A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL PELA PERSPECTIVA DE SÉRGIO PAULO ROUANET (1993)
Por: Daniel Cosme • 5/12/2019 • Ensaio • 1.580 Palavras (7 Páginas) • 242 Visualizações
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL PELA PERSPECTIVA DE SÉRGIO PAULO ROUANET (1993)[1]
Daniel Cosme da Silva Nascimento[2]
Para o escritor Sérgio Paulo Rouanet (1993), o historismo enraíza o homem em uma individualidade coletiva, exaltando suas particularidades e seus caracteres, as quais referem-se à época, comunidade, classe, raça ou sexo; diferente do universalismo, que se preocupa com o indivíduo em si, a união do ser humano por meio de um saber e uma moral universais. A particularidade, não obstante, pretende o restrito, o recorte de uma dada realidade, interceptando o diálogo e, enfim, obdurando-a até mesmo a um autoritarismo como o nazismo. De acordo com o autor “o homem só existe situado, como parte de uma comunidade, de um grupo étnico, de uma cultura” (ROUANET, 1993, p. 49), isso implica a cultura como espelho do indivíduo. Sua visão contrapõe-se à proposta de Herder (apud ROUANET, 1993) ao conceituar a noção de Volk “povo”, o qual entende o homem como um resultado do contexto de sua comunidade, tendo o juízo limitado a ela.
O esforço pelo silêncio do universalismo na atualidade decorre do seu fiel pronunciamento “Antes de tudo é...”, o qual reitera, por exemplo, sujeitos de cenários específicos não como mulheres, negros, ou pobres, mas como indivíduos de certo sexo, certa raça e certa classe social. Diante do que foi dito, é notável aperceber-se do historismo também como conservador, criador e perpetuador de narrativas, ou seja, nacionalista.
Tomando uma síntese do pensamento herderiano de que um autor não consegue ser ele mesmo a não ser que escreva sobre sua língua e sua terra, no Brasil, por exemplo, a literatura brasileira, a qual assumiu o compromisso de falar da literatura nacional, elencando as características particulares à geografia e vida locais como representações da identidade nacional, construiu um projeto de nação através de um “irracionalismo sentimental, de exaltação pegajosa do sangue e da terra” (ROUANET, 1993, p. 69).
Ferdinand Denis (1826) aponta que, mesmo após a descolonização no Brasil, a qual caminhou ao lado das glorificações da natureza feitas pelos estrangeiros, e a busca por instituições diferentes e próprias, o país bebia das fontes de literaturas européias usando-as como adorno, além de “opulentar o tesouro da metrópole”, o que alega a literatura brasileira como uma espécie de “literatura européia”, mas no Brasil. Isso implica que até o século XIX a obra literária brasileira não refletia uma individualidade ao sujeito brasileiro, pois, ela se preocupava em adotar a imagem da natureza, a qual se voltava para o indígena como elemento principal para simbolizar a nação brasileira, numa tentativa de buscar a explicação de sua essência. Porém, ao atrever-se na busca por um modelo de identidade nacional, a literatura aniquilou as possibilidade de haver outras pluralidades existentes no território brasileiro ao empregar o indígena como o ideal a ser discutido, compondo, assim, o conceito de particularidade que Rouanet (1993) discute e que Denis (1826) se identifica.
O romantismo de Gonçalves de Magalhães e de Garrett também evidencia os seus pontos de vista particularistas: segundo Octavio Souza (1994), a busca pela identidade nacional foi alimentada pela carência de um efeito de ação sobre seu próprio destino. No decorrer de sua argumentação, citando Gonçalves de Magalhães, Souza (1994) declara que a falta de um conjunto de produções culturais que servisse de solo à literatura nacional utilizou-se da base europeia em uma relação problemática entre o conteúdo nacional e a forma européia. Em Garrett (1898), por sua vez, é bem possível destacar a partir de suas observações críticas a ideia de que a qualidade da literatura nacional, e muito mais a sua fidelidade ao título, deve-se aos quadros pintados pelos seus poetas e às cores do país em que se situa, perdendo muito se omitindo-os.
Em contrapartida ao pensamento particularista de Garrett (1998), Machado de Assis reflete, entre outros assuntos envolvidos com o instinto de nacionalidade invocado pelos autores brasileiros, em seu texto crítico Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade, o seguinte:
É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento indiano, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar entre as tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária. Mas se isto é verdade, não é menos certo que tudo é matéria de poesia, uma vez que traga as condições do belo ou os elementos de que ele se compõe. [...] não é lícito arredar o elemento indiano da nossa aplicação intelectual. Erro seria constituí-lo um exclusivo patrimônio da literatura brasileira; erro igual fora certamente a sua absoluta exclusão (ASSIS, 1997, p. 803).
Os elementos intrínsecos à natureza brasileira não evidenciam-se como marcas distintivas da literatura nacional, posto que a tentativa de particularização da literatura nacional a partir da imagem do índio e seu ambiente de vivência, que não está ligada à civilização brasileira, falha pelo fato de tal imagem já ter sido cantada e contada antes por outros autores que a entenderam como rico manancial de matéria fabulatória e poética. Isso prova ainda, segundo Machado (1997), que o destaque da cor local não supera o “certo sentimento íntimo” que o autor deve ter e que “o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.
No entanto, Machado (1997) compreende que é inegável a existência de um legado da literatura brasileira na terra de palmeiras e sabiás, um legado referente à vida indiana, mas tão brasileiro quanto universal. Tomando a perspectiva iluminista de Rouanet (1993) como base, pode-se entender que aos elementos culturais tão exaltados pelos naturalistas e românticos como atributo particularizante da nação e da “alma do povo” são, também, fontes de inspiração para autores estrangeiros. O contrário também revela-se possível, como afirmado no decorrer da crítica de Machado, o qual desvinculava o valor nacional da exaltação da natureza, o que, do contrário, limitaria a literatura brasileira e o alcance à universalidade temática: “[...] uma opinião, que tenho por errônea: é a que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura” (ASSIS, 1997, p. 804).
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