Quando O Direito Encontra A Economia
Pesquisas Acadêmicas: Quando O Direito Encontra A Economia. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 6/8/2014 • 1.982 Palavras (8 Páginas) • 411 Visualizações
Quando o direito encontra a economia - Daniel Christianini Nery
Não se pretende, nestas poucas linhas, enumerar todas as participações técnicas
de economistas na seara do Direito, tampouco resolver de vez as contradições existentes
entre a visão jurídica e econômica. O presente texto apenas se dispõe a apresentar
algumas influências e argumentos das duas ciências sobre temas comuns, para que o
leitor possa entender as facilidades e dificuldades desta atuação conjunta.
Não é de hoje que se observa a interligação existente entre duas ciências
humanas essenciais para a observação da vida em sociedade. Desde nossos primeiros
dias de faculdade, nas aulas de Introdução ao Estudo do Direito, somos apresentados a
uma série de ciências que auxiliam a correta aplicação do Direito. E cada vez mais, os
advogados precisam ter noções de Economia para se destacarem em suas profissões,
sobretudo em alguns ramos do Direito. Da mesma forma, o economista de hoje deve ter
conhecimento de critérios e princípios jurídicos para melhorar a qualidade de seu
serviço. Por este motivo, vem crescendo cada vez mais o número de profissionais que
realizam a Análise Econômica do Direito (AED), ou seja, a verificação das implicações
econômicas, para empresas e sociedade, de uma nova norma jurídica.
A cada nova norma criada, criam-se também obrigações e direitos. Contudo, em
muitas vezes, o custo de tais obrigações e direitos são transferidos para o cidadão
comum. Ex. as privatizações deixaram o país exposto a grandes empresas que até pouco
tempo não seguiam nenhuma norma jurídica de controle. A lei de defesa da
concorrência é de 1994. O resultado, em alguns casos, pode ser até prejudicial à
sociedade. Com efeito, é da análise conjunta da ciência jurídica e econômica que
podemos encontrar muitos caminhos para a melhor criação de normas para moldar o
comportamento das sociedades. Por outro lado, quando estas duas ciências não se
cruzam, o resultado de idéias econômicas e jurídicas pode não ser o esperado.
O presente texto apenas se dispõe a apresentar algumas influências e argumentos
das duas ciências sobre temas comuns, para que o leitor possa entender as facilidades e
dificuldades desta atuação conjunta.
O Estado garante aos agentes econômicos toda uma legislação para nortear as
relações na cadeia de produção e de circulação de bens e serviços. Assim, a regulação
da propriedade e dos contratos, através do Código Civil, é um dos pontos principais
nesta atuação legislativa, além da regulação do direito da empresa, presentes tanto no
Código Civil quanto em leis especiais, como a Lei das S.As (Lei nº 6.404/76), ou na lei
de mercado de capitais (Lei nº 4.728/65 e 6.385/76), ou ainda quando estudamos a
recuperação financeira de uma empresa (Lei nº 10.101/05).
Os diversos mandamentos da Lei das S.A possuem fortes critérios econômicos,
visando, na maioria das vezes, preservar os direitos e os interesses dos acionistas
minoritários. Da mesma forma, a Lei de Recuperação Judicial de Empresas, com sua
recente modificação, demonstrou a intenção clara do legislador em proteger a
continuidade dos negócios das empresas, ao invés de simplesmente fechá-las, como
muitas vezes acontecia no regime jurídico da lei anterior.
E, de fato, quando o Poder Judiciário atua como protetor do cidadão e do
investidor privado, nota-se o alinhamento entre Economia e Direito. Com isso, a política
e os compromissos públicos passam a ser mais críveis, e há redução da instabilidade de
desconfiança dos investidores estrangeiros nos “mandamentos estapafúrdios” e
“pacotes” de alguns Governos.
Mas esta história não pode ser contada apenas pelos bons encontros entre as
duas ciências! Talvez mais importante seja observar os desencontros, as
incompatibilidades entre Direito e Economia. E esta incompatibilidade pode ser
demonstrada tanto em um cenário pequeno (alguns pontos específicos das leis) quanto
em um aspecto maior, que verifica o Poder Judiciário como uma instituição econômica.
Primeiramente, relacionado a esta visão macro, ressalta-se o estudo do
economista Armando Castelar Pinheiro, de 2003. Naquela pesquisa, concluiu-se que a
duração média até uma decisão judicial dos litígios em que as empresas se viam
envolvidas chegava a 31 meses na Justiça do Trabalho, 38 meses na Justiça Estadual (de
São Paulo) e 46 meses na esfera Federal. Atualmente, este prazo médio vem crescendo,
de forma acelerada!
