discorrer sobre a contribuição que o Psicólogo Policial pode dar à Polícia Civil de Santa Catarina (PC-SC). Para isso, uma breve contextualização da atuação do profissional de psicologia junto à área jurídica, mais especificamente junto ao sistema de justiça brasileiro (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Civil) será feita, para que, a partir de alguns pressupostos, possam ser esclarecidas as peculiaridades do cargo nesta instituição, PC-SC, de forma a trazer-lhe aquilo que a psicologia tem de especificidade, portanto, de contribuição como área científica.
Os profissionais de psicologia têm sido chamados a contribuir com o sistema de justiça, formalmente, ao que se tem notícias, desde o final do século XIX, quando ocorreu o primeiro contato, formal, entre a Psicologia e o Direito. Tal encontro se deu por meio da denominada 'Psicologia do testemunho' que, embasada por estudos experimentais, principalmente com a utilização de testes, colocava-se a fazer a verificação do relato da pessoa envolvida em um procedimento jurídico, atestando a veracidade do que era dito, isto é, do conteúdo da fala. Desta forma, esperava-se compreender, e delimitar, os comportamentos que deveriam ser submetidos à ação jurídica (ALTOÉ, 2001). Porém, tal forma de atuação do psicólogo, da qual derivaram outras inúmeras práticas que ainda permanecem em uso, vem sendo questionada por representantes da área psi, dentre eles, o órgão que orienta, disciplina e fiscaliza o exercício da profissão de Psicólogo no Brasil, e acima de tudo representa a classe, a saber, o Conselho Federal de Psicologia. Este, em diversas normativas, resoluções, ou mesmo, notas em meios de comunicação, vem colocando-se contrário a algumas formas de atuar, consideradas positivistas, e acríticas, praticadas pelo profissional de psicologia, como por exemplo, o controverso, “Depoimento Sem Dano” e sua variação “Depoimento Especial”. Este, por diversos motivos, principalmente, relacionados à expressão "Sem Dano" não pôde ser sustentado com tal nomenclatura, afinal, tem se percebido que ele não é inócuo. (TORRACA, 2008).
Observa-se uma demanda crescente pelo trabalho dos profissionais da área de Psicologia nos mais diversos serviços e instituições que se relacionam com a Justiça. Uma das áreas mais inovadoras em que a Psicologia foi convidada a se manifestar é da Psicologia no contexto policial. Assim, os conhecimentos desta ciência podem contribuir para a compreensão das mais diversas situações de violência.
Neste contexto, tem-se cogitado o emprego de procedimento intitulado Depoimento sem Dano ou sua variação, Depoimento Especial, para o atendimento de crianças. Todavia, observam-se prejuízos éticos e técnicos para a realização deste tipo de procedimento, pois ele não abrange a dinâmica subjetiva de criança, desrespeita sua condição de indivíduo em desenvolvimento e apresenta sua fala literal como um dado inequívoco de representação de seu testemunho e/ou vivência.
Outrossim, o trabalho inovador que vem sendo realizado pelo psicólogo policial civil, no que se refere à escuta de crianças e adolescentes vítimas de violências, no contexto investigativo/policial, atende aos princípios éticos e técnicos preconizados pelo Conselho Federal de Psicologia.
Neste sentido, cabe mencionar que na resolução do CFP 010/2010, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à prática do DSD, e, ainda que tal normativa tenha sido suspensa por alegação de vício formal, compreende-se que é a partir dela que se encontram os fundamentos éticos e técnicos da atuação do psicólogo neste contexto.
De acordo com tal documento, "a escuta deve ter como princípio a intersetorialidade e a interdisciplinaridade, respeitando a autonomia da atuação do psicólogo, sem confundir o diálogo entre as disciplinas com a submissão de demandas produzidas nos diferentes campos de trabalho e do conhecimento. Diferencia-se, portanto, da inquirição judicial, do diálogo informal, da investigação policial, entre outros".
Nesta direção, conforme explica Iucksch (2012), a oitiva é relativa à verdade real, caracterização dos fatos; já a escuta, considera a dimensão subjetiva, relacionada, essa sim, à avaliação psicológica. A escuta psicológica, portanto, diferencia-se da inquirição, por caracterizar-se uma relação de acolhimento, de disposição para a escuta, de respeito ao tempo de elaboração psíquica dos fatos e de avaliação da dimensão subjetiva. O atendimento psicológico considera as fantasias, lapsos, desejos, enganos, ilusões e o próprio ‘não querer falar’ da criança.
Sabe-se que o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação 33/2010 “recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais (Depoimento Especial). Ocorre que, não sendo esta demanda de exclusividade do profissional de psicologia segundo a mencionada resolução, ela própria subentende que o profissional que o fizer não é demandado a partir dos conhecimentos técnicos que possua, mas por sua técnica de entrevista. Logo, o próprio CNJ admite que não compreende o depoimento especial como prática psicológica. Porém, é ao psicólogo que via de regra se recorre, ao lado dos assistentes sociais, para se realizar tal depoimento.
Cabe mencionar que o próprio Código de Ética do Psicólogo, em seu Art.2º, alínea “f”, veta ao profissional “prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão”.
Por outro lado, sabedores de que a ciência psicológica tem muito a contribuir na compreensão dos fenômenos psicológicos e dos comportamentos humanos, supõe-se que haja alternativa mais viável ao trabalho do psicólogo que atuar em algo que não valorize sua especificidade. Assim, analisando por este viés, resta evidente que a avaliação psicológica parece ser a melhor forma de a Psicologia auxiliar o Direito no âmbito da investigação criminal, de modo ético e técnico. Pelo menos no que diz respeito aos crimes sexuais, sabe-se que “apesar de não existirem instrumentos específicos e indicadores precisos para a constatação do abuso sexual, a avaliação psicológica é uma das maneiras de acessar o histórico do examinando e sua sintomatologia, descartando outras ocorrências que possam ter desencadeado o quadro sintomático avaliado” (SCHAEFER, ROSSETTO & KRISTENSEN, 2012, p.231). Também há na literatura especializada indicadores de credibilidade e validade do relato que podem auxiliar na compreensão do relato da vítima, subsidiando a tomada de decisão pelo sistema de justiça.
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