As empresas, porém, possuem um relacionamento ambíguo com essa
morosidade da Justiça. Nos casos trabalhistas, por exemplo, a maioria dos empresários
entende que a lentidão lhes é benéfica, sobretudo quando são réus. Com efeito, quase a
metade dos casos levados ao judiciário trabalhista termina em acordo entre as partes,
após uma verdadeira prova de resistência a qual é submetido o reclamante... o mesmo se
repete em causas relacionadas ao direito do consumidor, meio-ambiente e tributário.
Isso ilustra um efeito extremamente perverso, mas de amplo conhecimento para
todos os que militam na área jurídica: a demora da Justiça serve para que o Judiciário
seja usado para impedir a utilização de um direito ou pelo menos protelar o
cumprimento de uma obrigação.
E os efeitos deletérios da ineficiência do Poder Judiciário como um todo não
terminam por aí. Várias pesquisas demonstram que esta ineficiência impacta no
progresso tecnológico (que depende da mão judicial para assegurar os direitos de
propriedade intelectual), na política econômica (se a cobrança de impostos é dificultada
pela lentidão das execuções fiscais, o Estado acaba recorrendo à criação de impostos
com arrecadação facilitada, como ocorria, por exemplo, com a CPMF) ou mesmo no
investimento das empresas.
Isto porque, atualmente, muitas empresas já se previnem contra a demora da
prestação jurisdicional, com evidente aumento de custos para toda a sociedade e
diminuição da competitividade do produto brasileiro.
Mesmo a Administração Pública já se viu obrigada a contornar as vias judiciais
se desejar uma prestação mais célere e economicamente viável. Exemplo desta situação
se deu na própria Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94): Para evitar todo o
lento processo judicial em busca de uma decisão que se permita a análise de provas
obtidas contra cartéis, a lei foi modificada, permitindo-se a realização de Termos de
Ajustamento de Conduta, com pagamento de pesadas multas, em troca do rápido
arquivamento do processo.
Neste sentido, podemos concluir que a maior contribuição da Justiça para a
Economia seria resolver, de forma eficiente, os litígios, consolidando as regras
necessárias às operações empresariais e viabilizar o desenvolvimento da nação.
Observando agora por um prisma menor, relacionado a algumas incongruências
das leis, nota-se um dos grandes problemas do sistema normativo de nosso país: não são
poucos os que criticam o excesso de recursos, garantias e normas que são utilizadas de
forma favorável aos devedores, tornando a execução um processo longo e de raro
resultado positivo para o credor. Esta situação, por si só, acaba ensejando o aumento dos
juros bancários no momento dos empréstimos. Economistas (e vários juristas) tendem a
achar absurda a forma como o processo de execução é levado no âmbito judiciário.
E as dissonâncias entre economistas e juristas seguem... quando o Governo
impõe uma regra que obriga determinados prestadores de serviço a atender o
consumidor em até 15 minutos, diminuindo o tempo na fila, tal obrigação cria um custo
adicional ao empresário, com relação ao número de funcionários e aparelhagem. Neste
momento, apresentam-se duas opções ao empresário: a) alguns economistas acreditam
que o empresário irá transferir este custo adicional ao consumidor, buscando
recuperação imediata; b) já alguns juristas entendem que o correto seria aproveitar a
melhoria da qualidade do atendimento para obter maior clientela, que compensará o
gasto extra em médio e longo prazo.
É justamente este embate entre o “dever ser” do mundo jurídico e o “ser” do
mundo econômico que muitas vezes permeia nosso dia-a-dia.
Entretanto, uma das questões mais controvertidas entre economistas e juristas
diz respeito ao famoso “aumento abusivo de preços”. O artigo 20, inciso III da Lei nº
8.884/94 indica que o aumento arbitrário de lucros é uma infração à ordem econômica.
Já o artigo 39 inciso X do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) proíbe
que o fornecedor eleve sem justa causa o preço de seus produtos ou serviços.
Mas, afinal de contas, o que seria este ABUSO? Para chegarmos próximos de
uma conclusão, partimos de um pressuposto, assegurado tanto pelo Direito quanto pela
Economia, de que o produtor / empresário possui o direito de aumentar ou diminuir seus
preços, bem como o direito de perseguir o lucro. Portanto, o aumento abusivo de preço,
em um primeiro momento, nada mais seria do que um “abuso de direito”, ou seja, um
exercício irregular ou ilícito de um direito.
E a própria legislação cuidou de indicar algumas situações em que o exercício de
um direito, mesmo causando prejuízo a outrem, não pode ser considerado abusivo. A
este respeito, nota-se o direito de legítima defesa, tanto na esfera criminal quanto civil
ou, mais próximo de nosso assunto, o direito previsto na Lei de Defesa da Concorrência,
segundo o qual “a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na
maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores” não caracteriza
infração à ordem econômica.
Tendo essa breve noção sobre o que pode ser entendido por abuso, faltaria
responder uma segunda questão, e aí está toda a celeuma: Quando ocorreria um
aumento abusivo de preços?
Primeiramente, a prática esbarraria em uma condição prevista na lei e imposta
por questões práticas, qual seja, a necessidade de a suposta empresa deter poder de
mercado. Explica-se: o dono do boteco da esquina não teria êxito em aumentar seus
preços de forma abusiva, pois a clientela migraria para os outros bares das
proximidades. Da mesma forma, um produto que enfrenta forte concorrência não
poderia ter seu preço aumentado significativamente, pois os consumidores rapidamente
comprariam os produtos concorrentes.
Para os operadores do direito, um aumento significativo de preços que não fosse
motivado pelo aumento dos custos ou por questões de sazonalidade (determinadas
épocas do ano em que se costuma vender mais determinado produto, como o peru no
Natal ou os bronzeadores durante o verão) seria um forte indício de aumento abusivo.
Já o raciocínio utilizado pelos economistas é diferente, e talvez por isso cause
discussão com advogados: Se uma empresa aumenta seus preços e os mantém por certo
tempo, independentemente de motivos externos, significa que encontrou consumidores
dispostos a pagar aquele preço mais alto. É a expressão máxima da velha lei da oferta e
procura. Por este motivo, um preço dificilmente seria “abusivo”, pois apenas estaria
refletindo o interesse do mercado em adquirir o produto. Assim, mesmo que não
houvesse um aumento de custos, a simples procura pelo preço máximo de venda não
configuraria, por si só, o preço abusivo.
Os exemplos são vários: uma fruta tropical pode ser adquirida aqui no Brasil por
preços relativamente pequenos. Entretanto, a mesma fruta, vendida na Europa, teria
preços muito mais altos, mesmo sem contar questões exógenas, como impostos ou
custos de transporte. Mesmo neste caso o preço feito ao mercado europeu não seria, em
um primeiro momento, abusivo, pois aqueles consumidores se dispõem a pagar tal
preço.
Em resumo, o empresário não estaria abusando do seu direito de procurar o
preço máximo que o consumidor aceita pagar por seu produto.
Em termos mais simples, se o preço fosse aumentado “abusivamente”, o
consumidor não compraria o produto! Ou ainda, se houvesse clientela disposta a pagar
aquele novo preço, certamente haveria uma parcela da população que, mesmo desejando
tal produto, não teria condições de pagar. Neste caso, os altos lucros e esta demanda
reprimida poderiam fazer com que outros empresários se interessassem por aquele
mercado, estabelecendo concorrência e, rapidamente, diminuindo o preço.
Evidentemente, ficariam de fora desta regra trazida pelos economistas aqueles
produtos de extrema necessidade para o consumidor, tais como remédios e
determinados serviços que precisam ser adquiridos independentemente do preço, ou
ainda as situações de monopólio. Mas atualmente, na maioria destes casos, tratam-se de
preços previamente regulados e fiscalizados pelo Estado, seja por meio de Agências
Reguladoras, seja por Ministérios ou outros entes governamentais, o que minimizaria
ainda mais a possibilidade da existência de um “preço abusivo”, considerando que todos
estes entes governamentais tivessem plenas condições de atuação.
De qualquer forma, este assunto está longe de uma definição. Enquanto isso,
proliferam acusações de preço abusivo, sempre acompanhadas de perto por órgãos de
defesa do consumidor e da concorrência.
Como podemos observar, a união entre duas ciências extremamente importantes
nem sempre é fácil. Como dito nos primeiros parágrafos, o objetivo deste texto não é
chegar a uma conclusão única. Ao invés disso, a intenção é fomentar discussão entre os
argumentos apresentados e outras tantas discordâncias entre economistas e advogados
para se obter uma prestação jurisdicional mais interessante para a própria sociedade.
Parte da insegurança jurídica e do descrédito que se tem pelo Poder Judiciário
decorre, principalmente, da incapacidade de alguns operadores do Direito de entender,
seja por falta de informação, conhecimento ou interesse, a realidade econômico-social
brasileira. Da mesma forma, parte do descrédito que se tem pelos economistas vem do
fato de que a aplicação das teorias econômicas, muitas vezes, se esquece das
implicações jurídicas necessárias para a plena satisfação dos agentes econômicos e de
toda a sociedade.
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